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200 anos da imigração alemã no Brasil: relembre a chegada dos imigrantes em Joinville

25 de julho de 2024 marca o bicentenário da imigração de povos germânicos no país

Fred Romano
fred@omunicipiojoinville.com

Nesta quinta-feira, 25, comemoram-se os 200 anos da imigração alemã no Brasil, em alusão à fundação da primeira colônia em São Leopoldo (RS) em 1824. A colônia Dona Francisca, que se tornou Joinville, foi uma das principais da época. Atualmente, famílias buscam manter vivas as tradições germânicas trazidas pelos imigrantes.

A imigração alemã para o Brasil no século 19 foi impulsionada pelas transformações sócio-políticas na Europa e pela demanda de mão-de-obra no Brasil. Os imigrantes chegaram para trabalhar nas lavouras de café e nas colônias fundadas pelo governo brasileiro, especialmente nas regiões Sudeste e Sul.

A diversidade cultural dos grupos alemães era significativa, e eles estabeleceram colônias em estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia.

Na região Sul, o sistema de colonização visava povoar áreas de floresta e manter o território, contrastando com a província de São Paulo, onde o foco era a mão-de-obra para o café. A colônia de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, foi um sucesso inicial, e os colonos alemães eventualmente se espalharam por outras regiões.

Além de agricultores, muitos imigrantes eram artesãos, comerciantes e profissionais urbanos que contribuíram para o desenvolvimento das comunidades.

A expansão dos colonos alemães resultou em uma forte presença cultural, exemplificada pela rede de igrejas luteranas e colônias homogêneas no Sul. A preservação da cultura germânica incluía escolas comunitárias, onde a língua e os valores alemães eram ensinados, apesar de pressões para a integração à cultura brasileira. A identidade étnica se manteve forte através das gerações, mesmo com a gradual assimilação.

A imigração alemã teve um impacto duradouro na agricultura, urbanização e industrialização do Brasil, além de influenciar a arquitetura, hábitos alimentares e celebrações culturais, como a Oktoberfest, em Blumenau, e a Stammtisch, em Joinville.

A vida religiosa e cultural dos imigrantes moldou a sociedade brasileira, com igrejas, escolas e associações desempenhando papéis centrais na preservação e transmissão da herança germânica.

As informações são do livro “Brasil: 500 anos de povoamento”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo Dolores Tomaselli, historiadora e diretora-executiva da Sociedade Cultural Alemã de Joinville, essa iniciativa do governo imperial visava ocupar terras além do litoral, que permaneciam desocupadas após a ocupação portuguesa concentrada nas áreas costeiras.

Em Santa Catarina, a chegada dos primeiros alemães ocorreu em 1829, na colônia São Pedro de Alcântara, também impulsionada pelo governo. No entanto, a colônia não prosperou devido à qualidade das terras, levando muitos colonos a se deslocarem para a região de Florianópolis, cidade que hoje possui numerosos nomes germânicos.

A partir de 1850, a imigração passou a ser organizada por empresas de colonização. Iniciativas como a do Dr. Blumenau e de Christian Mathias Schroeder foram fundamentais. Schroeder propôs ao príncipe de Joinville, herdeiro das terras, a ocupação com imigrantes alemães, resultando na fundação da colônia Dona Francisca em 1851.

A propaganda na Europa, que descrevia o Brasil como uma ótima oportunidade, atraía muitos imigrantes. “Causava uma preocupação neles, porque faziam uma propaganda muito intensa que aqui era a ‘oitava maravilha’ do mundo e quando o imigrante chegava aqui ele já se deparava com uma situação completamente diferente”, conta Dolores. Prometia-se infraestrutura que, na prática, não existia. Os imigrantes precisavam produzir seu próprio sustento desde o início.

Muitos imigrantes tinham profissões liberais na Alemanha e enfrentaram desafios ao se adaptarem à vida agrícola. Exemplos incluem Carl Gottlieb Döhler, um tecelão, e Hermann Wetzel, um saboeiro, que vieram como agricultores.

Dolores conta que ambos focavam na agricultura durante o dia para gerar sustento à própria família. Durante a noite, eles produziam suas outras especialidades, como tecidos e velas, no caso de Döhler e Wetzel, respectivamente. Quando visitavam o centro da colônia, levavam os materiais produzidos e vendiam para os outros moradores.

Os imigrantes também enfrentaram desafios climáticos e de saúde, adaptando-se às doenças tropicais e às diferenças linguísticas entre os diversos dialetos germânicos. A saudade da Europa era um sentimento comum, e muitos imigrantes sonhavam em retornar em uma viagem mais digna do que a sofrida travessia inicial.

Durante o governo de Getúlio Vargas, a proibição do uso do alemão e a repressão cultural foram momentos difíceis, mas a criação de instituições, como o Museu Nacional da Colonização e Imigração em 1951, ajudou a resgatar e preservar essa história.

Museu Nacional da Imigração e Colonização em 1967 | Arquivo Histórico de Joinville

“Outra data importante é a ida da força expedicionária brasileira — criada em 1943 e extinta em 1945 —, formada basicamente por imigrantes alemães e italianos que foram para a Europa lutar pela liberdade dos seus países de origem”, conta Dolores.

Luis Alberto Luckow, proprietário do Rheinkeller Restaurante e Choperia e presidente do Comitê das Cidades Irmãs de Joinville, compartilha histórias e memórias familiares que refletem a adaptação de seus antepassados alemães à vida no Brasil.

“Meus bisavós vivenciaram a 2ª guerra mundial e a proibição da língua alemã em Joinville, e ainda temos alguns objetos que usaram na época, como um rádio construído pelo meu avô marceneiro, em que escutavam notícias da guerra. E uma cadeira infantil, que está em uso pela terceira geração na família,” revela Luis. A cadeira infantil foi feita pela bisavô de Luis, Paulo Brietzig, que era marceneiro, em 1945 para a sua primeira neta, Mariza, e está na família por gerações.

Na primeira foto, Mariza é a primeira a usar a cadeira em 1945; na segunda foto, todos os familiares que usaram a cadeira até hoje | Foto: arquivo pessoal

Apesar das dificuldades, os imigrantes contribuíram significativamente para o desenvolvimento econômico e social da região. “Os imigrantes alemães trouxeram consigo seus valores, religião, cultura e tradições. Ao se instalarem em Joinville, trabalharam no campo e fundaram igrejas, sociedades, comércios e empresas”, explica Estêvão Rudi Arntz, presidente da Sociedade Cultural Lírica de Joinville.

O associativismo, presente desde os primeiros anos, continua sendo uma característica forte. A Sociedade dos Proprietários de Imóveis, criada em 1855, e outras instituições centenárias como o Corpo de Bombeiros Voluntários, a Sociedade Ginástica e o Hospital Dona Helena, são exemplos disso. Nas ruas e monumentos de Joinville, os nomes de figuras como Ottokar Doerffel, Carl Julius Parucker e Hermann Wetzel refletem a contribuição dos imigrantes alemães para o desenvolvimento da cidade.

A arquitetura de enxaimel, presente em todo território de imigração alemã, é vista como um legado importante. Joinville foi pioneira na preservação do patrimônio arquitetônico. O Cemitério do Imigrante, tombado como patrimônio histórico, e o Museu Nacional da Colonização e Imigração são exemplos dessa herança.

Casa em enxaimel | Foto: Arquivo Histórico de Joinville

A religião também desempenhou um papel importante, com luteranos e católicos convivendo e contribuindo para o desenvolvimento da colônia. Conforme Dolores, para os luteranos se tornou mais fácil manter a própria religião devido à tradução da Bíblia.

Com a Bíblia no idioma alemão, eles mesmos liam e estudavam a filosofia. Enquanto os católicos, por terem a Bíblia em latim, tinham a necessidade de que outra pessoa que entendesse o idioma a lesse para eles.

Estêvão compartilha que a herança da imigração alemã tem um impacto profundo em sua vida pessoal e familiar. “Na nossa família sempre tivemos Deus como a base de tudo. Os imigrantes trouxeram na bagagem a Bíblia e fundaram as primeiras igrejas luteranas. A dedicação à família, ao serviço ao próximo e ao trabalho se mantêm presentes até os dias de hoje”, conta.

A Sociedade Cultural Lírica de Joinville está em preparação para celebrar o bicentenário da imigração alemã no Brasil, com uma série de eventos ao longo de 2024. Nesta quinta-feira, 25, uma solenidade especial marca a data histórica, homenageando entidades e pessoas que têm contribuído significativamente para a manutenção da cultura alemã em Joinville.

A noite contará com apresentações do Coral e do Grupo Folclórico da Lírica, segundo Estêvão. A Sociedade Lírica, com 102 anos de história, desempenha um papel vital na preservação e propagação dessa herança cultural.

Confira a programação:

Estêvão reconhece que a modernidade, pluralidade e globalização da sociedade atual representam tanto desafios quanto oportunidades para a preservação da cultura alemã. “O principal desafio é fazer com que as novas gerações tenham o mesmo interesse na preservação da cultura alemã como as gerações anteriores”, afirma. Joinville, como um polo econômico, atrai cada vez mais pessoas de diversas regiões, muitas das quais nunca tiveram contato com a cultura alemã.

A Sociedade Lírica vê nisso uma oportunidade de atrair e educar essas novas audiências por meio de apresentações culturais do coral e do grupo folclórico, bem como pela gastronomia típica oferecida pelo restaurante Rheinkeller, anexo à sociedade.

Culturalmente, a música ocupa um lugar especial. “Minha esposa e eu tivemos avôs que tocavam no bandoneon as melodias da música típica alemã e até hoje gostamos muito”, revela. O canto coral, tanto na igreja quanto na Lírica, é uma tradição mantida viva na família, e Estêvão deseja passar esses valores e tradições para as próximas gerações.

A história da imigração alemã é uma parte integral das histórias familiares passadas de geração em geração. “Nossos avós nos contavam histórias de sua infância, de como a vida era diferente. Apesar de ter sido uma época de mais dificuldades e trabalho pesado, eles sempre lembravam com alegria dos tempos de infância e juventude”, recorda Estêvão. Essa dedicação dos antepassados foi fundamental para proporcionar uma vida mais confortável e cheia de oportunidades para as gerações seguintes, e é algo que a família Arntz nunca deixa de valorizar.

Luis Alberto Luckow destaca a influência da imigração alemã na cultura gastronômica local. Para ele, a culinária alemã em Joinville está ligada a memórias afetivas, onde receitas transmitidas de geração em geração evocam lembranças carinhosas dos antepassados.

“Muitos lembram de receitas de seus antepassados com muito carinho e isso se perpetua em pratos ricos de sabores únicos como as cucas, geleias, biscoitos e queijos artesanais, além de pratos para refeições como eisbein, salsichas, marreco, chucrute, repolho roxo e batatas em diversas formas de preparo”, explica Luis.

O Rheinkeller Restaurante e Choperia desempenha um papel como representante da culinária alemã no Brasil, especialmente neste marco histórico dos 200 anos de imigração alemã. “Mantemos em nosso cardápio várias opções tradicionais, e algumas releituras para os tempos atuais. Ousamos em trazer sempre novidades direto da Alemanha”, diz Luckow, enfatizando a importância de manter vivas as tradições culinárias enquanto se adapta aos gostos contemporâneos.

Para celebrar e preservar as tradições culinárias alemãs, o Rheinkeller realiza festivais gastronômicos que harmonizam os pratos tradicionais com estilos de cerveja artesanal de fabricação própria. “Realizamos festivais gastronômicos, harmonizando com os estilos de cerveja artesanal de fabricação própria”, afirma Luckow.

A culinária familiar desempenha um papel central na identidade do Rheinkeller, com receitas passadas de geração em geração. “O spatzle com goulash são pratos marcantes, além do marreco com repolho roxo e chucrute”, destaca Luckow. Ele enfatiza que a boa gastronomia alemã e a cerveja estão sempre presentes nos encontros familiares, celebrando a herança alemã de maneira saborosa e tradicional.

O Grupo Folclórico Windmühle, com 36 anos de história, está em um processo de revitalização e resgate cultural. O grupo, que começou em 28 de maio de 1988, é o mais antigo atuante na cidade e faz parte da Sociedade Lírica há mais de 30 anos.

Daniela Krüger Holz, responsável pelo marketing, eventos, história e trajes de todas as categorias do grupo, compartilha como o Windmühle está se preparando para o futuro e reafirmando suas raízes culturais.

Grupo Folclórico Windmühle | Foto: arquivo pessoal

Este ano, o Windmühle está expandindo seu alcance ao realizar um trabalho dentro de uma escola na categoria infantil, atendendo 32 crianças, além das 20 crianças que já participam na Sociedade Lírica. “Nosso lema é ‘sempre jovens e alegres’, porque queremos que todas as pessoas, independentemente da idade, se sintam jovens ao dançar e expressar sua cultura”, afirma Daniela.

Grupo folclórico infantil na Escola Municipal Adolpho Bartsch | Foto: arquivo pessoal

O nome Windmühle, que significa moinho de vento, foi inspirado no pórtico da cidade de Joinville, um símbolo local reconhecido. Após a pandemia, o grupo passou por uma revitalização, incluindo um resgate histórico significativo. A meta do grupo é celebrar seus 40 anos em 2028 e, em 2029, se preparar para o bicentenário da colonização alemã em Santa Catarina.

Daniela, moradora de Pirabeiraba, percebeu a necessidade de um grupo folclórico na região e, juntamente com sua filha Anabel, iniciou outro grupo na Sociedade Rio da Prata, o Volkstanzgruppe Pirabeiraba Schön – grupo folclórico bonita Pirabeiraba, em português. “O resgate principal na Rio da Prata é a tradição, especialmente das danças e da língua alemã”, explica. O grupo planeja implementar projetos que incluam aulas de alemão para crianças, resgatando a língua que muitas famílias deixaram de falar devido a proibições no passado.

Para Daniela, a importância de um grupo folclórico vai além da dança. “Quem dança num grupo folclórico é um folclorista. A gente estuda e tenta fazer uma imersão dentro da cultura, trazendo toda a bagagem cultural do povo europeu que veio para cá, e também das adaptações que foram feitas aqui”, diz.

O grupo Windmühle não se limita a descendentes germânicos. “Hoje nós temos pessoas de várias outras etnias que participam simplesmente porque gostam”, comenta Daniela. O grupo valoriza a música, a dança e a gastronomia como formas de conexão cultural que transcendem origens étnicas.

Daniela está determinada a continuar aprendendo e promovendo a cultura alemã. “Neste semestre eu inicio o estudo do idioma alemão, e minha filha já faz aulas há algum tempo”, compartilha. Ela acredita que o resgate da cultura através da língua e das danças é essencial para manter viva a herança cultural.


Assista agora mesmo!

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