X
X

Buscar

Alemão vem a Joinville a passeio e se apaixona por joinvilense; “mulher da minha vida”

Especial Virei Joinvilense conta histórias de imigrantes que escolheram Joinville como lar

Ernst Klipp e um amigo chegaram em Joinville na madrugada do dia 29 de dezembro de 1991. Encontraram apenas um bilhete na porta do local combinado. A mensagem dizia que os alemães eram aguardados na Praia Vermelha, em Penha, para as festividades da virada de ano.

A história de Ernst é a penúltima a ser contada na série Virei Joinvilense, um especial produzido pelo jornal O Município Joinville. Ao todo, foram cinco reportagens e cinco vídeos. Toque para conferir.

“Ele viajou em 1990 e no outro ano ele queria voltar, porque ele tinha um negócio aqui, abriu um restaurante com um brasileiro daqui e perguntou se eu queria ir junto”, lembra Ernst sentado na mesa do apartamento que mora em Joinville. “Eu tinha tempo e um pouquinho de dinheiro sobrando e vim junto.”

Quando chegou em Joinville, aos 29 anos, encontrou a cidade vazia. Ernst veio para passear e o amigo precisava tratar de negócios na cidade. Além do relógio marcar a madrugada, a migração sazonal dos joinvilenses para a praia já havia ocorrido. Quem os receberia já estava há quilômetros dali, em clima de festa, na beira da praia.

No dia seguinte, Ernst e o amigo conseguiram uma carona até Penha, onde um grupo de jovens os esperavam em uma casa perto do mar. Ernst não fazia ideia, mas a chegada de uma jovem joinvilense mudaria a vida dele.

Foto: Isabel Lima/ O Município Joinville

Suzane chegou na praia em 31 de dezembro de 1991. Na época, ela era apenas a irmã do melhor amigo do Jonnis, o chefe do restaurante que o amigo de Ernst era sócio. “Eu tava viajando com um pessoal da Alemanha, eu tava muito mal humorado”, conta Ernst. A cara fechada dele não atraiu Suzane de primeira. “Eu achei eles muito antipáticos”, conta. Eles estavam em um grupo grande de pessoas e o clima não era agradável. A virada do ano foi um rápido brinde entre todos e em seguida já foram dormir.

No dia seguinte, já descansados e de humor renovado, foram para a praia. Suzane falava pouquíssimo alemão, mas engatou em uma conversa com Ernst. Ficaram o dia inteiro grudados, conversando não se recordam como ou sobre o que. “A gente se apaixonou, foi uma loucura”, conta o alemão.

Isabel Lima/O Município Joinville

Antes de voltar para Alemanha, Ernst e o amigo viajaram por Santa Catarina, sempre intercalando com passagens por Joinville para visitar a nova paixão. Mas chegou o fim da viagem e ele precisava voltar para Hannover, no Centro Norte alemão.

“Eu deixei meu endereço com ela, meu telefone, mas eu falei ‘daqui a pouco eu vou voltar’”, lembra Ernst. Na época, Suzane era a primeira veterinária do projeto do Zoobotânico. Além de ganhar pouco, a economia no país estava complicada.

Para manter o contato, o casal fazia ligações uma vez por semana. “Ela não tinha muito dinheiro, mas insistiu em fazer uma parte e ligava também”, diz Ernst. Embora ainda estudasse Teatro, o alemão havia finalizado os estudos de música e dava aulas. Tinha uma vida mais confortável que Suzane.

Os dois também trocavam cartas, que podiam levar de duas a três semanas para chegar. “O cachorro dela gostava muito de papel alemão, comeu a metade de uma carta que eu escrevi antes dela conseguir ler”, conta Ernst. Como ela não falava alemão perfeitamente, pedia para o pai traduzir alguns trechos das cartas e entrou em um curso. A situação podia ser um pouco constrangedora, mas o desejo de entender o que ele tinha a dizer faziam Suzane engolir o orgulho e pedir ajuda ao pai.

De lá, Ernst encontrou uma maranhense que dava aulas de português e começou a praticar. Suzane até tentou escrever uma carta em alemão, mas Ernst não conseguiu entender. Ficou decidido que ela escreveria em português e ele em alemão.

Ainda em 1992 Ernst voltou. Primeiro terminou com uma namorada que tinha na Alemanha e chegou em Joinville em julho. Suzane tinha uma semana de férias e um Fusca que havia acabado de comprar. Os dois foram para Búzios, no Rio de Janeiro, dirigindo.

“Voltei em abril de 93, pegamos o Fusca e fomos até a Bahia”, conta o alemão. A aventura rendeu conversas sérias sobre o futuro, pois a relação não podia continuar desta forma. “Pedi ela em casamento na Bahia, a gente estava em uma pousada”, diz Ernst.

Suzane disse sim ao casamento. O pai dela apoiou a relação, assim como o dele. Com isso, veio o momento de definir onde o casal moraria. “A situação aqui estava muito difícil, eu não tinha terminado minha formação de ator, só de músico. Então foi mais inteligente que ela mudasse no primeiro momento”, explica Ernst.

Foto: Arquivo Pessoal

Suzane pediu licença de seis meses e deixou uma passagem de volta comprada. Se não desse certo, em três meses ela já estaria de volta. Casaram na Europa, em 1993, com a presença de familiares e alguns amigos brasileiros.

Foto: Arquivo Pessoal

Embora veterinária com experiência, a legislação alemã não permitia que Suzane atuasse na área, o que frustrava o casal. Foram 13 anos de muito frio e aprendizado. Tiveram duas filhas, uma em 1996 e outra em 2001. A família passava algumas férias no Brasil, mas a volta para a Europa era sempre muito dolorida. Os dois sabiam pertencerem à América Latina, só aguardavam o momento certo para a mudança.

“A gente sempre quis voltar”, conta Suzane. “Na verdade, na primeira viagem eu não queria voltar para a Alemanha, gostei tanto da vida aqui que não queria voltar”, acrescenta Ernst. Para ele, existem diversos fatores que influenciaram naquele desejo de voltar ao Brasil, como o clima e as pessoas.

Foto: Arquivo Pessoal

Ernst explica que as famílias alemãs costumam ser separadas, diferente da convivência familiar forte que ele vivenciou no Brasil. “Se você é assim as pessoas acham que você é um bobo, você é tratado como se tivesse doença mental, se você é feliz, você é visto como um doente. Na Alemanha tudo tem que ser com muita dor”, explica.

Mas em 2006, a família conseguiu concretizar a mudança. Os quatro vieram no final do ano para se instalar em um apartamento que Suzane herdou da família.

Finalmente em solo brasileiro, Ernst começou a procurar emprego. No início conseguiu uma vaga de professor de música em uma escola da cidade, mas a rotina de sala e aula, com muitos alunos, não lhe agradou.

O alemão queria dar aulas particulares, para poucos alunos para conseguir explorar as habilidades e desenvolver a prática musical de cada um. No meio tempo, tocava em eventos empresariais e casamentos.

Quando entregou o currículo no Belas Artes, a escola tinha acabado de contratar um substituto para seis meses. “Mas depois desse tempo eles gostariam de trabalhar comigo”, recorda.

Foto: Arquivo Pessoal

Ernst começou no Belas Artes em agosto de 2007. Além de professor de saxofone, ele foi contratado para dar aulas de teatro. “Isso foi uma viagem, meu português tava muito básico, às vezes os alunos falavam uma palavra que não entendia”, conta.

Foto: Arquivo Pessoal

Aos poucos ele aprendeu o português e iniciou outros projetos de música, como o docudrama “Suíços Brasileiros – Uma História Esquecida”. Os primeiros anos foram bastante agitados, Ernst dava aulas diariamente, inclusive aos sábados.

A rotina agitada precisou ser repensada quando Suzane ficou doente. “A gente repensou umas coisas, fez a viagem de bodas de prata para Toscana e tomou umas decisões”, explica o músico. Quando voltaram ao Brasil, ele pediu redução das horas de trabalho para se dedicar mais a família e a própria vida. Ele também abandonou os casamentos, que eram muito cansativos.

Atualmente, uma das filhas do casal está concluindo um intercâmbio na Alemanha e a outra está para terminar a faculdade em Curitiba. A vida de casal não poderia ser mais tranquila.

“Eu sou muito caseiro, ou a gente vai para a praia ou a gente fica em casa vendo futebol”, diz Ernst. Ele torce para dois times, um do Brasil e outro da Europa. Por influência do sogro, passou a torcer para o Flamengo e mantém o Liverpool.

Ernst sabe que tem muitas características alemãs e desenvolveu traços brasileiros, mas não se enxerga como um cidadão de um só local. Ele se descreve como um vira-lata europeu com passaporte alemão.

“Esse é uma coisa que vem do lado da minha mãe, que é uma família de refugiados”, explica. Segundo Ernst, a mãe dele nasceu na Estônia e o pai na Rússia.

Conforme ele conta, teve uma época em que a população da Estônia teve que mudar para a Alemanhã para lutar na Segunda Guerra Mundial. O avô de Ernst era médico e atuou em diversas batalhas. “Um dia chegou uma carta do governo alemão dizendo que tem que embarcar no outro dia com toda família, oficialmente tem que ir mesmo. Cada um pode levar duas malas na mão”, recorda.

Ernst guarda a mala que a mãe dele levou até hoje. Atualmente ela armazena roupinhas da época que as filhas do casal eram bebês, mas um dia foi responsável por levar todos os pertences da família.

Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Já na Alemanha, a família encontrou dificuldade para se abrigar. Como a família era grande, se mudaram diversas vezes. No dia da batalha final, em Berlim, a avó de Ernst conseguiu fugir com os filhos para um vilarejo há 200 km dali, onde assistiram o bombardeio brilhar no céu. O avô dele morreu. Mesmo sendo médico identificado, foi morto.

Ernst acredita que foi alguém do exército nazista que roubou os documentos do avô para fugir como médico para outro lugar. Embora essa história não seja confirmada, a memória de perder o pai perdurou no coração da mãe de Ernst, que repassou as vivências da família para os filhos.

Por esse histórico de imigrações, Ernst não consegue cravar que pertence a esse ou aquele lugar, é um cidadão do mundo. “Tem colegas na escola, que dizem que eu sou mais brasileiro do que alemão”, conta se divertindo.

Por enxergar com clareza as diferenças que tem com um alemão comum, como o senso de humor e a comunicação, Ernst acreditou que as filhas teriam uma infância melhor no Brasil. “Eu queria voltar pro Brasil porque eu achava que as criança não tinham tanta pressão”, conta.

Em Joinville ele encontrou um lugar para explorar a carreira de músico, construir a família e ser feliz com tranquilidade. Quando morava na Alemanha, era surreal ter a oportunidade de tocar com um músico brasileiro, hoje em dia ele faz isso diariamente.

Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

“Em geral eu gosto muito de música popular brasileira, MPB”, Ernst confessa. O músico não é o maior fã de música cantada, mas aprecia na música brasileira. Para ele, o português se encaixa muito bem, pois é muito musical.

Para os próximos anos, Ernst e Suzane ainda discutem as possibilidades. Entretanto, manter a casa em Joinville é uma certeza, como um ponto de encontro para a família. Mas talvez eles se mudem para a praia, para aproveitar a aposentadoria, que ainda está por vir.

Foto: Isabel Lima/O Município Joinville