Aos 16 anos, ela já ensinava: uma das professoras mais antigas de Joinville relembra trajetória

Com 34 anos dedicados à educação infantil, Marina Contesini compartilha lições de afeto, desafios da profissão e o impacto que atravessa gerações

Aos 16 anos, ela já ensinava: uma das professoras mais antigas de Joinville relembra trajetória

Com 34 anos dedicados à educação infantil, Marina Contesini compartilha lições de afeto, desafios da profissão e o impacto que atravessa gerações

Lara Donnola

Com 34 anos de atuação na educação pública de Joinville, a professora Marina Contesini Fonseca Cristiano acumula histórias que atravessam gerações e reafirmam diariamente a importância da afetividade na sala de aula. Atuando desde 1991, ela é hoje uma das professoras mais antigas da rede municipal de ensino. Mesmo após mais de três décadas de profissão, ela continua aprendendo com as crianças todos os dias.

Desde a infância, Marina já demonstrava interesse pela docência. “Eu sempre gostei muito de crianças pequenas e gostava de brincar de dar aula com os irmãos e bonecas”, comenta. O hábito fez com que familiares começassem a dizer que ela se tornaria professora. “Eu também tinha a letra bonita, daí sempre diziam ‘a Marina tem letra de professora’”.

O gosto por ensinar foi se consolidando aos poucos, e ainda jovem ela decidiu cursar o Magistério, com a ideia de iniciar uma carreira na educação. A oportunidade de começar a trabalhar veio cedo. Em 1991, aos 16 anos, Marina ingressou na Rede Municipal de Ensino de Joinville como auxiliar de professora, por meio de concurso público. “Na época, menores de idade podiam assumir a função com autorização dos pais, enquanto cursava o magistério”, informa.

Os primeiros dias de trabalho de Marina na educação foram marcados por desafios. O fato de ela ser muito jovem causou desconfiança entre os pais dos alunos, que questionavam se ela tinha preparo para cuidar das crianças. Porém, com o passar do tempo, Marina conquistou a confiança da comunidade escolar e dos pais. “Eles viram que eu tinha responsabilidade e amadurecimento para cuidar das crianças”, diz. Apesar disso, Marina foi bem recebida pela equipe da unidade.

No início, ela ainda não tinha certeza se permaneceria na área. “Por questões salariais, porque como auxiliar, o salário era muito baixo, então pensei em buscar outras alternativas”, comenta. No entanto, ela acabou por decidir investir na própria carreira e seguir na educação, concluindo a graduação, pós graduação e concurso. “Eu decidi ficar porque realmente vi que eu não sei fazer outra coisa. Eu gosto de dar aula mesmo, de estar com as crianças”, afirma.

Marina iniciou sua trajetória na educação infantil no CEI Ponte Serrada, no Comasa, onde morava quando ainda era solteira. Ao longo dos anos, as mudanças de unidade sempre acompanharam transformações em sua vida pessoal. Quando se casou e se mudou para a região sul da cidade, pediu transferência para um centro de educação mais próximo de sua nova residência: o CEI Eliane Krüger, onde trabalhou por 15 anos, de 2000 a 2015. Ela também já atuou no CEI Pedro Colin. Atualmente, ela leciona no CEI Débora Cristina, no Bom Retiro.

Lara Donnola/O Município Joinville

Amor pela profissão

Com 34 anos de atuação na educação infantil, a professora Marina se emociona ao falar sobre o que mais ama em sua profissão. “O que mais a marca é o retorno espontâneo das crianças, carinho e alegria genuínas”, responde chorando. Para ela, são gestos simples, como abraços no meio das atividades, ou declarações afetuosas que ela ouve diariamente.

“Quando eles dizem ‘Prof, eu te amo’, ‘prof, você é linda, você é a melhor prof do mundo’, e aí eu respondo ‘mas eu que te amo mais, eu te amo muito mais’”, conta.

Além do carinho diário, Marina valoriza profundamente os reencontros fora da escola. Como mora e trabalha na mesma comunidade, é comum ser reconhecida em supermercados ou na rua por alunos e até ex-alunos, que a abraçam e ainda a chamam de “prof” com entusiasmo.

Esses momentos mostram que, mesmo depois de saírem da turma dela, eles não a esquecem. “Eles passam uma longa parte do dia com a gente, e eu acabo me tornando uma referência na vida deles, isso é muito bacana”, conta. Isso mostra que o vínculo construído no cotidiano da sala de aula ultrapassa os muros da escola.

Arquivo pessoal

Marina dá aula há quase uma década para uma turma de crianças de 5 anos, o antigo pré-escolar. Ela relata que muitos alunos, depois que vão para o ensino fundamental, visitam o CEI só para vê-la. “Quando não têm aula na escola nova, eles vêm aqui me visitar com os pais. Isso aconteceu em todas as unidades onde trabalhei”, lembra.

No CEI Pedro Colin, por exemplo, onde trabalhou por oito anos, os alunos esperavam por ela no portão da escola vizinha, às 13h30, só para acenar enquanto ela saía de carro. “Eles sabiam o horário em que eu saía, eu tinha que sair com os vidros abertos pra abanar pra eles”, diz. “É um amor que não se mede”, resume. Para Marina, esse afeto é a confirmação de que escolheu o caminho certo, e é o que a move até hoje.

Dia a dia com as crianças

A rotina com as crianças na educação infantil exige planejamento cuidadoso e propósito pedagógico em cada etapa do dia, afirma a professora. “Desde a chegada até a saída dos alunos, tudo é pensado com intencionalidade pedagógica”, informa.

Na sala, os chamados “cantinhos interativos” são organizados para estimular diferentes formas de aprendizagem e expressão, como os cantinhos da cozinha, da construção, do desenho, da pintura e da modelagem, que vão sendo adaptados conforme o tempo e o interesse das crianças.

Entre os momentos que mais aprecia na rotina, Marina destaca as apresentações, como festas juninas. Ela conta que gosta de escolher músicas junto com as crianças, montar coreografias e propor brincadeiras que envolvam expressão corporal e movimento. Ela também valoriza muito o tempo ao ar livre, com brincadeiras em grupo e competições.

Arquivo pessoal

Aprendizado diário

Ao longo dos anos, Marina aprendeu que ser professora vai muito além de ensinar. “A gente aprende todos os dias com os alunos”, afirma. Ela acredita que a sala de aula é um espaço de troca, onde o professor não apenas transmite conhecimento, mas cresce junto com as crianças.

Uma das lições mais marcantes que destaca é a importância de valorizar pequenas conquistas. “Eles comemoram tudo como se fossem grandes. Às vezes o que parece pouco, como um avanço na autonomia ou uma nova palavra escrita, representa um mundo inteiro para os alunos”, conta. Para ela, isso a ensina a olhar para o cotidiano com mais leveza.

Arquivo pessoal

Reconhecimento

Uma das histórias mais marcantes na trajetória profissional de Marina aconteceu em 2015, quando ela precisou reduzir sua carga horária e, com isso, ser transferida para uma nova unidade. Após 15 anos no CEI Eliane Kruger, foi para o CEI Pedro Colin, no bairro Itinga, uma comunidade que ela ainda não conhecia.

“O início foi desafiador, tudo era novo, desde os colegas até as famílias das crianças. Eu não era conhecida na comunidade”, relembra. Mesmo assim, naquele primeiro ano, algo inesperado aconteceu.

No Dia do Professor, as mães da sua turma organizaram uma surpresa com apoio da direção, levando um carro de som até o estacionamento da unidade, onde reuniram as crianças. “Eu achava que era uma homenagem pra todo mundo”, conta, emocionada. Mas logo anunciaram no microfone: “Essa é uma homenagem para a professora Marina”.

Ela ganhou flores e uma música de parabéns, num gesto que nunca imaginou receber, principalmente por ser nova na escola. “Foi um reconhecimento muito bacana do meu trabalho. As mães confiaram em mim, mesmo sem me conhecerem direito”, comenta emocionada.

Arquivo pessoal

Professora alegre e brincalhona

Marina acredita que o reconhecimento que ela tem como profissional vem da forma como se relaciona com as crianças e com as famílias. Ela se define como uma professora alegre e brincalhona, que busca acolher cada aluno com afeto desde o primeiro contato. “Eu sempre me abaixo na altura da criança, tento demonstrar para a família quem eu sou”, contou. Esse cuidado, segundo ela, repercute em casa e fortalece a confiança dos pais no seu trabalho.

Ela também acredita que o vínculo é construído no dia a dia, tanto nas conversas na porta da sala quanto nas reuniões de pais. Nesses momentos, Marina faz questão de mostrar sua experiência e tranquilizar as famílias sobre a preparação das crianças para o ensino fundamental. “Eles me conhecem na reunião, na porta da sala e pelo relato das crianças”, resume. Para ela, o impacto que a professora causa é levado para casa, seja positivo ou não.

“Eu tento ser a professora que eu gostaria de ter, que gostaria que meus filhos tivessem”, afirma Marina. “Pra mim, a educação infantil se resume em uma palavra: afetividade. Eu acho que todo professor, especialmente quem escolhe a educação infantil, se resume nisso, a pessoa tem que ser afetiva!”, conclui.

Para ela, esse é o alicerce da educação infantil. “Ser afetiva na sala às vezes é muito mais importante do que a parte burocrática”, afirma. Ela acredita que um professor pode ter as melhores propostas no papel, mas sem afeto real pelos alunos, a conexão não acontece.
Marina comenta que sempre levou consigo a frase que traduz sua prática diária: “Seja o professor que você gostaria de ter”. É esse o modelo que ela busca seguir. Ser alguém que escuta com atenção, que acolhe, e que ensina com presença e carinho.

Lara Donnola/O Município Joinville

Carinho que atravessa gerações

Com 34 anos de dedicação à educação infantil, Marina sabe que impactou mais de uma geração de crianças em Joinville. Ela recorda que começou a cuidar de alunos com três anos de idade, o que significa que muitos deles hoje têm mais de 30 anos. “É uma geração de crianças mesmo, muitos dos meus alunos já têm filhos”, observa.

Embora não tenha reencontrado pessoalmente seus alunos mais antigos, alguns a localizaram pelas redes sociais. Foi o caso de Naiara, ex-aluna dos anos 1990 no CEI Ponte Serrada, que a procurou anos depois mostrando uma foto antiga. “Eu não sei como ela me achou, mas ela mandou uma mensagem perguntando se eu era a professora Marina. Quando vi a foto, a reconheci na hora”, lembra emocionada.

“Era uma foto dela pequenininha comigo, nós tínhamos uma foto juntas e eu também tenho essa foto guardada”, comenta. “A gente começou a conversar, viramos amigas nas redes sociais, e agora eu sei que ela foi mãe recentemente”, conta.

Para Marina, essa reconexão revela o tipo de marca que o trabalho na educação infantil pode deixar. Ela acredita que o carinho, a atenção e a escuta oferecidos ainda na infância contribuem para a formação de adultos mais sensíveis, e que esses valores são transmitidos às próximas gerações.

Emocionada, ela diz acreditar que seus alunos levaram para a vida a lembrança de uma professora que se importou com eles. “Eu acho que a criança lembra que teve uma professora que deu carinho, que se importou com ela, eu acredito que eu impacte dessa forma”, diz. E isso, para ela, é o impacto mais valioso que poderia ter causado.

Peso invisível do trabalho docente

Para Marina, uma das maiores dificuldades da docência hoje é a desvalorização do trabalho do professor. Apesar das inúmeras transformações na educação ao longo dos anos, ela percebe que ainda há pouco reconhecimento da complexidade que envolve a profissão. “Muita gente acha que é fácil ser professor. Mas eu costumo dizer: se acha fácil, vem aqui dar aula só até o recreio, pra ver se aguenta”, comenta.

Segundo ela, o desafio vai muito além de estar com as crianças, é planejar as atividades com intencionalidade pedagógica, observar cada aluno individualmente, acompanhar o desenvolvimento, avaliar de forma personalizada e lidar com realidades familiares diversas dentro da mesma sala de aula.

Arquivo pessoal

Além disso, para ela, há um aspecto pouco visto pela sociedade: o tempo que o professor dedica fora da escola. Marina chama de “carga horária invisível” o trabalho levado para casa, seja para finalizar planejamentos, elaborar materiais, escrever bilhetes às famílias ou refletir sobre estratégias para atender melhor os alunos.

“Mesmo que o horário termine, a cabeça não desliga. Às vezes estou em casa e fico pensando nas atividades que posso fazer com eles”, conta. Ela também lamenta a falta de apoio de algumas famílias, algo que, para ela, se intensificou com o tempo.

“A gente orienta, sugere atividades para acompanhar o desenvolvimento das crianças em casa, mas nem sempre há retorno”, declara. “E, infelizmente, essa falta de apoio às vezes vem com desrespeito e até violência, não por parte das crianças, mas dos adultos”, finaliza.
Marina reforça que o professor não pode carregar sozinho a responsabilidade pela formação das crianças, é preciso um trabalho conjunto entre escola e família, com mais diálogo, empatia e reconhecimento.

Mudanças na educação

Para Marina, tanto os alunos quanto a forma de ensinar passaram por transformações ao longo das últimas três décadas. “A educação está sempre em processo de transformação. O aprendizado do professor não para na nossa graduação”, menciona.

Para ela, novas experiências em sala de aula fazem parte do processo contínuo do trabalho do educador, e a principal mudança foi no perfil dos alunos. Ela percebe que com o avanço da tecnologia e o fácil acesso à informação, as crianças de hoje são mais questionadoras e curiosas. “Elas sabem pesquisar, têm contato com muitos conteúdos fora da escola e chegam à sala de aula com outras referências”, comenta.

Além disso, segundo ela, a diversidade nas turmas é muito maior do que no início da sua carreira, tanto em relação às formas de aprendizagem quanto à inclusão de crianças com deficiência, o que exige novos conhecimentos e estratégias por parte dos professores.

Ela também observa mudanças no estilo de vida dos alunos. Se antes as crianças passavam mais tempo brincando na rua, hoje muitas vivem em espaços menores e passam boa parte do tempo dentro de casa, o que contribui para o aumento do uso de telas. Marina aponta que o vício em dispositivos eletrônicos é um desafio presente nas salas de aula, e que isso influencia diretamente no comportamento e na forma de aprender dos estudantes.

Marina também destaca que a sala de aula atual é marcada por uma diversidade muito maior do que no início da sua carreira. Hoje, os professores lidam com diferentes formas de aprendizagem e com a presença de crianças com deficiência, o que exige novas práticas e apoio especializado.

Segundo ela, o trabalho das auxiliares é fundamental para garantir o atendimento adequado a todos os alunos. “Ela orienta nas propostas pedagógicas, ajuda o aluno a executar as atividades e também a integrá-lo, porque às vezes ele não quer interagir, quer ficar lá sozinho no mundinho dele, faz todo esse trabalho, incentivando a participação nas interações coletivas”, informa.

Se pudesse deixar um recado para si mesma no início da carreira, Marina diria à jovem professora de 1991 que tivesse paciência e se permitisse aprender com os próprios alunos. Ela reconhece que começou muito jovem e que amadureceu enfrentando os desafios do dia a dia. “Eu diria que tudo o que ela plantar nessa trajetória, ela vai colher lá na frente, no futuro”, comenta, mais uma vez, emocionada.


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