Após câncer na adolescência, ex-paciente vira médico e cria instituto para ajudar famílias em Joinville

Instituto Oliveira visa um atendimento humanizado para famílias e crianças diagnosticadas com a doença

Após câncer na adolescência, ex-paciente vira médico e cria instituto para ajudar famílias em Joinville

Instituto Oliveira visa um atendimento humanizado para famílias e crianças diagnosticadas com a doença

Bernardo Gonçalves

“Necessidade de ser bem tratado como ser humano e como paciente”. Foi a partir disto que o oncologista pediátrico Hugo Oliveira decidiu criar o Instituto Oliveira, que atua desde julho de 2022 no acolhimento de famílias de pacientes diagnosticados com câncer infantil em Joinville.

O instituto realiza um complemento do tratamento hospitalar, com auxílio de profissionais parceiros e voluntários para auxiliar da melhor forma, tanto o paciente quanto a sua respectiva família.

Experiência pessoal

O desejo de ajudar crianças com câncer também partiu da experiência pessoal de Hugo, que aos 14 anos foi diagnosticado com câncer do sistema linfático em Arapongas (PR), próxima de Astorga (PR), cidade onde nasceu.

“Eu fui surpreendido por um profissional médico, que falou que eu morreria em três meses pelo fato de que a doença não teria o tratamento adequado. Posso dizer que foi uma agressão verbal, que eu e minha família interpretamos que foi de modo inadequada ou mal dita”, conta.

Porém, a família não aceitou aquela condição e questionou o médico onde Hugo poderia realizar o tratamento adequado e a resposta foi o hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR), a mais de 400 quilômetros de distância de Astorga.

“Lá (no hospital Pequeno Príncipe) já teve uma diferença no tratamento do ser humano, onde eu fui acolhido com palavras de esperança, amor, carinho, e me olharam como um ser humano e não como um doente”, relembra.

Com uma médica do hospital, Hugo então começou um tratamento que durou seis meses, tempo que ia e voltava de Astorga para Curitiba.

Hugo Oliveira. | Foto: Arquivo Pessoal

“Quando eu descobri que eu estava livre da doença veio um sentimento de liberdade, de que poderia viver. E para mim o mais difícil foi as pessoas do que a doença, pois como a cidade (Astorga) é pequena, todo mundo achava que eu ia morrer. Então as pessoas tinham dificuldade de viver comigo.”

Pela experiência que teve, decidiu estudar para saber mais como era a rotina de um médico e de um hospital.

Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR). | Foto: Hospital Pequeno Príncipe/Divulgação

Porém, também começou a perceber que o relacionamento dentro da própria casa tinha mudado após o tratamento do câncer. “Quando eu voltei para o meu lar, ele era totalmente distinto. Uma família que era saudável, adoeceu emocionalmente. A palavra morte passou a ecoar, deixamos de conviver e passamos a ter medo”, recorda.

Segundo Hugo, por conta do câncer, sempre foi muito bajulado pelos pais, familiares e amigos. Isto fez com que, após o tratamento, o irmão, de 16 anos, buscasse a ter “ações de morte”, para poder ter a mesma atenção que ele.

“Para poder ser ‘visto’ pelo restante da família, ele ‘criou’ uma doença e se colocou em várias situações de risco, como empinar bicicleta, depois moto, aí rachas de carro. Depois disso ele virou dependente químico”, revela.

“Então o câncer durou seis meses, mas a doença familiar durou 22 anos”, lamenta. No decorrer do tempo, Hugo diz ter se afastado do irmão, pois começou a ver ele de fora para dentro. Porém, parou para refletir e voltou a ter contato com ele para se reaproximar e pedir perdão. Com isso, o irmão dele realizou um tratamento contra a dependência química e se livrou do vício depois de duas décadas.

“Eu achava que isso era incomum e só com a minha família. Olhando e vendo essa história de 22 anos de câncer, entre o meu diagnóstico, me formar médico e trabalhar com a oncologia, essa história é comum em muitos lares. A destruição familiar é muito mais frequente do que a possível destruição que uma doença faz”.

“Hoje vibro e celebro por aceitar o meu irmão como ele é, amar ele incondicionalmente e desfrutar da família que sonhei em ter por amor”, comemora.

O instituto

Já atuante como oncologista pediátrico, Oliveira chegou em Joinville em meados de 2017 justamente pela profissão e destaca que passou por todos os hospitais da cidade.

Ele comenta que nas unidades falta um tratamento mais humano e de excelência, sendo que, assim como os seus próprios pais, as pessoas procuraram em Curitiba uma alternativa para resolver estes problemas.

Diante disso e da situação familiar pessoal que passou, Oliveira resolveu criar o instituto em Joinville para poder dar o suporte necessário as famílias – de forma gratuita – no momento em que uma pessoa está doente.

“Trabalhamos com o tratamento da criança ou adolescente com diagnóstico, junto com o núcleo familiar, fazendo um planejamento estratégico para tratamento da doença, seja para restaurar emocional, física ou espiritual”, explica.

Oliveira explica que o tratamento é realizado até o momento que a pessoa necessitar, não tendo um limite de tempo para ser concluído.

Atualmente, o instituto possui 34 famílias cadastradas e 100 atendimentos por mês em média. Para poder colocar isto em prática, primeiro teve que fazer toda a parte burocrática e também na busca por pessoas para lhe auxiliar.

“Quando nós começamos não tínhamos nem estrutura física. A primeira consulta aconteceu dentro do quarto de um paciente. Depois veio o segundo, terceiro e crescendo, pois quem prova de um atendimento diferenciado jamais quer retornar ao que é comum”, descreve.

Já em julho, conseguiu uma estrutura de 30 metros quadrados (m²) na Associação Crescer, no espaço cedido da igreja dos filhos.

Mas, com o passar dos meses, os atendimentos aumentaram cada vez mais e precisou mudar para um lugar maior. E, por meio de uma parceria, ganhou um bloco inteiro dentro do Campus Park, no bairro Boa Vista, para setor administrativo, consultório e uma sala de treinamentos.

De voluntária a funcionária

Além do idealizador, o instituto Oliveira conta com duas pessoas contratadas, 42 voluntários e 37 profissionais parceiros, sendo estes de 16 áreas diferentes que atendem os pacientes em seus respectivos consultórios.

E a primeira voluntária do instituto foi Stela Hiansdts, de 55 anos. Segundo ela, o convite partiu de uma conversa com Hugo por serem da mesma igreja. Porém, ela nem o conhecia.

“Frequentávamos a mesma igreja, mas não tinha ideia de quem era ele. E por eu já ter trabalhado em projetos sociais, me indicaram para ele. Então ele entrou em contato comigo e marcamos de conversar. Ele me explicou o projeto, gostei e aceitei em ajudar”, conta.

Stela e Hugo. | Foto: Instituto Oliveira/Divulgação

Após aceitar o convite, Stela passou auxiliar Hugo na organização dos atendimentos, nos contatos com profissionais e na divulgação do projeto.

Com o tempo, diz ter percebido que ela e Hugo são pessoas diferentes, mas ambos possuem o mesmo propósito, que é ajudar pessoas. “Nós não temos como exterminar o câncer, mas podemos ter um olhar diferente para esse paciente, para a família e propor para eles uma realidade diferente”, declara.

No momento em que começou a ser voluntária, Stela trabalhava como representante comercial. Porém, recebeu uma proposta de Hugo para ser funcionária do instituto. A partir desse momento, começou a focar 100% do tempo para o novo trabalho.

“Foi algo muito desafiador. Eu sou mãe também e imagina você passar por isso sem apoio. Então isso foi me motivando cada vez mais e entender também que estamos fazendo algo diferenciado. Buscamos um olhar de amor e de respeito”, comenta.

Stela conta que o instituto busca realizar ações educativas, pelo menos uma vez ao mês, sobre o tratamento de câncer, com objetivo de conscientização da população. Além disso, também possui um brechó para poder auxiliar nos gastos e investimentos.

Stela (à dir.) em ação educativa do Instituto Oliveira. | Foto: Instituto Oliveira/Divulgação

Laçada do bem

Já para um futuro próximo, Stela revela que o Instituto Oliveira quer reformar o bloco no Campus Park e montar uma policlínica, onde poderá realizar todos os atendimentos dos pacientes em apenas um lugar.

Ela conta que seriam necessários R$ 700 mil para a construção do local. Com isso, a instituição tem realizados alguns eventos para arrecadação do valor.

E um dos maiores deles aconteceu entre dias 26 e 29 de outubro, no CTG Chaparral. O evento contou com parque de diversões, praças de alimentação e “Carreteiro do Bem”. O objetivo visava arrecadar R$ 1 milhão em doações.

Público na lançada do bem. | Foto: Instituto Oliveira/Divulgação
Stela e Hugo na Laçada do Bem. | Foto: Instituto Oliveira/Divulgação

“Foi um prestígio levar a causa em prol do Instituto Oliveira, onde mais pessoas tiveram a oportunidade de abraçar o bem, abraço o projeto do instituto e que mais pessoas sejam alcançadas através deste movimento”, comemora Hugo.

Nesta quinta-feira, 23, Dia Nacional de Combate ao Câncer Infantojuvenil, o instituto entrega o resultado da campanha Abraço do Bem.

E no Dia Internacional da Luta Contra o Câncer na Infância, celebrado em dia 15 de fevereiro, ocorre a inauguração simbólica da clínica, construída com os fundos arrecadados nas campanhas.


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