ARTIGO – Como uma única gata causou a extinção de uma espécie inteira do planeta Terra

ARTIGO – Como uma única gata causou a extinção de uma espécie inteira do planeta Terra

Redação O Município Joinville

Por Lauro Bacca, ambientalista

“Como uma única gata causou a extinção de uma espécie inteira do planeta Terra e assuntos correlatos”

Ainda que domesticados, gatos e cachorros continuam equipados com seus instintos primitivos. São duas espécies que não existiam nas Américas e em muitos outros lugares. Sequer os povos indígenas os possuíam. Foram trazidos pelos colonizadores europeus. Esses carnívoros domésticos, hoje companheiros universais do ser humano, são reconhecidos no mundo todo como uma ameaça global à biodiversidade. Somos nós, seus tutores, que temos que cuidar para que não ampliem ainda mais o desequilíbrio ecológico que já está presente em todo o planeta Terra.

As ilhas que compõem a Nova Zelândia são um exemplo dramático dos tremendos desequilíbrios e extinções de espécies provocados pelo ser humano e alguns bichos que os acompanham. Nessas ilhas, o estrago ecológico começou até mesmo muitos séculos antes da chegada dos europeus.

Os polinésios maoris, quando lá chegaram, há cerca de mil anos, foram responsáveis pela devastação até a extinção de inúmeras espécies, desde minúsculos passarinhos até as aves-elefante, as maiores aves que já existiram, com meia tonelada de peso. Setecentos anos depois, os colonizadores europeus continuaram, na Nova Zelândia, o tremendo estrago que já havia sido iniciado pelos povos originários de lá.

A cotovia-da-ilha-de-Stephen, espécie de pássaro não voador de apenas 10 centímetros de comprimento, desapareceu de várias ilhas da Nova Zelândia por conta da predação causada pelos ratos que chegaram junto com os polinésios originários. Ratos esses que se banqueteavam com os ovos e filhotes nos ninhos feitos junto ao solo.

Junto ao solo, pois, na Nova Zelândia, a ausência natural de mamíferos predadores era tão grande que inúmeras espécies de aves foram, aos poucos, perdendo a necessidade de voo; viviam quase que só no solo, onde também faziam seus ninhos. Prato cheio e farto para os ratos invasores trazidos acidentalmente pelos polinésios.

Quando da chegada dos europeus, essas cotovias sobreviviam apenas na minúscula Ilha de Stephen, a 3,2 quilômetros da costa, único lugar onde escaparam da invasão dos ratos. Ali, em 1892, foi construído um farol. E onde tinha farol, muito longe dos atuais tempos da automação, tinha que ter um faroleiro.

O primeiro faroleiro não aguentou a solidão, e para lá foi designado um substituto, cujo nome era David Lyall. Para abrandar sua solidão, Lyall levou consigo Tibbles, sua gata de estimação. Fazendo ninhos no chão e sem capacidade nem necessidade de voar, as asas dessa espécie de cotovia haviam “involuído”, tornaram-se inúteis. Sem a fuga do voo, fizeram a festa para a gata Tibbles.

Como costumam fazer muitos gatos, também Tibbles, de vez em quando, além das presas que comia na natureza, trazia alguns indivíduos mortos para casa, no alojamento do seu dono junto ao farol. Este vendeu alguns desses exemplares mortos ao barão Walter Rothschild, famoso ornitólogo da época, que os identificou como uma espécie nova para a Ciência e a batizou com o nome científico de Traversia lyalli, em homenagem ao faroleiro que os coletou — ou melhor, na prática, tirou da boca da sua gata.

Tarde demais. Quando a espécie foi registrada, já estava extinta da pequena ilha, extinção provocada, pasmem, por uma única gata fêmea, em questão de meses. Como aquela minúscula ilha era o último lugar de sobrevivência da espécie, por consequência, aquele pequeno pássaro também desapareceu do planeta Terra! Por isso e muito mais, gatos hoje são tremendamente controlados, e há quem proponha erradicá-los totalmente da Nova Zelândia.

Deixando a gata Tibbles e os demais gatos de lado, vejamos algo que ocorre entre nós, aqui na região dos vales do litoral Norte de Santa Catarina. É que existem algumas espécies de sapinhos minúsculos, do tamanho da unha do dedinho de uma mão humana — alguns pertencentes a espécies recém-descobertas — que vivem apenas nos folhiços que cobrem o solo da mata nativa, nas partes mais altas de alguns morros. Fazem parte das 16 espécies de anfíbios com algum grau de ameaça de extinção no sul do Brasil.

Uma dessas espécies, Brachycephalus mirissimus, ainda sem nome popular, vive apenas no topo do Morro Santo Anjo, no município de Massaranduba. Outra espécie, a Brachycephalus boticario, outro charmoso “sapinho de montanha”, assim batizado em homenagem a uma empresa de cosméticos que tem grandes programas de preservação da natureza, ocorre apenas no topo do Morro do Cachorro, na tríplice junção dos municípios de Luiz Alves, Gaspar e Blumenau.

A espécie de sapinho de Massaranduba está ameaçada de baixo para cima, com o avanço — que esperamos esteja estancado — de plantios de monoculturas de eucaliptos e, de cima para baixo, por instalações de mirantes, estacionamentos e edificações religiosas no seu topo. Já a espécie do topo do Morro do Cachorro perdeu preciosos espaços de sobrevivência para a instalação de diversas torres de transmissão de sinais eletrônicos diversos, além da estrada de acesso e lixo depositado nas bordas da mata. Ameaça de cima para baixo.

Para garantir a salvação dessas duas espécies (existem outras necessitando do mesmo), há que se garantir a qualidade da pouca floresta de topo de morros que restou em ambos os casos. A proposta, então, é a de os municípios envolvidos criarem, em seus respectivos territórios, unidades de conservação que regrem a favor da preservação dessas tão simpáticas quanto ameaçadas espécies de sapinhos-da-montanha.

Urge, portanto, que o município de Massaranduba, onde fica o Morro Santo Anjo, tome medidas e participe desse projeto, e que os municípios de Gaspar, Luiz Alves e Blumenau façam o mesmo em trabalho conjunto, cada um nas respectivas jurisdições territoriais, no topo do Morro do Cachorro, para garantir a sobrevivência desses sapinhos.

Os polinésios, assim como o faroleiro David Lyall, podem ser perdoados por não saberem o que faziam. Nós, na atualidade, porém, sabemos muito bem; temos informações suficientes para tomarmos as atitudes preventivas. Assim, torna-se importantíssimo que as autoridades políticas e ambientais dos municípios mencionados tomem, cada uma, suas providências para a salvação dessas espécies de anfíbios, cada uma no seu território e em estreita cooperação com os municípios vizinhos, no caso do Morro do Cachorro.

Não poderemos permitir que, num futuro próximo, nos acusem de termos sido os responsáveis, por omissão, pela extinção de mais estas espécies. A responsabilidade é grande. Afinal, sapinhos como esses, que só vivem nesses lugares e em mais lugar nenhum no mundo, uma vez desaparecendo do topo do Morro Santo Anjo ou do topo do Morro do Cachorro, desaparecerão, também, do planeta Terra — assim como aconteceu com a cotovia-da-ilha-de-Stephen, na Nova Zelândia, lá por 1894.

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