Árvores milenares encontradas em Santa Catarina revelam tragédias ambientais do passado; entenda
Troncos foram preservados após "mega escorregamento" de terra no Vale do Itajaí há mais de 1,2 mil anos
Troncos foram preservados após "mega escorregamento" de terra no Vale do Itajaí há mais de 1,2 mil anos
Troncos de árvores milenares foram encontrados soterrados às margens do rio Itajaí-Mirim, em Brusque, localizada no Vale do Itajaí. A vegetação foi percebida pela primeira vez pelo geólogo Juarês José Aumond, e fez parte da tese de doutorado da brusquense Alessandra Hodecker Dietrich sobre desastres socioambientais em Brusque, apresentada neste ano.
Geólogo estudioso do paleoclima, ou seja, do clima de milhares de anos e das mudanças climáticas, o professor Aumond começou a perceber troncos de árvores expostos na margem do rio, na região do bairro Santa Terezinha, dispostos de uma forma que lhe chamaram a atenção.
Logo surgiu a desconfiança de que esses troncos poderiam ser milenares e fruto de um evento adverso ocorrido na região há mais de mil anos, mas para ter a confirmação precisaria de muita pesquisa.
Em 2017, a brusquense Alessandra Hodecker iniciou o doutorado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blumenau (Furb), de Blumenau, e decidiu estudar em sua tese os desastres climáticos da região. O ponto de partida para a tese foi os troncos encontrados na margem do rio.
“Começamos a estudar a hipótese desses troncos terem sido depositados ali após um mega escorregamento de terra”, destaca Alessandra.
Os troncos foram encontrados próximos da ponte João Libério Benvenutti, a ponte do Santos Dumont, na margem esquerda. Na época, o local era um grande pasto e ainda não havia a obra da avenida Governador Luiz Henrique da Silveira, a nova Beira Rio.
O primeiro passo da pesquisa de campo foi retirar amostras dos troncos e das folhas encontradas para fazer a datação, ou seja, especificar a data aproximada daquela vegetação.
“Usamos ferramentas próprias e bastante delicadas para não contaminar a amostra e assim poder ter um resultado o mais real possível. As amostras foram enviadas para o laboratório da Universidade de São Paulo (USP), um dos únicos que faz este tipo de estudo no Brasil. Foi feita a datação de radiocarbono”, conta Alessandra.
A datação revelou que as folhas carbonizadas, encontradas na parte mais baixa do rio, datam de 1.406 anos Antes do Presente (marcação de tempo utilizada na geologia e arqueologia). Já um dos troncos que estava mais próximo da superfície, a datação revelou ser de aproximadamente 1.222 anos Antes do Presente. Ou seja, o material encontrado pelos pesquisadores em Brusque já existia muito antes do descobrimento do Brasil, na Idade Média.
Alessandra explica que com a datação, começou a estudar o que poderia ter acontecido com estas árvores. “Percebemos que elas tinham um padrão, estavam todas na mesma direção e confirmamos a hipótese inicial de que foi um processo de movimento de massa. Um deslizamento na montanha acima”.
O geólogo Juarês Aumond acompanhou todos os passos do estudo. Os pesquisadores fizeram até rapel para poder descer os 13 metros da margem do rio e analisar cada extrato e cada nível de areia e segmento encontrado.
“Identificamos dois grandes movimentos. O primeiro, um escorregamento de terra que saiu de trás do morro, um pouco antes da rotatória que hoje temos próximo à empresa Rio Vivo. Ocorreu de lá, e naquela época, o rio Itajaí-Mirim era diferente, não estava retificado”, destaca o geólogo.
O professor explica que esse movimento de massa e todos os detritos bloquearam a passagem do rio Itajaí-Mirim, formando um grande lago, com água sem oxigênio.
“Isso permitiu a perda dos voláteis [compostos químicos] desses troncos de árvores, folhas e frutos que se movimentaram junto com a terra, concentrando o carbono em grande parte desses resíduos. Todos os troncos estavam orientados seguindo à direção do oeste para o leste, indicando o sentido e a direção do escorregamento, permanecendo assim durante dezenas de anos”.
Aumond destaca ainda que anos depois deste primeiro evento adverso, uma grande enxurrada provocou o rompimento da lagoa formada anteriormente, e desorganizou a distribuição dos troncos gigantes, que ficaram em posições diferentes e migraram em direção a ponte do bairro Santa Terezinha.
“A enxurrada rompeu a barreira natural e levou adiante os troncos até cerca de 70 metros da ponte. Com isso, concluímos que há mais de mil anos, Brusque teve dois grandes eventos climáticos”.
Alessandra apresentou sua tese de doutorado em julho deste ano. A pesquisa realizada em Brusque é considerada única no país. A brusquense agora tenta a publicação de seu artigo em renomadas revistas científicas internacionais.
“Não encontramos no Brasil nenhum estudo parecido, nem referências sobre o assunto. Apenas artigos feitos na Europa, em países de clima diferente do nosso. Esses fósseis encontrados nos ajudam a entender o passado. Através deles conseguimos interpretar a paisagem e como ela foi sendo moldada neste tempo”, destaca.
Mesmo com o doutorado concluído, a pesquisa com o material encontrado continua, agora em nova fase. O objetivo é descobrir qual a espécie das árvores. Alessandra está em contato com botânicos e engenheiros florestais porque há a suspeita de que parte do material milenar localizado nas margens do rio Itajaí-Mirim seja de imbuia, espécie muito comum no Paraná e em áreas mais frias de Santa Catarina.
“A imbuia tem o hábito de florestas mais frias e altas, de altitude. Se confirmado que essas árvores estavam aqui, é uma informação nova para a botânica e demonstra que aqui em Brusque, há 1.400 anos, era muito mais frio, um clima de serra”, destaca a pesquisadora.
O geólogo Juarês Aumond observa que se a suspeita se confirmar, esta será uma grande prova das mudanças climáticas que o planeta vem sofrendo ao longo dos anos. “Isso tem uma profunda implicação. Podemos estar provando que aqui na região, em um passado geológico não muito antigo, de 6 mil anos atrás, tivemos um clima semelhante ao da Europa na idade média”.
Para o professor, esta será uma descoberta extremamente importante, ainda mais neste momento de tantas mudanças relacionadas ao clima e, por isso, merece muita atenção.
“Vivemos um momento de singularidade ambiental com as mudanças climáticas e isso é muito sério. Serve como um alerta, tanto para a prefeitura quanto para a população. Não é porque ocorreu esse desastre há mais de mil anos atrás, que estamos livres. Pelo contrário, tem mais chance de ocorrer pelas mudanças climáticas e de certa forma já vivemos algo semelhante em 2008 e 2011”, alerta.
O trabalho de retirada dos materiais milenares aconteceu em 2019, com o auxílio da Defesa Civil de Brusque. A equipe aproveitou o início das obras da margem esquerda da avenida Beira Rio para recolher todo o material.
“Se os troncos ficassem por baixo do asfalto da nova Beira Rio, na medida que caminhões com carga pesada passassem pelo local, eles poderiam oscilar lá embaixo e rachar o asfalto. Então unimos o útil ao agradável e a Defesa Civil foi bem importante neste processo”, destaca o geólogo.
Os pesquisadores trabalharam em parceria com o órgão municipal. O maior tronco, que pesa cerca de duas toneladas, foi retirado da margem com o auxílio de um guincho.
Atualmente, todo este material milenar está na sede da Defesa Civil, em frente ao Parque Leopoldo Moritz. Ao todo, foram levados para o órgão, 19 troncos.
O tronco principal, inclusive, está exposto do lado de fora, junto à réplica do Avião North American T-6D. Ele tem 2,40 metros de diâmetro. A ideia é usar todo o material encontrado para a educação ambiental, com exposições explicando os impactos das mudanças climáticas na região de Brusque.
“Com este tronco que está exposto na Defesa Civil, a ideia é fazer um banco, ao lado dele expor toda a história e falar sobre a pesquisa. Também estamos tratando com a Fundação Cultural uma maneira de fazer uma exposição, com todo o material encontrado. Este é o primeiro sinal de um desastre ambiental ocorrido antes mesmo do descobrimento do Brasil, então será muito importante a divulgação, para trazer luz sobre este tema”, explica o diretor da Defesa Civil, Edevilson Cugik.
Além do tronco que já pode ser visto, outros fragmentos de árvores estão guardados no órgão, aguardando a definição da espécie e também como serão utilizados no futuro.
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