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Fernanda Silva/O Município Joinville

Fernanda Silva
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Com a chegada da Páscoa, famílias de Joinville relembram uma antiga tradição, cultivada por anos durante o período pascal: os ovos pintados em madeira. Durante o século passado, as crianças eram presenteadas com as peças em formato oval, pintadas à mão e recheadas de guloseimas. Como o material é resistente, há famílias que guardam ovos de madeiras há mais de 70 anos.

Carin Adriana Drager, de 51 anos, tinha cerca de 3 anos quando ganhou uma peça de presente do padrinho, há 48 anos. Desde então, ela guarda o objeto com carinho. Neste período do ano, os ovos de chocolate são deixados de lado e a memória de entes queridos é reavivada junto com a presença dos ovos de madeira.

A tradição era tão forte no passado, que o marido também conservou um ovo de madeira que ganhou na infância. Ao se casarem, juntaram não só as escovas, mas também os objetos e a nostalgia que carregam.

“Juntamos esses ovos e continuamos a conservá-los, por serem peças únicas e históricas para nós. Também pelas boas memórias da infância e da Páscoa em família”, conta a professora de artes aposentada.

Ovos de madeira unem família

Além de Carin e Cláudio, os ovos de madeira uniram outros familiares. Em 1998, Norberto Drager, de 75 anos, sogro de Carin, chegou a comprar um torno e modelar as madeiras em formato de ovo. Enquanto isso, Carin e o marido fizeram um curso de pintura em madeira e o trio começou a investir na fabricação das peças e levando a tradição para outras famílias.

Ovos produzidos pela família entre o fim da década de 1990 e início dos anos 2000 | Foto: Arquivo Pessoal

“Nesse mesmo período, meu sogro comprou um torno e nele produzia peças em madeira, para nós. Explorou o ovo de Páscoa no torno, até que conseguiu produzir o primeiro. Depois foram vários e de diferentes tamanhos. Eu os pintava, vendia-os e presenteava crianças da família e de amigos. Foi dessa produção, no ano de 2000, que pintei um exclusivo para meu filho, que nasceu em meio ao nosso trabalho com artesanato”, lembra.

Hoje, os três ovos de madeira, de Carin, o esposo e o filho, são expostos juntos durante o período de Páscoa. “Meu filho durante sua infância, ainda ganhou de presente, de minha mãe, um ovo pintado em um porongo. Este, também está em nossa família há uns 18 anos”, conta.

Os ovos de madeira do esposo de Carin, dela e do filho | Foto: Arquivo Pessoal

Veia artística

Tânia Marlene Haensch tinha meses de vida quando ganhou seu primeiro ovo de madeira, presente da avó paterna. A peça a acompanha desde então. Ao todo, são 70 anos juntas, a mesma idade que Tânia tem.

Ovo que Tânia ganhou de presente da avó | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville

Além dos ovos de madeira, a artesã e empreendedora também ganhava livros com o tema de Páscoa, ilustrados e importados da Alemanha. A pequena Tânia nem imagina que, no futuro, os traços presentes nos livros serviriam de inspiração para que ela pintasse suas próprias criações.

Foi por volta dos 15 anos que a avó materna incentivou a veia artística de Tânia. Lhe deu tintas e pincéis para que treinasse. “Era uma tinta óleo, ruim, mas quis fazer [as pinturas] por ela”, lembra a neta. “Ela dizia ‘sei que você tem potencial’.”

Com o passar dos anos, Tânia deixou a pintura, se formou professora, casou e teve duas filhas. No início da década de 1990, revisitou as peças que havia criado na adolescência e se viu com vontade de pintar novamente. Dali, comprou materiais e melhores tintas e se viu engajada a produzir arte.

A inspiração vinha dos livros alemães. “Me acompanham até hoje, são minhas joias, dinheiro nenhum pode comprar”, afirma com orgulho. Para dar início às pinturas, Tânia precisava encomendar os ovos de madeira, que passaram então a ser trazidos de um fabricante de São Bento do Sul.

Pintura do ovo de madeira e o livro que foi a inspiração para o trabalho | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville

“Não tinha perspectiva, não era grande coisa, mas o pessoal gostava, então comecei a vender. Tinha hora que não era que chega”, conta Tânia, que via os estoques se esvaziarem. Dependendo do tamanho, a artista levava até sete horas para pintar a peça de madeira.

Com o tempo, o marido ficou desempregado e a família decidiu abrir um negócio. “Ou era um restaurante, floricultura ou artesanato. E eu tenho uma veia artística, então abrimos esta última”, lembra feliz. Hoje, colhe os frutos que as avós plantaram ainda na infância. A paterna com o ovo de madeira e a materna, com o incentivo de pintar.

Fernanda Silva/O Município Joinville

Relembrar é viver

Para Carin, manusear as peças é reencontrar o passado e relembrar momentos. “Eu me divirto diante dessas vivências. E é claro, sempre posso contar novamente as experiências, as memórias e o sentido que o meu ovo de Páscoa de madeira teve e tem em minha vida. Para alguns, pode ser apenas um símbolo. Mas, para mim, é mágico”, diz emocionada.

Quem também se emociona ao lembrar dos ovos de madeira é Lili Marlene Tank, de 73 anos. Junto com a lembrança das peças lhe vem a memória do marido, falecido há nove anos, que fabricou muitos ovos de madeira em seu torno. Lili lembra que o marido não pintava, mas vendia os ovos para artistas.

Aposentado da Cipla, Evaldo Tank comprou um torno e começou a produzir diversas peças de madeira em casa. “Era o forte dele, adorava fazer muitas coisas. Tenho muitas coisas em madeira feitas por ele”, lembra com carinho.

Madeira modelada por Evaldo no torno. Posteriormente, a peça foi pintada por outra pessoa | Foto: Arquivo Pessoal

A professora Sheila Rosane Schmeling Randig, de 48 anos, lembra da avó materna. “Ela gostava sempre de toda a família reunida, todos os fins de semana, principalmente nos eventos comemorativos. Provavelmente tinha uns 10 anos, nós éramos em nove netos e todos ganhamos [ovo de madeira] naquela Páscoa. E tinha saquinhos de amendoim doce lá dentro”, lembra com detalhes.

Hoje, alguns primos ainda guardam o ovo de madeira que receberam da avó. Após 38 anos, Sheila continua guardando a peça, usa como enfeite e, às vezes, até coloca chocolates lá dentro. O presente é uma forma de manter viva também a lembrança da avó, falecida há 22 anos. “Eu tenho isso com muito amor, eu sempre estava com ela, tenho boas lembranças com ela”, afirma.

Arquivo Pessoal
Sheila expõe o presente recebido da avó durante a Páscoa | Foto: Arquivo Pessoal