Conheça a história da chegada do Bolshoi em Joinville há 20 anos
Um jantar na casa do então prefeito Luiz Henrique da Silveira marcou o início da parceria
Da beleza e imponência dos espetáculos, das seletivas com mais de cinco mil candidatos, do trabalho suado de cada aula ao sucesso dos formados em balés pelo mundo. O êxito da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, única filial fora da Rússia, é um dos orgulhos de Joinville. Enquanto o teatro russo se aproxima do segundo centenário, a filial joinvilense comemorou 20 anos no dia 15 de março de 2020.
A consolidação do trabalho, a solidez financeira e os bons resultados credenciaram a filial de Joinville a renovar seu contrato por mais cinco anos. A assinatura ocorreu no dia do aniversário com a presença de dois diretores do Teatro Bolshoi, o diretor financeiro Serguei Maksimenko e o diretor artístico Makhar Vazijev. Mas essa história de muito trabalho, e que passou por momentos de dificuldades, começou em um jantar.
Foi em Brasília que o então prefeito Luiz Henrique da Silveira (1940 – 2015) assistiu a uma apresentação do Balé Bolshoi. Ele ficou impressionado com o espetáculo. Em 1996, o teatro fez uma turnê pelo Brasil. A dança já fazia parte do DNA joinvilense. O Festival se encaminhava para a 14ª edição. Luiz Henrique então decidiu que queria trazer a apresentação russa para a cidade.
Viúva de Luiz Henrique, Ivete Appel da Silveira, a dona Ivete, lembra que Edson Busch Machado, secretário de Cultura da época, foi o escalado pelo então prefeito para fazer a negociação. Ela conta que os russos viram com muita desconfiança a tentativa de uma cidade que não era capital em fazer parte da turnê. E se impressionaram que as exigências que fizeram – entre tamanho de palco, capacidade do local, entre outras – era atendida por Joinville. Porém, faltava espaço na agenda. Mas a desistência de Porto Alegre, abriu a possibilidade. O desafio então era bancar a vinda do balé: 120 mil dólares. Segundo dona Ivete, o prefeito mandou fechar e passou a ir atrás do dinheiro.
Com a ajuda dos empresários locais, a prefeitura precisou entrar com os 20 mil dólares finais para que o Bolshoi se apresentasse no Festival de Dança. A casa cheia impressionou os estrangeiros.
“Enquanto nas outras cidades se cobravam ingressos muito alto, o Luiz Henrique colocou a R$ 6. Ficou lotado”, recorda Ivete.
Como sempre faziam quando companhias de fora vinham para a cidade, lembra a viúva, ela e o então prefeito recebiam em sua casa a comitiva, ou parte dela, neste caso, para um jantar. Eram cerca de 40 convidados recebidos pelo casal naquela noite. Durante as conversas, um dos dirigentes contou dos planos da escola de abrir uma filial fora da Rússia. Até então, Estados Unidos e Japão já tinham conversado com o balé, mas as negociações não avançaram.
“O Luiz Henrique então perguntou: ‘por que não Joinville?’. Aí o dirigente já disse: ‘da’, que é sim em russo”. Um mês depois o então prefeito e dona Ivete faziam a primeira de várias viagens para a Rússia. De acordo com a hoje conselheiro da Bolshoi Brasil, Ivete, a estrutura do Centreventos, a história da cidade com a dança e a recepção ao espetáculo cativaram a comitiva estrangeira.
Mas a vontade de ambas as partes era só o início. Foram dois anos até que o esboço do projeto ficasse pronto para que fosse apresentado a possíveis patrocinadores. O protocolo de intenções foi assinado no ano seguinte e no dia 15 de março de 2000 aconteceu a inauguração da escola.
Questionada se em algum momento Luiz Henrique duvidou que o sonho de trazer o Bolshoi para Joinville fosse se concretizar, ela garante que não. “Ele sempre foi muito otimista. Sempre teve muito apoio e sempre tinha a previsão do recurso. Em abril ou maio já se sabia quanto ia gastar até o final do ano e ele já ia atrás do dinheiro em Brasília e procurando os empresários para levantar o valor.”
Os espetáculos do Bolshoi Brasil sempre trouxeram bom público. Mas a renda não cobre todos os gastos das escolas. O patrocínio de empresas estatais e privadas é fundamental para a manutenção da escola. Hoje são quatro 40 empresas, dividias em cotas diferentes, que patrocinam a iniciativa. Mas nem sempre tudo funcionou tão bem.
Problemas de patrocínio e falta de confiança no projeto, após o contrato com o governo do estadual ser contestado pelo Ministério Público quase fez tudo acabar. Em 2004, o Ministério Público pediu o bloqueio de bens de 10 pessoas por entender como irregular o aporte dos Correios para a escola.
Para tentar recuperar as finanças e a credibilidade do projeto, foi criado um corpo de conselheiros, com a presença de empresários da cidade. Para a presidência da escola, Luiz Henrique da Silveira convidou o médico e presidente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) de Joinville, Valdir Steglich.
“A escola estava com dificuldades e corria o risco de fechar, mas conseguimos reverter a situação. Um trabalho de equipe que está dando resultado”, comenta Steglich.
Hoje a escola está mais do que sólida, conta com apoio de empresas de grande porte e paga as contas sem sustos. Os projetos mantidos e criados na nova gestão, como a Companhia Jovem, trazem frutos para a dança mundial.
Meninos e meninas é como dona Ivete chama os alunos e já formados pela escola que é conselheira. Um deles, cita ela, nasceu em Joinville e está no New York City Ballet para seu orgulho. Ela fala de Jovani Furlan Júnior. Descoberto quando estudava na Escola João Colin, no Itaum, Jovani se formou no Bolshoi Brasil e no ano passado se tornou o primeiro brasileiro contratado pelo balé norte-americano.
Os ex-alunos do Bolshoi estão espalhados por vários países. Só da Companhia Jovem de 2019, seis já estão no exterior. Kamila Abreu foi para o Ballet Art Company (EUA), Safira Sacramento estão no Landestheater (Áustria), Carlos Boeira foi contratado pelo Thüringer Staatsballet (Alemanha), Luiz Fernando Xavier está no Voronezh Teatro Ópera Ballet (Rússia), Rafael Vedra no Bayerisches Staatsballet (Alemanha) e Thiago Victor Santana no Ruse State Opera (Bulgária).
Não são os únicos orgulhos da escola. “Não formamos só bailarinos, formamos cidadãos”, diz Staatsballet. O presidente conta que dos 377 bailarinos formados nestes 20 anos, cerca de 75% vivem de dança. Porém, há também médicos, engenheiros, jornalistas, policiais e professores entre os que passaram anos na Escola Bolshoi.
“O Luiz Henrique sempre disse que cultura gera emprego e renda. Mas nem todos os políticos entendem isso”, diz a viúva do político, que além de prefeito de Joinville, foi deputado, senador, ministro e governador de Santa Catarina.
Dona Ivete garante: o Bolshoi era o maior orgulho de Luiz Henrique e é seu maior legado para a cidade.