Caso Gabriella: famílias aguardam julgamento um ano após a morte
Júri popular de Leonardo Nathan Chaves Martins já foi remarcado três vezes e permanece sem data
Júri popular de Leonardo Nathan Chaves Martins já foi remarcado três vezes e permanece sem data
No final da tarde de 23 de julho de 2019, Gabriella Custódio Silva, 20 anos, foi atingida com um tiro no lado direito do peito, transportada no porta-malas de um Chevrolet Captiva e deixada na recepção do Hospital Bethesda, já sem sinais vitais. Leonardo Nathan Chaves Martins, 21, então namorado da vítima, foi indiciado por feminicídio. Um ano depois, as famílias aguardam o julgamento.
Para a família da jovem, o período de espera tem sido torturante. Há um ano, vivem a falta de Gabriella e a incerteza de como será o julgamento. Para Andreza Custódio Silva, 25, o que resta são as boas lembranças e a expectativa que a justiça seja feita.
“A Gabriella era muito alegre e sorridente, sem ela está sendo muito difícil, éramos muito apegadas. Tudo o que fazemos, tudo o que falamos, lembramos dela. Uma experiência dessas é diferente de tudo, não desejo a ninguém”, afirma Andreza.
A irmã conta que Gabriella sempre pedia por um sobrinho, Andreza já tinha até tentado engravidar algumas vezes e feito tratamento, mas nunca havia conseguido. Um mês após a morte dela, descobriu a gravidez.
“Eu já tinha desencanado da ideia, achei que não poderia ter filhos. Ele foi um presente dela pra mim”, diz, emocionada.
Andreza conta que, após a morte de Gabriella, algumas amigas mais próximas da jovem relataram reclamações dela de violências físicas e psicológicas sofridas por parte de Leonardo. Uma das amigas afirmou ter visto ela com hematomas no rosto e no braço, segundo a irmã.
Além disso, desde que começou a namorar com Leonardo, em dezembro de 2018, de acordo com Andreza, ela passou a se afastar da família e dos amigos. Quando foram morar juntos, ela emagreceu e deixou o emprego.
“Mesmo sofrendo constantes violências, ela não contava pra gente (família) porque acreditava que ele iria mudar. Conhecemos ele desde pequeno, eles estudaram juntos desde a primeira série, confiávamos nele. Estava longe de qualquer suspeita”, relata.
Andreza conta que eles fazem questão de estar presente no julgamento, assim que a data for marcada. A expectativa da família é que Leonardo seja condenado à pena máxima pelo crime de feminicídio, que pode somar até 20 anos de prisão.
“É algo que devemos a ela. Jurei no caixão que iria até o fim para fazer justiça pela Gabi”, promete.
Marco Aurélio Marcucci, advogado da família de Gabriella, afirma que, desde o início das investigações há obstrução de provas e, caso o tiro tivesse sido mesmo acidental, como Leonardo afirmou em depoimento, a arma do crime não teria sumido.
“Sumiram com a arma e sumiram com o celular da Gabriella. Se a arma tivesse defeito, eles apresentariam para a perícia e provariam o tiro acidental. Se o cara não apresenta a arma é porque algum problema tem”, afirma Marcucci.
Ainda conforme o advogado, foi proposta uma varredura no Canal do Linguado, onde o pai de Leonardo, Leosmar Martins, teria jogado a arma. “Não quiseram apontar o local e, como o Linguado é muito grande, é difícil uma busca sem saber o local exato”, diz.
Leonardo foi indiciado por feminicídio e teve a prisão preventiva decretada em agosto do ano passado. Em meados de junho deste ano, após dois pedidos de prisão domiciliar serem negados, a defesa de Leonardo entrou com um novo pedido de Habeas Corpus. De acordo com Deise Kohler, uma das advogadas do jovem, o pedido foi protocolado pela ausência dos requisitos da prisão preventiva.
A prisão preventiva é decretada, essencialmente, para garantir a ordem pública, evitar que o réu tumultue o processo, empreenda fuga ou intimide testemunhas. No entendimento da defesa, no caso de Leonardo, esses requisitos estão ausentes. Além disso, de acordo com Deise, ele é réu primário e não possui antecedentes criminais.
“Ele não apresenta riscos à sociedade. Quem da sociedade poderia se sentir intimidado por ele, neste momento? Ele é o principal interessado na ocorrência do júri dele. Não tem motivos para ele estar preso com os requisitos da preventiva”, argumenta Deise.
Como o judiciário em Brasília está em recesso por conta da pandemia do coronavírus e tem retorno programado para agosto, a defesa aguarda resposta do pedido.
Também não há data para o júri popular de Leonardo, que já foi remarcado três vezes por causa da pandemia. De acordo com Deise, a defesa vai manter a tese de homicídio culposo.
“Na realidade, a defesa sente a morte da Gabriella tanto para família dela quanto para a do Leonardo, que tratava ela como filha. Gostaríamos que este julgamento já tivesse acontecido, mas estamos em um momento de pandemia”, reconhece Deise.
As imagens da câmera de segurança da recepção do Hospital Bethesda registravam 17h26 de terça-feira, 23 de julho de 2019. Leonardo, vestindo camisa escura e bermuda, entra correndo na recepção do hospital, fala com as pessoas do balcão e, em seguida, volta correndo para a rua.
Passam-se 23 segundos, ele entra novamente, desta vez, com Gabriella desmaiada em seus braços. Em seguida, ele aparece sozinho, coloca uma das mãos na cabeça e sai pela recepção do hospital.
Minutos antes, na rua Arno Krelling, no Distrito de Pirabeiraba, na casa dos sogros, Gabriella foi baleada com um tiro no lado direito do peito e transportada dentro do porta-malas do carro do então namorado até o hospital, onde chegou já sem sinais vitais, como confirmou a unidade à época.
Através da placa do veículo, a Polícia Militar identificou Leonardo. Os policiais foram até o endereço dele, mas não o encontraram. Na mesma noite, durante buscas, a Captiva de Leonardo foi abordada pela polícia com duas pessoas dentro.
A PM identificou que o veículo estava envolvido no crime e levou os dois homens para a delegacia para prestar depoimento. Eles se identificaram como amigos de Leosmar e alegaram estar levando o veículo de volta à casa do proprietário. Eles foram liberados.
Dois dias após a morte de Gabriella, Leonardo se entregou à Polícia Civil. Em depoimento, disse que a arma havia sido comprada no dia anterior pelo pai, Leosmar Martins. Ele contou que buscou a pistola para mostrar à namorada, que estava na cozinha, quando aconteceu o disparo acidental. Após o depoimento, Leonardo foi liberado.
No dia 9 de agosto, 17 dias após a morte da jovem, Leonardo foi indiciado por feminicídio e teve a prisão preventiva decretada. A arma do crime e o celular de Gabriella não foram encontrados. De acordo com a defesa de Leonardo, ficou provado que os objetos estavam na posse de Leosmar, que teria se desfeito dos pertences no Canal do Linguado.
Em depoimento à polícia, Leosmar confirmou que havia comprado ilegalmente a arma e que sua esposa não sabia da existência do objeto. Também confirmou que, após o ocorrido, foi para uma casa de praia com o filho, em São Francisco do Sul, e descartou a pistola no Canal do Linguado.
Leosmar Martins, acusado de participação no crime e indiciado por fraude processual e posse ilegal de arma, foi encontrado morto na BR-280 dentro do próprio carro, em fevereiro deste ano. Ele respondia pelo crime em liberdade.
O delegado Eliezer Bertinotti, responsável pelo caso, afirmou na época que tanto o pai como o filho não possuíam posse ou porte de arma de fogo. Além disso, afirmou que a pistola só funciona caso haja acionamento mecânico, questionando a possibilidade de tiro acidental.
A falta de objetos, a partir de depoimentos e reconstituição do crime, levaram a polícia a indiciar Leonardo por feminicídio. Ele está detido no Presídio Regional de Joinville desde o dia 9 de agosto de 2019, aguardando julgamento.