Centenário em preto e branco: Caxias de Joinville completa 100 anos

Fundado no dia 12 de outubro de 1920, campeão catarinense de 1929, 1954 e 1955 tenta hoje retornar pelo futebol amador

Centenário em preto e branco: Caxias de Joinville completa 100 anos

Fundado no dia 12 de outubro de 1920, campeão catarinense de 1929, 1954 e 1955 tenta hoje retornar pelo futebol amador

Lucas Koehler

O dia 12 de outubro é cercado de paixões, crenças e comemorações. Os católicos celebram Nossa Senhora Aparecida e crianças ostentam os brinquedos que ganham. Mas, em Joinville, a data também carrega um significado esportivo, pintado em preto e branco e decorado com grama, ídolos e gols: o nascimento do Caxias Futebol Clube.

O Gualicho, como é carinhosamente conhecido, foi fundado em 1920 e já viveu acompanhado de glórias. Logo no jogo de estreia, realizado em 6 de março de 1921, o Caxias venceu o América, aquele que viria ser o seu maior rival, na casa do adversário, por 2 a 1.

Tricampeão catarinense, os torcedores alvinegros comemoram até hoje o dia que seus ídolos erguerem o principal troféu estadual em 1929, 1954 e 1955.

Com o estádio Ernesto Schlemm Sobrinho, o Ernestão, como casa, conquistas sendo alcançadas e jogadores se tornado heróis, o Caxias despertava para ser um dos times mais tradicionais de Santa Catarina.

Quem sonhava com o feito, porém, acordou com um baque melancólico. Em 1976, a história mudou. A camisa caxiense deixaria de suar para se unir com os rivais americanos e fundar o Joinville Esporte Clube, o JEC.

O preto e branco, até então rivais dos vermelhos, formariam um novo uniforme, dando lugar ao tricolor: preto, branco e vermelho. Unidas para serem vestida pelos atletas joinvilenses que até então guerreavam por vitórias, hegemonias e títulos.

Desde lá, foram tentativas e buscas por projetos milagrosos para tentar que o Caxias voltasse a ser um clube profissional, muitas vezes sem sucesso. Atualmente, o que se vê é o vazio e os fracassos no gramado do Ernestão.

Para os torcedores, a memória vitoriosa tenta ocupar a frustração de saber que para o time restou as competições amadoras da cidade.

Mas a busca para manter viva a chegada do cometa, como o time é referenciado no hino, permanece. Exemplo disso é o que tenta fazer o atual presidente do clube, Norberto Gottschalk, de 60 anos.

Para ele, o Caxias é um pedaço da sua vida. Com 13 anos, Norberto jogava futebol no clube, mas aos 16 viu o clube chegar ao fim.

O desejo pelo retorno do Gualicho virou missão. “Com meus 16 ou 17 anos eu já tinha em mente que o Caxias precisava voltar. Você muda de partido político, endereço, roupa, esposa, religião, mas nunca time de futebol. Isso sempre foi a minha paixão”, conta.

As ações mais concretas começaram a partir de 1994, com a proximidade do JEC deixar de usar o Ernestão. Nesse período, Norberto chegou até a ser treinador do time, mas foi no final do ano 2000 que assumiu a presidência pela primeira vez.

Com ele na gestão, o Caxias conseguiu retornar ao futebol profissional, sendo campeão da segunda divisão estadual em 2002 e vice-campeão Catarinense em 2003, quando o time perdeu a final para o Figueirense.

Além disso, a equipe ainda conseguiu uma vaga para a Série C do Campeonato Brasil de 2004, após vencer a Chapecoense por 4 a 2 e ser campeão da Copa Santa Catarina.

Téio levanta a taça do título da Copa Santa Catarina de 2003 | Foto: Rperodução/Facebook

As últimas conquistas do time não foram bem aceitas por toda cidade, Gottschalk afirma que geraram problemas sérios a partir disso.

“Muitas pessoas começaram a se identificar e torcer pro Caxias, mas aqui em Joinville se tem uma ideia que todos precisam torcer para o JEC”, lamenta, indignado.

Apesar de deixar claro que respeita o clube tricolor, Norberto complementa sua crítica.

“Camisa de futebol não é camisa de força, cada um torce para o time que quiser. Dizem que é porque Joinville leva o nome da cidade, mas o São Paulo também leva, nem por isso todos torcem para esse time”, acrescenta.

Ernestão leiloado

O primeiro mandato do empresário na gestão do clube terminou em 2003. Mas, sete anos depois, o destino começava a colocar Norberto novamente nos bastidores do Caxias. Entre 2010 e 2011, o Ernestão foi a leilão após uma parceria de diretores com empresas.

Naquele momento, o alvinegro joinvilense chegou a ser vendido, mas graças a uma falha e vícios no processo jurídico a situação pôde ser revertida.

A quase perda do estádio foi traumática. O atual gestor do clube explica que a gestão pública declarou o local como utilidade pública, com o objetivo de passá-lo ao JEC.

Atualmente, Ernestão passa por obras | Foto: Lucas Koehler/O Município Joinville

“O Caxias não concordou com a decisão e nem com as formas de pagamento. Tinham propostas para nós entregarmos o Ernestão, ou que poderíamos pagar um aluguel no nosso próprio estádio para usá-lo junto com o Joinville”, indigna-se.

Além disso, o clube recebeu uma proposta de indenização de R$ 1.876,000,00, parcelados em 24 vezes, que foi rejeitado. “Nós temos documentos com assinaturas do prefeito que podem comprovar isso. O Caxias recorreu e teve ganho de causa”, cita.

Após as tensões jurídicas, o Gualicho ainda cedeu a cancha por mais quatro anos para o JEC, enquanto construíam a Arena Joinville, que tinha como objetivo abrigar o Coelho.

O retorno em dívidas

A falta de patrocínios pesou para que o Caxias continuasse competindo entre os principais campeonatos de Santa Catarina.

Algumas empresas que investiam no time pararam de operar, outra investiu no time de futsal da cidade e outras foram vendidas. Em 2006, o Caxias perdeu cinco patrocinadores.

Em 2017, já com Norberto novamente na diretoria, o Caxias precisou vender partes do seu terreno para se manter vivo. “Muitas pessoas foram me procurar para voltar, eu falei: ‘não sou o salvador da pátria, sozinho eu não faço nada'”, relembra.

Norberto, atual presidente do Caxias | Foto: Reprodução

Naquele momento, a atual diretoria lembra que assumir as finanças da instituição foi como “pegar um touro à unha”.

No ano seguinte, Álvaro Bogo foi eleito presidente do clube, mas, após sair com seis meses de mandato, Norberto assumiu a presidência mais uma vez, tentando reviver a paixão caxiense.

A reconstrução

Hoje, tentando retomar as atividades, o alvinegro trilha outros caminhos para ter renda. O presidente da equipe afirma que o Gualicho deixou de depender apenas dos sócios, bingos, churrascos e bailes para levantar fundos.

“Hoje ninguém mais tem tempo para sair vendendo rifas. Isso é coisa do passado. Eu parei para analisar e concluí que se queremos alçar voos maiores, não podia mais ser dessa forma”, analisa Norberto.

A partir dessa mudança nos planos econômicos, aluguéis passaram a ser as principais fontes de renda. Nos próximos anos o gramado do Ernestão será vizinho de quadras de futebol society, vôlei de areia e outros esportes.

Além disso, os planos da instituição é que se tenham lanchonetes, churrasqueiras, salão de festa, salas comerciais, restaurantes e outros estabelecimentos.

Os espaços serão alugados com contratos de 10 anos, que podem ser renovados, caso ambas as partes tenham interesse. Segundo o presidente do clube, todos os sócios terão condições exclusivas para utilizar esses espaços.

Atualmente, Gottschalk exalta que o alvinegro está com o financeiro em dia e sem credores batendo na porta. “Hoje temos o CNPJ em dia, o Caxias está indo em frente”, exclama.

O atual mandato de Norberto deveria terminar no fim de 2020, porém, com a pandemia da Covid-19, os conselheiros da instituição estão discutindo o prorrogamento até 2021.

Sorrisos e lágrimas

Torcer para um time de futebol é reunir dores e conquistas. Eliminações, derrotas, vitórias e troféus. Dias deprimentes e felizes costumam acompanhar torcedores ao redor do mundo.

Para Norberto, que além de presidente também é torcedor fiel ao Gualicho, o dia mais triste que teve com o time aconteceu em 1976 e permanece na memória até hoje.

Elenco do Caxias, em 1971 | Foto: Reprodução/Facebook

“Foi o último clássico do Caxias contra o América, antes da fusão para virar JEC. Eu era garoto, estava descendo a arquibancada e vi um idoso que tirou um lenço de dentro do casaco, limpou as lágrimas, parou na escada, olhou novamente para o gramado e disse: acabou-se o meu Caxias”, relembra com os olhos marejados e distantes.

Sua maior felicidade é mais recente: a conquista do título no futebol amador, em 1996. Em 1990, o empresário lembra que perdeu um título no estádio do América, contra o Cruzeiro Joinvilense.

Seis anos depois, no mesmo campo, sentando no mesmo lugar do banco de reservas, mas agora como técnico do time do coração, Gottschalk ergueu o troféu contra o América, o maior rival, após vitória por 3 a 2.

Festa de 100 anos

A pandemia da Covid-19 interrompeu os planos das comemorações. O clube pretendia um culto ecumênico, pelo laço que tem com a igreja Sagrado Coração, que fica ao lado do estádio e promover brincadeiras no gramado com crianças, além de distribuir camisetas e brindes do Caxias.

Por conta da realidade, o dia 12 de outubro será celebrado apenas com uma reunião de diretores, conselheiros e uma queima de fogos.

Futuro alvinegro

Para o atual presidente do clube, o Caxias é um time do povo e, para voltar, precisa ter os pés no chão e retornar pelas divisões do futebol amador e buscar o acesso à famosa “Primeirona”, na qual o Caxias já foi campeão.

“O Caxias não tem dono, é de todo os cidadãos de Joinville, os catarinense e até brasileiro, afinal, cedeu o Jairo do Nascimento, o único joinvilense que vestiu a camiseta da Seleção Brasileira”, finaliza.

Jairo defendeu a Seleção em 1976 | Foto: Reprodução/Facebook

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