Centenário em preto e branco: torcedores contam sobre a paixão pelo Caxias

Thiago Paul, de 31 anos, e Edgard Schatzmann, de 80, relembram emoções, dores e alegrias com o Gualicho

Centenário em preto e branco: torcedores contam sobre a paixão pelo Caxias

Thiago Paul, de 31 anos, e Edgard Schatzmann, de 80, relembram emoções, dores e alegrias com o Gualicho

Lucas Koehler

Muitos dizem que não se escolhe um time para torcer, mas que a paixão por um escudo é cravado no peito logo após o nascimento. Ser torcedor é saber que um domingo de sol pode se transformar em uma tempestade solitária se o seu clube perde. Mas, ao mesmo tempo, os sentimentos mais eufóricos desaguam sobre as cores do uniforme se ganha um jogo.

Esse amor fervoroso e futebolístico, muitas vezes, vem acompanhado pelo sobrenome. Thiago Paul, de 31 anos, é um exemplo disso. Para ele, torcer para o Caxias é uma decisão familiar. Seu tio-avô, Amandos Paul, foi um dos fundadores do clube.

Além disso, o pai e outros membros da família torcem para o Gualicho, o que passou a ser um sentimento passado por gerações. “Pretendo passar esse ‘sofrimento’ para os meus filhos”, brinca.

Seu despertar alvinegro começou em 2001, aos 10 anos, em uma vitória do Caxias sobre o Camboriú por 2 a 1, no estádio Ernestão. O torcedor diz que não há explicação pelo o que sente pela equipe.

Thiago Paul é torcedor do Caxias e membro da torcida Legião Alvinegra | Foto: Thiago Paul/Reprodução

“É muito fácil torcer para times grandes, mas o Caxias por anos sequer tinha time para jogar, agora estamos no futebol amador. Não tem como definir essa loucura”, reflete.

O vício pelo Caxias é tão grande que, em 2006, fez a torcida organizada Legião Alvinegra renascer e embalar os cantos nas arquibancadas. “O estádio era muito quieto, então veio a ideia de retomar o grupo para incentivar o time durante os 90 minutos”, explica.

Em 2010, um título da terceiro divisão do Campeonato Catarinense fez Thiago cumprir a maior promessa já feita até hoje.

“Eu tinha 20 anos, sempre gostei de rock, então era cabeludo, prometi que se fossemos campeões eu rasparia o cabelo. Depois de erguemos o título tive que passar a máquina zero”, relembra rindo.

O torcedor conta que nunca vai esquecer a vitória do Caxias por 2 a 1, contra o Figueirense, na primeira partida da final do Campeonato Catarinense de 2003. Naquele dia, Paul afirma que até os rivais torciam para o alvinegro.

Torcida do Caxias no estádio Ernestão | Foto: Reprodução/Facebook/Caxias

“A cidade toda estava torcendo para o Caxias, acho que inclusive os torcedores do América queriam ver a vitória”, comenta.

Apesar da esperança em ver o Caxias novamente disputando campeonatos da elite estadual, ele não esconde a tristeza com a atual situação do Gualicho.

“Ver o clube no campeonato amador é decepcionante. Já fomos três vezes campeões estaduais, mas agora está perdendo para times formados por amigos. É doído e muito sofrido”, lamenta.

Torcedor desde os 10 anos

Nascido duas décadas depois da fundação do Caxias, Edgard Schatzmann, de 80 anos, se apaixonou pelo time assim que saiu de Pirabeiraba e veio para Joinville, a qual se refere como “cidade grande”.

Para ele, o clima popular e a aceitação de jogadores negros no time influenciou na decisão. “Não sei se é porque ali era o povo, tinham pessoas negras reunidas, isso me cativou muito”.

Sentimento popular influenciou Edgard a torcer para o Caxias | Foto: Rodrigo Schatzmann

Histórias contam que uma fusão entre os clubes Vampiros e Teutônia deu origem ao Caxias Futebol Clube.

O Vampiros se destacou no cenário esportivo ao aceitar a presença de jogadores negros, se tornando o primeiro clube joinvilense a tomar essa decisão.

O sentimento pelo clube fez Edgard criar amizades. Uma delas foi com Tite, com quem Edgard trabalhou numa loja de móveis em frente ao Ernestão e depois viu ele virar jogador do clube.

O torcedor conta que quando comprou uma bicicleta passou a ir constantemente para a rua Cubas, próxima ao estádio do Gualicho, para encontrar seus amigos.

“Era um pessoal batuqueiro, sempre alegre, apesar da vida difícil de operários. Sempre receptivos e cantavam muito. Isso me marcou”, conta.

Vampiros foi o primeiro time de Joinville a aceitar jogadores negros | Foto: Reprodução

Apesar de já ser adulto no ano em que o Caxias se uniu ao América para virar JEC, Edgard não pôde acompanhar a transição por motivos políticos: inimigo da Ditadura Militar.

“Fui preso pela Operação Barriga Verde, em 1975, e fiquei em cárcere até o final de 1976. Aquele tempo era assim. Havia muita perseguição, medo e pavor. Se discordava de alguém já era motivo para ficar atrás das grades. Uma coisa de louco”, lamenta.

O futebol e a luta contra os anos de chumbo se uniram em Joinville. Na rua Botafogo, no bairro Floresta, militantes comunistas fundaram um time para jogar futebol aos fins de semanas e feriados.

Depois das partidas aconteciam reuniões clandestinas para discutir como enfrentar a ditadura. Em 1975, porém, todos os “jogadores” foram presos.

Momentos marcantes

A equipe alvinegra está marcada na memória de Edgard. Entretanto, dois momentos ganham destaque: o primeiro é o jogo de inauguração dos refletores com energia elétrica no Ernestão, em 1962, quando o Vasco enfrentou o Gualicho, os dois times que o ex-preso político simpatizava.

“Aquela luz clareando a bola e os jogadores era algo incrível. O time carioca não maltratou o adversário. Era um jogo de arte, um futebol clássico”, conta emocionado.

Já o segundo aconteceu quando, junto ao coral da Universidade do Estado de Santa Catariana (Udesc), grupo que Edgard participa, foi cantar em um asilo, no bairro Itinga. Lá, encontrou um homem requisitado por todos.

“Perguntei quem era e a cuidadora falou que era o Puccini, famoso goleiro do Caxias. Eu disse: meu Deus, vou ter que fazer uma surpresa para ele”, destaca.

O torcedor decidiu homenagear o ídolo cantando o hino do Caxias. “Quando cantei o ‘gua gua gua, Gualicho, apareceu e o povo já gritou’, o Puccini arregalou os olhos e começou a cantar comigo”, conta acompanhado de risos nostálgicos. O eterno goleiro caxiense ainda presenteou Edgard com um livro de sua autobiografia.

Para o torcedor de 80 anos, o centenário do Caxias é algo que remete à lembrança. “Para mim fica algo bonito, um sonho, uma coisa meio mágica”, finaliza.


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