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Como a livraria O Sebo resiste ao mundo digital em Joinville: “a gente acredita na leitura”

Espaço cultural no Centro da cidade reúne livros, discos e eventos gratuitos, incentivando a leitura e a convivência há quase quatro décadas

Há 38 anos, a livraria O Sebo mantém viva a paixão pelos livros em Joinville, resistindo aos desafios do mercado digital e se consolidando como um espaço cultural. Mais do que uma livraria, o espaço abriga diversos eventos artísticos, e oferece um acervo diversificado, com o propósito de incentivar a leitura e promover um ambiente acolhedor para os visitantes.

A livraria foi criada em 10 de março de 1987, pela proprietária, Silvana Pereira Stadler, e sua sócia, Eliana Novaes. O acervo inicial contava com cerca de três mil livros. O primeiro endereço foi na rua Henrique Meyer, onde permaneceram por 15 anos.

Atualmente, o espaço funciona das 9h às 19h durante a semana, e das 9h às 13h aos sábados. O Sebo fica na rua Dr. João Colin, 572, no centro da cidade.

Desde o início, o espaço foi criado com a proposta de ir além da venda de livros e abrigar eventos culturais. Por isso, com o aumento do acervo e com esse objetivo, as sócias decidiram buscar um local maior que comportasse essas iniciativas, ampliando a atuação da livraria para além do comércio.

O grande acervo caracteriza o Sebo até hoje. A equipe precisou fazer adaptações internas, utilizando prateleiras para criar divisórias e organizar o estoque. “Atrás delas, é um verdadeiro labirinto de livros e discos”, revela Silvana.

Silvana explica que o termo “sebo” surgiu antigamente, em uma época em que as pessoas liam à luz de velas. Com o calor, a vela derretia e a gordura passava para as mãos e, consequentemente, para as páginas dos livros, que ficavam engorduradas. “Por essa razão, o comércio de livros usados se chama sebo”.

Silvana Stadler com Lucas Otávio da Silva e José Ruan Moreno Ramos, atendentes do Sebo | Foto: Lara Donnola/O Município Joinville

Desafios e resistência em meio ao digital

Ao longo dos anos, Silvana e Eliana enfrentaram inúmeros desafios para manter a Livraria O Sebo ativa, especialmente com o avanço das diversas formas de comercialização de livros. Para ela, a concorrência com supermercados, vendas online e livros digitais exige um esforço contínuo para atrair leitores e manter o espaço ativo.

“A gente sempre batalha para aumentar o número de leitores, para poder manter a livraria como um espaço aberto, não só para venda de livros, mas também para os eventos”, afirma.

Entre os maiores obstáculos enfrentados, ela apontou as sucessivas crises econômicas do país, especialmente os planos econômicos promovidos pelos governos. “Houve uma época em que a inflação era altíssima, chegava a 70% ao mês, o que impactava diretamente o poder de compra das pessoas e a sobrevivência do negócio”, menciona.

Segundo ela, a chegada da internet foi uma verdadeira revolução, alterando profundamente o setor livreiro e várias profissões. Apesar disso, ela destacou que os desafios enfrentados sempre exigiram adaptação e criatividade para manter a relevância do espaço cultural.

Silvana acredita que, diante das mudanças, o mais importante é encontrar maneiras de se reinventar e seguir adiante, apesar das incertezas. “Eu acho que isso é com tudo na vida, né? Sempre temos desafios”, complementa.

Silvana Stadler | Foto: Lara Donnola/O Município Joinville

A importância da leitura

Silvana acredita que o Sebo continua resistindo porque oferece uma experiência única, diferente da leitura digital. “A gente acredita na leitura”, afirma. Para ela, a leitura de um livro físico desenvolve muito mais do que a leitura rápida no meio digital, que é mais acelerada e tem muitas distrações. “As notificações chegam, e aí a pessoa já se distrai com aquilo que estava lendo”, comenta.

Para ela, o livro oferece concentração total, sem interrupções, o que favorece a retenção e a reflexão. “O cérebro elabora diferente quando se está lendo em uma tela. Isso prejudica a capacidade de elaborar e fixar as informações lidas”, explica.

Interior da livraria O Sebo | Foto: Lara Donnola/O Município Joinville

Silvana observa que ainda há um público jovem interessado na leitura, mas acredita que é preciso estímulo contínuo. “A família tem papel importante. Quando eles começam a ler e criar esse desejo pela leitura, é diferente”, afirma, defendendo menos exposição das crianças às telas.

Ela também manifesta preocupação com os impactos futuros da tecnologia. “Agora com a inteligência artificial a coisa tá mudando bastante. Acho que veremos as consequências disso daqui há alguns anos”, comenta.

Ela acredita que o excesso de estímulos rápidos pode afetar a capacidade cognitiva das pessoas. “Daí você vê como o povo “emburreceu”, como o cérebro encolhe por causa de falta de estímulo”, conclui, reforçando a importância de manter viva a experiência da leitura tradicional.

Interior da livraria O Sebo | Foto: Lara Donnola/O Município Joinville
Silvana Stadler | Foto: Lara Donnola/O Município Joinville

Acervo

O Sebo possui um acervo bastante variado, que inclui romances, livros nacionais e estrangeiros, obras técnicas, títulos em diversas línguas e áreas do conhecimento, além de livros motivacionais, mangás, revistas, gibis e outros materiais. O local também comercializa discos, CDs e DVDs.

Silvana explicou que a proposta é manter os preços acessíveis, com o objetivo de incentivar a compra. Para ela, é importante que esses itens estejam ao alcance de todos, seja para lazer, estudo ou trabalho. “Quando vem alguma coisa que não vamos comprar, mas que ainda tem utilidade, encaminhamos a doação”, informa a proprietária do lugar.

Silvana percebe que o público do Sebo sempre foi diverso e continua assim até hoje. “Uma das coisas que eu acho muito bonitas aqui na livraria é que a gente recebe família. Então vem pai, mãe e filhos”, conta a proprietária. “Daí um escolhe música, outro gibi, outro romance ou um livro técnico. Isso é muito comum aqui”.

Interior da livraria O Sebo | Foto: Lara Donnola/O Município Joinville

Eventos culturais no Sebo

Como já mencionado, desde o início, o projeto não se limitava apenas à venda de livros. Segundo Silvana, a proposta sempre foi criar um espaço que pudesse receber eventos culturais. Mesmo em um local menor e compartimentado, já aconteciam apresentações musicais, declamações de poesia e encontros espontâneos entre os frequentadores.

Com a mudança do espaço, maior e mais aberto, o Sebo passou a receber ainda mais atividades culturais. O local se transformou em palco para shows de artistas locais e regionais. No espaço também ocorrem saraus, lançamentos de livros, rodas de conversa com grupos de leitura, contações de histórias, exposições de arte e oficinas, como de desenho e quadrinhos, e até mesmo ensaios fotográficos.

“O sustento do Sebo vem da comercialização dos livros, já que todos os eventos são realizados gratuitamente no espaço”, informa. Quando há lançamentos, por exemplo, a livraria apenas cobra uma comissão simbólica de 20% sobre os livros consignados pelos autores. Dessa forma, conseguem manter o funcionamento do espaço, mesmo enfrentando os desafios impostos pelas novas formas de consumo de livros.

Arquivo pessoal

O Sebo se consolidou como espaço cultural da cidade ao oferecer um ambiente intimista e aconchegante. “Há um cuidado constante com melhorias físicas no espaço, sempre pensando em proporcionar uma estrutura ainda melhor para os eventos e visitantes, dentro das possibilidades”, diz Silvana.

As sócias contam que uma amiga definiu o Sebo assim: “Aqui o tempo não para, aqui ele senta e descansa”. Essa frase traduz o ambiente acolhedor e tranquilo que o espaço oferece aos visitantes.

Quem ainda não conhece o Sebo ou está redescobrindo o prazer da leitura é convidado a aproveitar esse refúgio para desacelerar. “Venham aqui ler muito, porque aqui o tempo senta e descansa”, convida a proprietária.

Arquivo pessoal

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