Como o tratamento de esgoto em São Francisco do Sul pode servir de exemplo na preservação da baía da Babitonga
Município implanta rede de coleta e tratamento de esgoto, mas melhora real da qualidade da água da baía ainda depende de outras cidades
São Francisco do Sul está em processo de implantação da rede de coleta e tratamento de esgoto. A cobertura, que vai evitar despejos de efluentes de forma irregular, é uma mensagem ao futuro da baía da Babitonga. Apesar de não ter um impacto direto na melhoria da qualidade da água, trata-se de um primeiro passo que pode servir como exemplo na preservação da baía. Dados da Águas de São Francisco do Sul mostram que, atualmente, a cidade tem 28% dos domicílios ligados na rede de esgoto.
A baía da Babitonga é cercada pelos municípios de São Francisco do Sul, Joinville, Itapoá, Balneário Barra do Sul, Garuva e Araquari. Trata-se do maior complexo estuarino, em que rio e mar se encontram, de Santa Catarina. A baía é destino de diversos rios, que desembocam ali antes de chegar ao mar entre São Francisco do Sul e Itapoá.
No entanto, uma ação unilateral de São Francisco do Sul, por si só, não seria eficaz a ponto de melhorar significativamente a qualidade da água da baía. A possibilidade de observar mudanças reais demandaria a elaboração de um sistema eficiente de coleta e tratamento de esgoto em todas as cidades da região.
A água está em constante movimento, então os efluentes gerados em Joinville despejados na baía da Babitonga, por exemplo, chegarão às margens de São Francisco do Sul. Especialistas consideram que a implantação de um sistema eficiente em São Francisco pode servir de exemplo para os demais municípios.
Amanara Potykytã, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) de Joinville e doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento, reforça a análise de que, para uma boa qualidade da água, é necessário que o esgoto seja tratado em todos os municípios ao redor da baía da Babitonga.
“São seis municípios no entorno da baía da Babitonga. Até 2022, os únicos municípios que tinham alguma cobertura de esgoto eram Joinville, Araquari e São Francisco do Sul. Os outros três não possuem cobertura e todos têm relevância na qualidade da água da baía”, explica.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), com base em dados de 2022, Joinville tinha 34,89% de coleta e tratamento adequado de esgoto, com base no volume gerado. Em Araquari, o número era de 20,49%. O percentual em São Francisco do Sul marcava 8,94%.
Balneário Barra do Sul, Garuva e Itapoá, demais municípios ao redor da baía, não tinham tratamento algum. O resultado da falta de um sistema de coleta e tratamento de efluentes faz com que o destino seja, muitas vezes, a baía da Babitonga.
Eduardo Augusto Werneck Ribeiro, doutor em Geografia e professor do Instituto Federal Catarinense (IFC), ao olhar para o futuro da baía da Babitonga, relata que a realização da coleta e tratamento de esgoto em São Francisco do Sul é um bom começo em direção à busca por melhor qualidade da água. Na visão dele, o impacto seria positivo como exemplo para os demais municípios catarinenses.
“Do ponto de vista geográfico, Santa Catarina é formada predominantemente por cidades médias e pequenas. Caso São Francisco atinja 100% de cobertura, seria um bom exemplo e o impacto é mais significativo do que se possa imaginar, em razão do número de municípios que têm esse porte populacional”, afirma.
Na mesma linha, Amanara lembra que poucos municípios de Santa Catarina possuem cobertura de coleta e tratamento de esgoto. Ela também considera que a totalização, ou seja, com praticamente todo o esgoto gerado em São Francisco do Sul devidamente tratado, o serviço pode ser considerado exemplar.
“Ocorrendo a universalização, será um exemplo para Santa Catarina. Não temos bons valores no estado sobre cobertura de coleta e tratamento de esgoto. Temos muitos municípios sem rede de esgoto. Com certeza, essa universalização, se atingida, será um caso exemplar”, diz Amanara.
Um tratamento adequado de esgoto afeta toda uma cadeia. Em cidades litorâneas com forte atividade turística, uma boa qualidade de água do mar é sinônimo de mais turistas. Eduardo acredita que a implantação da rede de coleta e tratamento, mesmo que em parte, já pode gerar efeitos positivos.
“Se conseguir concluir significativamente esta primeira fase, ainda sem avançar por todo o município, trará uma mensagem importante. Qualidade de praia significa mais turistas. A Unidade de Pronto Atendimento sempre fica lotada em começo de ano. Consumimos muitas coisas contaminadas, pois a água da praia está contaminada. Sentiremos esse número diminuir”, comenta.
Atualmente, cerca de 28% dos domicílios estão ligados na rede de esgosto em São Francisco do Sul. Conforme projeção da Águas de São Francisco do Sul, concessionária responsável pela implantação do serviço, o número deve chegar a 30% até o final de 2024. Já foram construídos 140 quilômetros de rede e realizadas 10 mil ligações.
O contrato firmado entre a Águas e a Prefeitura de São Francisco do Sul prevê 85% de cobertura no município. No entanto, de acordo com Vilmar Pereira da Silva Junior, gerente de operações da regional da Águas, em breve deve ser elaborado um termo aditivo para aumentar mais 5% para adequação à legislação.
“Todo esgoto coletado será tratado. A meta de cobertura, conforme define o Marco Legal do Saneamento, é de 90% dos domicílios do município atendidos. No caso de São Francisco do Sul, o contrato prevê 85%, então, provavelmente, deve ser objeto de posterior termo aditivo para atender os 90% previstos pelo Marco Legal do Saneamento”, explica.
O esgoto é o principal fator que resulta na má qualidade da água nos arredores da ilha de São Francisco do Sul. Galerias pluviais com saídas nas praias e que deveriam servir como destino unicamente das chuvas são alvos de conexões irregulares que despejam esgoto diretamente no mar.
“Como a cidade é litorânea, existe a presença de pequenos córregos. Grande parte do esgoto está ali. Como estamos em uma ilha, isso chega diretamente no mar. Há um outro agravante: os ‘gatos’. As ligações que utilizam galeria pluvial, que deveria ser basicamente só para escoamento das chuvas, possuem acessos clandestinos”, afirma o professor Eduardo.
A professora Amanara relata que as soluções individuais dos moradores não impedem o encontro dos efluentes com a água. Uma fossa, por exemplo, geralmente tem ligação com algum local de drenagem de água de chuva, como um córrego.
“Mesmo que os efluentes sejam lançados em córrego, em algum momento o esgoto chegará em um rio que chegará na baía da Babitonga. Qualquer cidade [no entorno da baía] sem o sistema de tratamento de esgoto acaba afetando a qualidade da água da baía”.
O Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina desenvolve estudos com frequência sobre a balneabilidade das praias catarinenses. Em linhas gerais, os levantamentos mostram se a qualidade da água está própria ou imprópria para banho.
A balneabilidade tem como parâmetro de avaliação a concentração de E. coli, um indicador de contaminação fecal que se relaciona justamente com esgoto sanitário. Desta forma, o tratamento de esgoto afeta diretamente na balneabilidade.
Na região da praia dos Paulas, às margens da baía da Babitonga, em São Francisco do Sul, o monitoramento do IMA, com coletas para avaliação de balneabilidade em frente à praça da Figueira, apontou qualidade de água própria poucas vezes nos últimos cinco anos, levando em consideração análises mensais.
Levantamento elaborado pela reportagem de O Município Joinville aponta que foi registrado balneabilidade própria em apenas três meses entre os anos de 2021, 2022 e 2023, um em cada. Os demais tiveram qualidade imprópria – este, a maioria – ou própria/imprópria, quando há empate nas medições própria e imprópria no mês analisado.
Em 2024, até agosto, dois relatórios apontavam balneabilidade própria: em junho e agosto. Em 2020, não houve coleta durante cinco meses, mas, entre os meses em que a análise foi realizada, não houve registro de balneabilidade unicamente própria.
A região é um exemplo de que, independentemente da implantação da rede de esgoto em São Francisco do Sul, a melhora da balneabilidade não deve ser uma realidade imediata, já que as águas de outros municípios que despejam efluentes na baía passam consequentemente pelos Paulas.
“Na praia dos Paulas, há ainda toda a questão da baía, de todo um esgoto que vem de Joinville, de Itapoá e de Araquari”, relata Eduardo, que reforça a necessidade de uma melhoria “coletiva” nos sistemas de tratamento de esgoto ao redor da baía da Babitonga para que seja possível registrar balneabilidade própria.
Antes do início das obras de implantação da rede de coleta e tratamento de esgoto em São Francisco do Sul, foram apresentados estudos e o pedido pela Licença Ambiental de Instalação (LAI), que foi emitida pelo IMA.
As obras começaram em 2017 na localidade Majorca, no bairro Ubatuba. Os trabalhos avançaram até a conclusão da obra da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Ubatuba. A estação foi inaugurada em 2020 e a operação começou em 2021.
“Atacamos toda a região dos balneários, em que haverá maior impacto, principalmente em relação à preservação do meio ambiente. Iniciamos com a ETE do bairro Ubatuba, no Majorca, que opera desde 2021”, explica Vilmar, gerente de operações da regional da Águas.
Desde julho de 2021, a ETE Ubatuba opera com tratamento de 45 litros por segundo. Ainda conforme Vilmar, a projeção é que a operação triplique para 135 litros por segundo conforme a cobertura é implantada. Até 2033, ano de conclusão dos trabalhos, 90% da cidade de São Francisco do Sul deve contar com tratamento de esgoto.
A implantação do sistema de esgoto é vista de forma positiva pelos moradores de São Francisco do Sul, tanto por questões pessoais quanto pela preservação do meio ambiente. Eles fazem ressalvas referentes à taxa cobrada, mas reconhecem que é necessário realizar o pagamento para prestação de um bom serviço.
O aposentado Gilberto Augusto Koerder, morador da localidade Majorca, já conta com a casa ligada à rede de coleta e tratamento de esgoto. Ele avalia positivamente o serviço e relata que nunca houve problema desde a implantação.
“O sistema vem para uma melhora da saúde, vem para a comunidade. É algo que vem para o bem e não podemos reclamar. Existem pessoas que têm dificuldades para pagar a taxa, mas o serviço apareceu em uma hora boa, até deveria ter vindo mais cedo”, opina.
Pedro Kuminkievicz, aposentado, também morador da localidade, conta que foi um dos primeiros moradores da cidade a receber a conexão da casa em que mora com a rede de coleta e tratamento. Ele vive em São Francisco do Sul há sete anos, desde quando deixou a vizinha Joinville.
O morador relata que os efeitos da implantação do sistema podem ser observados no dia a dia. “A diferença é grande. Nós vimos isso nos rios. Aqui perto de casa, há uma vala e dá para perceber que o mau odor diminuiu. A mudança é visível. É uma diferença muito grande”, afirma Pedro.
Gilberto vive em São Francisco do Sul há 25 anos e integra a associação de moradores do Majorca. As mudanças para o aposentado ocorreram de forma prática. Antes, o domicílio era ligado a uma solução individual, um sumidouro, uma realidade que deixou de existir a partir da conexão à rede de esgoto.
“Antes, cada um tinha um sumidouro. Haviam pessoas que ‘exageravam’, pois ligavam [a saída de esgoto] junto à água fluvial (galerias), ou seja, ia para o rio e depois para o mar”, relata. “Sempre que o sumidouro enchia, chamávamos o caminhão para limpar”, relembra.
O morador afirma que a implantação do sistema sempre foi uma necessidade imprescindível de São Francisco do Sul, mas nunca houve interesse em levar as tratativas para frente, até o momento em que a implantação da cobertura finalmente contou com a devida importância.
Por fim, Gilberto reforça o entendimento de que deveria ocorrer uma reanálise quanto à forma em que o serviço é cobrado, mas minimiza a crítica pontual para elogiar a iniciativa e enfatiza: “todo município deveria ter controle do esgoto”.