Câmara de Joinville/Divulgação
Conheça a polêmica por trás da criação do distrito do Boa Vista, em Joinville
Disputa entre Câmara e prefeitura de Joinville levantou suspeitas de manobras para favorecer aliado político em 1959
Em 1959, a criação do distrito do Boa Vista gerou embate e polêmica entre a Câmara de Vereadores de Joinville e a prefeitura. Enquanto o legislativo defendia o desmembramento da região Leste, o executivo questionava a necessidade da mudança. Nos bastidores, uma denúncia publicada pelo jornal A Notícia levantou suspeitas de interesses políticos e pessoais por trás da decisão.
A região do Boa Vista é antiga. Antes mesmo das imigrações, a localidade já tinha seus lotes de terras, que faziam o escoamento da sua produção por meio dos rios que desaguam na Baía da Babitonga para alcançar a então vila de São Francisco do Sul.
Iniciadas as imigrações, estando próxima ao núcleo principal, a margem oposta do rio Cachoeira logo começou a receber moradores ribeirinhos. O crescimento do bairro na direção Leste foi natural e ganhou ímpeto com a instalação da Tupy, levando trabalhadores a decidirem ficar nas proximidades. A construção da ponte do trabalhador melhorou a conexão do bairro com a zona Sul da cidade.
A Câmara queria, a prefeitura, não
No fim dos anos 1950, a Câmara de Vereadores de Joinville (CVJ) e o prefeitura protagonizaram alguns embates, já que a Casa de Leis era udenista (filiada ao antigo partido político UDN, União Democrática Nacional), e o prefeito, Baltasar Buschle, era da União Joinvilense, uma coligação de partidos de linha varguista e oposta aos udenistas. A discordância, evidente em muitos temas, ganhou um novo capítulo quando a cidade debateu a criação de um novo distrito para a zona Leste, ou seja, o distrito do Boa Vista.
A criação de um distrito não fazia sentido para alguns, já que o bairro era unido ao distrito-sede e a administração municipal não via motivos para a descentralização.
Distrito requerido, distrito aprovado
Em 1958, durante a terceira legislatura da CVJ (1955-1959), sob a presidência de Dario Salles, a Câmara aprovou a resolução 27/1958, que criava o distrito do Boa Vista. No legislativo estadual, o deputado Tupy Barreto assumiu a autoria do projeto, que foi aprovado no ano seguinte como lei nº 393, de 6 de maio de 1959.
Tupy Barreto havia sido delegado de polícia em Joinville, ganhando popularidade por rotineiramente figurar nos jornais da época. Assim como a maioria da Câmara, seu presidente, seu vice e seu primeiro secretário, Tupy Barreto era parlamentar pela União Democrática Nacional (UDN).
No dia 20 de junho, com a presença de autoridades de Florianópolis, e personalidades religiosas, militares e civis de Joinville, o distrito foi finalmente instalado, segundo o jornal A Notícia, em uma cerimônia simples. Mas a prefeitura desaprovava isso tudo, chegando a impetrar um mandado de segurança, sem obter sucesso.
Por que, então, criar um distrito?
Mas por que criar um distrito numa região agarrada ao centro da cidade, que o chefe do executivo nem queria? Pode parecer não fazer sentido, já que distritos adicionais costumam guardar distâncias da sede, e daí a descentralização administrativa poderia ser positiva. Mas esse não era o caso do Boa Vista.
A resolução 27/1958 da Câmara de Vereadores não oferece motivos, só delimita o novo distrito e pede a homologação da Alesc. O projeto de lei 162/1958, do legislativo estadual, apenas diz que o pedido da Câmara é legal e constitucional, nada mais que isso.
Se a documentação da tramitação política até agora encontrada não ofereceu os motivos para o desmembramento de um novo distrito, o jornal A Notícia ofereceu uma acusação bombástica: a instalação de um distrito exigiria a criação de um cartório, e um cartório renderia uma grana muito boa para seu proprietário.
Ocorria que o diretor de expediente da Câmara era também um atuante membro da UDN joinvilense. Seu nome era Alpheu Carneiro Lins. Desse modo, havia uma Câmara udenista, com mesa diretora de udenistas e aliados e, na Alesc, o autor do projeto de lei também udenista.
Segundo o mencionado jornal, todos trabalhavam para beneficiar seu correligionário, o senhor Lins. Segundo o A Notícia, Alpheu Lins pretendeu ingressar na carreira de parlamentar e planejou sair candidato à deputado estadual, algo que não era do interesse de outros políticos de grande envergadura.
Alguns udenistas não queriam concorrência nas eleições à Alesc que ocorreriam ainda naquele ano. Tupy Barreto, por exemplo, buscava a reeleição pela UDN, e Dario Salles também já tinha planos de ser alçado ao cargo de deputado, e ambos inclusive foram eleitos, mas a concorrência atrapalharia.
Como fazer para Alpheu Carneiro Lins desistir de seus planos? O preço, de acordo com o A Notícia, foi a promessa de ganhar um cartório. Em 1959, a CVJ teve uma disputa com a prefeitura para dar um aumento pra Alpheu e depois, entregar esse cartório para ele. Parecia um bom acordo para Alpheu, mas para ter cartório, primeiro precisaria ter um novo distrito que justificasse o novo cartório.
Em 14 de agosto de 1959, o jornal chamou isso tudo de manobras, e disse: “É contra tudo isso que o executivo vem lutando e impetrou mandado de segurança. O povo que julgue, pois o dinheiro é do povo.” Uma denúncia, sem dúvida, bombástica.
Quem tinha razão?
O jornal A Notícia da época apoiava a bancada da União Joinvilense, aliança que sustentava politicamente o prefeito Baltazar Buschle.
Os motivos da Câmara de Vereadores na criação do distrito não foram explicitados nos documentos encontrados até o momento. A resposta poderia vir através do Jornal de Joinville, aliado aos udenistas, mas ali também não foram encontradas respostas às acusações.
Enquanto um contraponto ainda não foi encontrado, temos o fato de que Ulisses Gerson Carneiro Lins foi o primeiro escrivão distrital do cartório do Boa Vista, ou seja, o cartório realmente começou com a família de Alpheu Carneiro Lins.
* Texto de Patrik Roger Pinheiro, historiador (Registro Profissional 181/SC) e coordenador do Memória CVJ.
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