Sabrina Quariniri/O Município Joinville

 

Voluntários, não amadores. Esta é uma frase que o comandante Carlos Kelm, 57 anos, fez questão de frisar durante a entrevista à reportagem de O Município Joinville, na sede central do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville.

Seja em atendimentos por terra, água, mata, combatendo incêndios ou socorrendo vítimas de trânsito, Kelm defende que todos que são destinados a essas funções são profissionais qualificados, mesmo sem receber salário para isso.

Sabrina Quariniri/O Município Joinville

“Voluntário não quer dizer amador, como muita gente acha. Nós somos profissionais, não remunerados, mas profissionais”, alerta. 

À frente da corporação há dois anos, o comandante afirma que ser bombeiro e voluntário requer muita dedicação e incentivo por parte da equipe de comando para que os que já estão se mantenham e que novos tenham interesse em entrar.

“Nós temos mantido desde o ano passado uma média de 15 mil horas de trabalho voluntário por mês. Os atendimentos se mantiveram mesmo com a pandemia. Já chegamos a registrar 18 mil horas voluntárias por mês. É uma média boa, não falta gente, toda ocorrência é atendida”, afirma o comandante.

Como motivação para desempenhar este trabalho, em que doam suas horas vagas em prol do bem-estar da comunidade, Kelm destaca o orgulho de vestir a farda vermelha e a vontade de ajudar pessoas.

“Cada um tem um motivo diferente. Geralmente são motivações boas. Mas é bacana sair na rua, ligar a sirene e atravessar as ruas, é uma adrenalina. Mas lógico que há uma parcela aqui que também veste a farda para se exibir”, brinca.

Como funciona a estrutura da corporação

A corporação dos Bombeiros Voluntários de Joinville é formada por cerca de 500 pessoas que atuam no operacional — bombeiros, brigadistas e socorristas. Deste número, 130 são contratados, ou seja, recebem salário para trabalhar, e 32 desses funcionários atuam exclusivamente no aeroporto de Joinville, 24 horas por dia, via convênio com a Infraero.

Além da parte operacional, há profissionais no setor administrativo, que compõem as bandas adulto e mirim e os técnicos. De acordo com o comandante Kelm, mais de mil pessoas estão envolvidas diretamente com a corporação, 133 delas são mulheres.

A unidade central concentra o maior número de equipamentos, veículos de salvamento e resgate e também de socorristas. Ao todo, a corporação possuí nove bases espalhadas pelos bairros de Joinville: a Norte, que engloba as unidades Dona Francisca e Pirabeiraba; Leste, que engloba Aventureiro e Tupy; Sul, engloba Itaum e Barra Velha; e a Oeste, engloba Vila Nova e Nova Brasília, ativada em julho de 2020.

“A unidade central trabalha com misto de voluntários e funcionários, então tem quatro equipes fixas que atuam no esquema 12/36 (12h de trabalho por 36h de descanso). Mas as unidades do Aventureiro e a do Itaum, por exemplo, funcionam 100% do tempo apenas com voluntários. E estamos trabalhando para que as outras unidades sigam este caminho”, explica.

Para gerir as equipes e unidades, além do comandante, responsável por todo operacional, há dois subcomandantes, coordenadores, sub-chefes e líderes de equipe. As funções são mescladas entre efetivos e voluntários.

“Normalmente, quando é uma ocorrência no bairro, sempre se desloca um motorista e um socorrista. Mas digamos que é uma ocorrência maior, daí imediatamente já mandamos outra unidade mais próxima para ajudar. Nunca ficam sem assistência”, diz.

Normalmente, explica, as ambulâncias ficam na base central. As unidades de bairro possuem um caminhão de incêndio, de 5 mil litros, e um caminhão-tanque, de oito mil litros. Durante os fins de semana, ambulâncias são levadas para as regiões Sul e Norte, a fim de agilizar os atendimentos.

Os turnos de plantões são trocadas sempre às 6h30 e às 18h30. Em cada circuito, entram as equipes nomeadas como Bravo, Alfa, Charlie e Delta.

Como ser bombeiro voluntário

Para entrar na corporação, há três formas: fazendo o curso gratuito de bombeiros, que leva cerca de 500 horas/aula, onde são realizados testes físicos (natação e corrida) e de fobia (altura e local fechado). 

A segunda forma é paga, fazendo o curso de socorrista, fornecido pela Universidade do Bombeiro. São 240 horas de aula e mais 150 de estágio dentro das ambulâncias. 

A terceira forma é como motorista, quando você já possui habilitações C, D e E, e passa por treinamento para se adequar à realidade de condução durante uma emergência. 

“Depois disso, o voluntário se compromete a cumprir pelo menos 24 horas por mês de plantão, ou seja, dois plantões de 12 horas. Se passar dois meses sem prestar o serviço, é desligado do sistema. Nós lidamos com vidas e o patrimônio dos outros, não podemos nos dar o luxo de fazer algo errado ou irresponsável”, frisa.

Menos acidentes e mais atendimentos clínico na pandemia

Além da adição de equipamentos de proteção contra a Covid-19, o Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville também passou por adaptações em relação a questões operacionais, como diminuir o número de profissionais dentro das viaturas e ambulâncias para evitar aglomeração durante o atendimento a ocorrências.

Conforme o comandante, no início da pandemia, por conta do decreto que impedia a circulação de pessoas, houve queda significativa no número de acidentes de trânsito entre os meses de março e abril. O registro superou os 40%.

Em compensação, com a população mais em casa, houve aumento de 519% em ocorrências de incêndio. Fogo em vegetação, entulhos, fogo em residência e por vazamento de gás lideram o ranking.

A média é de 15 atendimentos pré-hospitalares e três incêndios por dia

Acidentes clínicos de atendimento pré-hospitalar, de acordo com Kelm, também aumentaram em decorrência do isolamento social. “Marido batendo na mulher, briga de vizinhos”, exemplifica. Além disso, os bombeiros registraram aumento em ocorrências de queda de árvore e telhado. Esses atendimentos representaram 66,09% de todas as saídas.

A média é de 15 atendimentos pré-hospitalares e três incêndios por dia. Em 2020, entre ocorrências de incêndio, acidentes de trânsito e eventos extraordinários (captura de animal e busca e salvamento) a corporação recebeu 8.419 chamados.

Projetos para 2021

“Se a pandemia deixar”, como Kelm mesmo diz, há muito ainda que pretende fazer pela equipe de bombeiros voluntários. O principal objetivo, no entanto, é incentivar o voluntariado e trazer cada vez mais membros para compor o grupo.

“Mas esta é uma das barreiras impostas pela pandemia. Neste ano, havia 400 inscritos (para o processo seletivo), que foi cancelado por causa das medidas de restrição”, conta.

“Neste ano, havia 400 inscritos (para o processo seletivo), que foi cancelado por causa das medidas de restrição”

Desde que entrou para a corporação, em 1992, seu intuito tem sido otimizar os recursos e o profissionalismo dos bombeiros. Em conversa com a diretoria, Kelm conseguiu renovar parte da frota de primeira resposta às ocorrências.

“Estávamos usando caminhões da época do centenário. Temos quatro caminhões na linha de frente que são de 1992. Eu mostrei pra diretoria que precisávamos trocar. Os veículos são velhos, podem quebrar no caminho, não chegar no incêndio e queimar a casa. Além disso, se gastava muito com manutenção. Atualmente, cinco caminhões novos foram incorporados à frota — quatro de incêndio e um de resgate veicular”, diz.

Além de continuar renovando a frota de veículos e modernizando equipamentos, o comandante pretende focar ainda mais em treinamentos para a equipe e diminuir o tempo resposta médio por ocorrências, que está em sete minutos. O ideal é cinco.

“A gente busca melhorar cada vez mais, mas costumo dizer que ‘brincar de bombeiro é caro’. São equipamentos, salários, combustível e manutenção das sedes. Nós não temos uma renda fixa oficial”, afirma.

Atualmente, a corporação sobrevive da verba anual destinada pelo governo do estado, convênio da prefeitura, doações de pessoas físicas através da conta de luz e doações de empresas.

Carreira e mudanças na corporação

Carlos Kelm divide sua rotina diária entre as demandas dos bombeiros e seu emprego como prático, manobrando navios no porto de São Francisco do Sul. Por influência do ex-sogro, bombeiro voluntário, quis entrar para a corporação.

Antes de compor a equipe, Kelm era agente de segurança judiciária, onde, além de guarda-costas, trabalhava como motorista de um juiz. Em 1996, fez concurso para prático e iniciou emprego no porto.

“Falei com ele (ex-sogro) pra saber como entrava e me apaixonei por isso aqui. Eu tinha acabado de fechar uma escola de mergulho, aí eu tinha os equipamentos. Quando cheguei, me deparei com equipamentos arcaicos e socorristas sem curso. Era tudo na base da pedra lascada. Então tomei pra mim a missão de treinar os mergulhadores”, lembra.

A partir de então, uma equipe de grupamento de busca e salvamento aquático (GBSA) foi formada. Além de instrutor, em sua primeira passagem pela corporação, Kelm também foi motorista. Neste meio tempo de 29 anos, o comandante ficou 12 anos desligado dos serviços por conta de seu emprego.

“Eu me afastei porque não batiam os horários de escala, mas chegava a sonhar de tanta saudade. Em 2017, em um encontro que fizemos dos veteranos eu pedi pra voltar, mas só como motorista”, conta.

Quando voltou, no entanto, o ambiente que encontrou não era bem o que esperava: profissionais desestimulados e richa entre voluntários e efetivados. Mas seu incômodo durou pouco tempo.

“Como não sei ficar de boca fechada, fui falar com o presidente. Eu disse ‘nós estamos igual ao Titanic indo pro iceberg. Se não desviarmos, vamos bater e acabar com a história de mais de 120 anos de bombeiros’. Aí decidiram por mudanças. Nesta história, fui convidado a ser comandante”, conta.

Desde que entrou à corporação, Kelm acompanhou muitas modificações. Da Caravan que era utilizada para o socorro à ambulância mais equipada; da sirene de alerta no topo da torre à central de ocorrências.

CBVJ/Divulgação

“Quando a corporação começou os bombeiros não eram equipados com roupas pra incêndio e não tinham treinamento de socorrista. Como a cidade era menor e tinha menos trânsito, não aconteciam acidentes e eles atendiam apenas incêndio com uma bomba manual. Ouviam a sirene e saíam das empresas para atender. Hoje em dia é mais difícil as empresas liberarem”, destaca.

Ao longo de 129 anos, muitas coisas mudaram. Os próprios bombeiros se profissionalizaram e o sistema se modernizou. A única coisa que permanece intacta é a paixão do comandante pelo voluntariado, que quando pode, ainda faz questão de sentir na pele a adrenalina de cortar a cidade e salvar vidas.

“Como comandante, eu não tiro mais plantão e não sou obrigado a sair para ocorrências. Mas, às vezes, como sou motorista, quando tá faltando, eu saio junto para os acidentes e incêndios. E quando tem uma ocorrência grande, mais grave, também vou junto, na picape de comando”, finaliza.


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