Conheça cinco lendas e causos populares de Joinville
Mestra em Patrimônio Cultural e Sociedade realizou estudo sobre a cultura popular joinvilense
De moço bonito que vira diabo à noiva assassinada; de idosa com pés inchados a homem “chapeludo”; e ainda, árvore que dá dinheiro. Joinville possui causos e lendas em sua cultura popular.
Estas lendas foram contadas por idosos em entrevistas realizadas pela mestra em Patrimônio Cultural e Sociedade Eliana Aparecida de Quadra Corrêa, em sua dissertação de mestrado, intitulada “Joinville: idas e vindas, mitos e memórias”, produzida em 2011. Na época, ela entrevistou sete idosos para coletar causos e lendas narrados em Joinville.
Os entrevistados foram: Luiza Tercila do Amaral, Terezinha Azevedo de Castro, Izabel Gomes, Maria Raimunda de Souza, Serafina Campregher e Hilda Carvalho da Silva, todas moradoras da Vila Vicentina, em Joinville; e Luiz Diomedes do Nascimento, na época, funcionário da Biblioteca Pública Municipal Prefeito Rolf Colin de Joinville. Todos nascidos antes da década de 1950.
Conheça as cinco histórias:
1. Moço bonito do baile
O moço bonito do baile frequentava os bailes e chamava a atenção das jovens mulheres que lá estavam. Ele era disputado, mas dançava com todas. Próximo da meia-noite, as pessoas notavam que os pés dele pareciam com cascos de bode ou de cavalo. Quando as pessoas presentes no baile reparavam nos pés, o moço bonito se transformava em diabo.
Para Hilda Carvalho, a história aconteceu no baile do Lipo, na década de 1980. Ela conta que até teve morte no local, e após o episódio de violência, o salão de baile encerrou as atividades. “Aconteceu mesmo. E foi verdade”, comenta Hilda para a pesquisadora.
Durante a entrevista, Izabel Gomes recordou que a lenda do moço bonito do baile era muito narrada em sua casa, porque havia adolescentes na família que “precisavam de orientação sobre os moços bonitos que poderiam as enganar”. “Na minha família essa história, eu acho que tinha esse sentido”, afirma Izabel.
Luiz Diomedes acrescenta que o moço bonito era uma entidade que aparecia nos bailes no Tempo da Quaresma. “Acontecia também de aparecer rabo nas pessoas que iam ao baile por não respeitarem a penitência, o período religioso que antecedia a Páscoa”, conta Luiz.
Ele acredita que a lenda desapareceu. “Não se ouviu mais se falar nisso porque não se tem mais Quaresma, não tem quem comunga. Tem carnaval, depois do carnaval dançam a vida inteira. O moço bonito desapareceu com a lenda”, complementa.
2. Noiva da ponte
A noiva da ponte era uma mulher assassinada e enterrada debaixo da ponte. A localidade não é especificada. Ela perambulava sem rumo e assustava as pessoas que passavam próximo ao local em que foi enterrada.
Segundo Hilda, a noiva só parou de aparecer para as pessoas quando acharam o local onde ela estava enterrada. “Até para ela poder descansar. Se não ela fica por lá sofrendo e assuntando as pessoas”, comenta Hilda.
3. Chapeludo
Segundo Luiz Diomedes, a Biblioteca Pública Municipal é povoada de histórias urbanas. Uma dessas histórias é a do Chapeludo, um homem que vestia capa e um chapéu, no estilo cartola, e tinha orelhas enormes. Ele aparecia nos cantos da biblioteca depois das 18h.
Luiz diz que nunca viu o Chapeludo pessoalmente, mas confessa que muitas pessoas frequentadoras da biblioteca viram o homem. “Trabalho há dez anos aqui aproximadamente. Quando a Biblioteca está quase fechando, não sei a troco de quê, aparece num determinado canto da biblioteca”, conta no estudo.
4. Rosa do pé inchado
A investigação da pesquisadora também resgatou a lenda urbana da Rosa do pé inchado. Rosa Corrêa, popularmente conhecida como Rosa do pé inchado, era uma idosa que perambulava por Joinville com os pés enfaixados e uma bengala em mãos.
Eliana afirma no estudo que existem possíveis explicações para o problema nos pés de Rosa. O inchaço no pé podia ser decorrente de uma erisipela, uma doença causada por um micróbio. Outra explicação seria por um problema circulatório, devido a um choque térmico comum em pessoas que faziam fogo no chão e depois iam ao rio lavar roupa, o que causava o choque.
“Ela não tinha ferida”, diz Hilda. Ela afirma que Rosa amarrava uma faixa na perna para poder ganhar esmolas na rua. Sobre a personalidade de Rosa, a idosa fala que ela era brava, mas só xingava quando era xingada.
Rosa nasceu no dia 8 de julho de 1913. Ela foi criada por familiares, pois era órfã. A mulher saiu cedo de casa para trabalhar em Joinville. Após ser funcionária do Hospital Municipal São José, foi morar em Curitiba (PR), onde trabalhou na casa de um farmacêutico.
Na capital paranaense, Rosa teve uma filha. Sobre a gestação, na época, surgiram boatos de quem seria o pai. Os idosos entrevistados no estudo comentaram sobre estes boatos. Uns contam que ela engravidou de um médico que trabalhava no Hospital Municipal São José, outros afirmam que a filha era do farmacêutico de Curitiba. Porém, Rosa nunca contou quem era o pai de sua filha.
Outra questão que chamava a atenção das pessoas sobre a figura da Rosa era o seu jeito de vestir e sua aparência. “Muito bonita. Tinha um corpo para a idade dela”, recorda Hilda.
“Até conheci pessoalmente, era uma pessoa que vivia aqui no centro da cidade. Dizem também que foi uma moça muito bonita, que desiludiu-se amorosamente e a revolta dela foi sair assim, pedir pela rua”, conta Luiz.
Segundo relatos, Rosa morou na Vila Vicentina, onde as idosas participantes do estudo residiam. Serafina Campregher conheceu Rosa na época em que ela morou na vila. A idosa lembra que uma vez foram hospitalizadas no mesmo período.
Durante o período de internação, Serafina visitava com frequência o quarto de Rosa e conheceu a filha e a neta da mulher. “Muito linda, parecida com a mãe, mas muito, muito”, relembra.
Rosa morreu na madrugada de 12 de dezembro de 1995. Conforme as idosas entrevistadas, ela passou seus últimos dias em uma das alas da Vila Vicentina.
5. Árvore que dá dinheiro
As árvores plantadas na praça Lauro Müller, ao lado da Biblioteca Pública Municipal, são popularmente conhecidas como pataca ou flor-de-abril. Existem lendas de que esta árvore “dava dinheiro”.
Chamada cientificamente de dillenia, a árvore pode alcançar 20 metros de altura, produz uma flor branca e frutos grandes. Ela é originária da Índia e das Filipinas, mas por ordem do rei João VI, foi trazida para o Brasil. Os frutos, quando secos, eram usados como porta-níqueis, uma das possíveis origens da lenda.
Na segunda metade de 1800, conforme as narrativas circulantes, quando a flor da árvore desabrochava, os portugueses colocavam dentro dela uma moeda, que na época se chamava “pataca”. Após nascer os frutos, os portugueses davam de presente ao rei João VI, para ele pensar que na árvore nascia dinheiro.
A outra história é relacionada à semente do fruto da árvore. Conforme a lenda, na praça onde foi construída a Biblioteca Pública se construíram os primeiros barracões pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo para abrigar a primeira leva de colonos europeus, em 1851.
Segundo relatos dos moradores da região, em virtude da falta de circulação de dinheiro, usavam as sementes para trocar mercadorias, bem como escreviam aos parentes que ficaram na Europa: “a colônia é tão boa e rica que dá até dinheiro em árvore e cai na cabeça da gente”.
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