terno de reis aventureiro
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Por Fernanda Silva

A canção é clara, o Terno de Reis vem chegando para anunciar o nascimento de Jesus. Entre meados de dezembro até o dia de Reis, em 6 de janeiro, os grupos de terno passam pelas casas da vizinhança em Joinville, e junto dos instrumentos e das vozes em coro, cantam a história do Natal.

A alegria da música do Terno de Reis encantou Airton José Gomes, 56 anos, ainda quando pequeno. A casa onde morava, no Paraná, recebeu o terno em época natalina. O episódio ficou marcado em sua memória. Anos depois, montou o próprio grupo.

O Grupo de Terno de Reis Devotos de São José iniciou há três anos, quando Airton foi surpreendido pelo pedido do filho Lucas da Silva Gomes, de 18 anos, que pegou o violão e chamou o pai para a missão de levar as músicas dos três reis magos ao bairro Aventureiro, onde moram, e por onde mais fossem chamados. “Ele tinha esse sonho”, conta o pai com orgulho.

Assim começou o Devotos de São José, impulsionado pela vontade de continuar a tradição de origem açoriana, que conta como os três reis magos, seguindo a estrela guia, chegaram até a manjedoura onde nasceu o filho de Deus, Jesus.

“Para a cultura não morrer. O que nós começamos, eles, os filhos, vão continuar”, diz Airton. E de fato, a melodia do terno tocou mais famílias na Comunidade São José, do bairro Aventureiro, que se juntaram a Airton e o filho Lucas. Hoje, o grupo conta com 14 participantes. Adão Florentino, 57, é um deles.

Depois de conhecer Airton, Adão começou a gostar da tradição e se juntou ao grupo. Chamou também o filho adolescente e a esposa. “É gratificante. Saímos animados, já chama o vizinho, que acompanha o terno na rua”, conta.

Angelo Caetano da Silva, 58, começou a participar do grupo de terno de reis neste ano. Aposentado, o gaiteiro queria se dedicar a alguma atividade. Procurou a igreja, passou a integrar o terço dos homens, responsáveis pela organização da missa mensalmente, e então, juntou-se ao Devotos de São José. Hoje, deseja que o neto também pegue gosto pelo instrumento e aprenda a tocar gaita, para levar a tradição para frente.

Não são só os participantes do grupo que apreciam a canção do Terno de Reis, mas toda a comunidade. Os músicos deram uma pausa nas apresentações por conta da pandemia, mas já receberam convites para voltarem a caminhar pela comunidade, batendo de porta em porta. Para atender aos pedidos, ainda que em período pandêmico, o grupo planeja, então, fazer uma grande apresentação na igreja da região.

O grupo conta que, em muitos casos, ao baterem na porta das casas, os ouvintes se emocionam até as lágrimas rolarem pelo rosto. Mas, essas não são lágrimas de tristeza. Jesus nasceu e o Terno de Reis canta sua história com uma alegria sem tamanho.

Normalmente, o terno é recebido pela comunidade com comes e bebes. No caso do grupo Devotos de São José, os músicos pedem doação de um quilo de alimento ou dinheiro, que é revertido em mantimentos para as famílias carentes. “É uma alegria para as pessoas, dão este quilo, geralmente até mais, com muito prazer”.

Angelo comenta que é gratificante proporcionar alegria a outras pessoas, seja com a música ou com os alimentos.

“Nós não fazemos nada por nós. É para ajudar outras pessoas. Muitos famílias não podem ter um natal digno, então, também é gratificante pensar no próximo”, diz Airton.

No último Natal em que passaram de casa em casa, em 2019, foram arrecadados 800 quilos de alimentos.

As noites de terno

A cantoria do terno costuma ocorrer durante a noite e a madrugada. Angelo relata que, muitas vezes, chegam às casas e que as luzes estão todas apagadas. De repente, alguém vem até a janela e abre a porta para o terno entrar.

O trio de músicos conta aos risos que são muitas casas e todas querem receber o terno. “Mas se deixar, não saímos mais”, comenta Adão, já que as pessoas não querem que o grupo vá embora.

Por isso, o grupo costuma estabelecer um teto: três músicas por casa, se não, não conseguem levar a cantoria pela vizinhança toda. Em uma noite e madrugada chegam a visitar cerca de 20 famílias.

Assim como a vinda do terno marcou a memória de Airton na infância, há outros momentos dos quais não esquece. Ao longo destes três anos de Devotos de São José, o grupo foi até o Jardim Paraíso, levar a anunciação da chegada de Cristo a pedido de uma moradora.

Ao chegarem, a mulher chorou, lembra Airton. Ela havia perdido o pai há pouco tempo, homem apreciador do Terno de Reis. No fim, disse ao grupo que o momento a lembrou muito do pai e era como se ele estivesse presente também.

Os músicos contam que é possível ver a alegria através do brilho nos olhos de quem os ouve, principal das pessoas mais velhas. Já os jovens, costumam não conhecer a tradição do terno, mas acabam gostando. E por isso, o grupo considera importante levar essa cultura adiante pela vizinhança, com toda a alegria que esta época do ano merece.