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Conheça história e rotina de morador de Joinville com 104 anos

Martiniano de Oliveira cozinha e cuida da horta todos os dias

De fala simples e risada fácil, o centenário Martiniano de Oliveira acompanhou o desenvolvimento do bairro Jardim Paraíso, onde é conhecido pela energia e independência. Aos 104 anos, completados na quinta-feira, 15, o mineiro esbanja disposição e carisma. Em entrevista ao jornal O Município Joinville, ele contou um pouco da trajetória e deu pistas do segredo da longevidade, que acompanha as gerações da família.

De Minas a Santa Catarina

Natural de Rubim, em Minas Gerais, na região de Almenara, Martiniano saiu do estado que nasceu há 55 anos. Foi para o Paraná tentar a vida, onde ficou até 1985. Já aposentado, se mudou para Rondônia com a família, estado que morou por cinco anos. Em 1990, a falecida esposa, Manuelina, não aguentou a saudade da filha Osilda e decidiu arrumar as malas e partir para a cidade de Joinville.

Cuidadoso e organizado, Martiniano guarda os documentos que acumulou ao longo dos 104 anos de vida| Fotos: Isabel Lima / O Município Joinville

Ao chegar em Joinville, há mais de 30 anos, a família se instalou alguns dias no bairro Fátima, mas logo partiram para o Aventureiro. Poucos meses depois, se mudaram para o Jardim Paraíso. “Pra passar aqui, tinha que roçar a estrada, para você comer coisa melhor, tinha que ir até o Aventureiro”, conta Martiniano sobre a época.

Na Câmara de Vereadores de Joinville em cerimônia de homenagem | Foto: Mauro Schlick /Câmara de Vereadores de Joinville

Hoje, a rua onde mora com um dos netos é ampla e de chão batido, perto de comércios, da igreja e tem grande vizinhança. Brincalhão, confessa que não foi dele a ideia se mudar para Santa Catarina, porque gostava do Norte do país. Porém mudou a forma de pensar. “Só tá faltando é dinheiro”, completa rindo.

Dos cinco filhos que teve com Manuelina, dois já faleceram. Apenas um ainda mora em Joinville, também no Jardim Paraíso. A filha Osilda, que atraiu a família para a cidade, se mudou para Piçarras, Litoral de Santa Catarina e visita o pai de vez em quando.

Embora os filhos não estejam todos na cidade, Martiniano se acostumou com Joinville e o bairro. “Agora estou gostando muito, só saio daqui quando morrer.”

Uma história de amor

Toda vez que cita Manuelina, Martiniano esboça um sorriso apaixonado. Muito ágil e disposto, se levanta rapidamente, entra em casa e logo volta com um quadro na mão. É ele e a esposa, pintados no estilo da época. No retrato, ele tem 25 anos e Manuelina 20.

Na casa onde vive tem duas cozinhas, uma dentro da residência e outra na área externa, onde fica o fogão a lenha | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Em meio a uma conversa sobre a avó, que morreu aos 99 anos, em 2018, os dois netos com quem Martiniano convive, se calam quando o avô pergunta. “Sabe como é que eu casei? Vou te contar um negócio, é um romance.”

Sinésio e Antônio, filhos de um dos frutos do amor do casal, logo voltam as atenções ao avô para ouvir o que acreditam ser uma história que já conhecem. Com uma memória de invejar muitos jovens, Martiniano começa a contar a história de amor que teve com Manuelina.

Aos 19 anos começou a namorar a jovem, que tinha 14 anos, quase 15 ele lembra. “Mas ela era bem fortona viu”, acrescenta risonho. “A avó era uma mulher muito bonita”, concorda Sinésio.

Após 12 dias de namoro, se casaram. Martiniano lembra que a mãe de Manuelina era uma ótima cozinheira e tinha amizade com o padre. Em uma missa, o sacerdote perguntou para o jovem, “cê não casa?”. A resposta foi direta. “Como é que eu vou casar se eu não tenho nada?”, lembra.

A conversa com o padre rendeu. Lembraram que o cunhado, irmão de Manuelina, havia se casado há pouco tempo e decidiu pedir a roupa emprestado. Prontamente, o cunhado atendeu o pedido. “A roupa que eu casei tá novinha”, disse na época.

Com o vestido da noiva foi igual. “Nós casamos com roupa emprestada, assim que foi”, finaliza a história com uma gargalhada.

“Dessa eu não sabia”, confessa o neto Sinésio. Ao sentir a expectativa de quem o escutava por mais, Martiniano completa. “A história agora acabou, a história era isso aí” e gargalha novamente.

A família mais próxima dele são os netos Antônio (à dir.) e Sinésio (à esq.) | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Manuelina e Martiniano foram casados por 75 anos. Um romance verdadeiro e regado de compreensão. “Ela nunca brigou comigo e eu nunca briguei com ela”, afirma. Sobre o segredo dessa parceria que tinham, Martiniano se contenta em explicar que Manuelina “era uma pessoa muito bacana”.

Sinésio comenta que sempre que a avó era questionada sobre a relação dos dois, ela respondia “quando um está brabo, o outro tem que estar manso”.

O casamento rendeu cinco filhos, cerca de 17 netos, vários bisnetos e trinetos. Embora tenha muita coisa armazenada na memória, Martiniano não sabe a quantidade exata de descendentes. Os netos tentam fazer as contas. “Genilson, lá em casa é eu, tu, mais seis, na casa da Antônia, cinco, dá 14, aqui tem mais dois, 17 netos”, pensa Sinésio. “Tenho cinco tataranetos (trinetos)”, acrescenta o avô.

Rotina e costumes

Embora tenha partido há alguns anos, Manuelina faz parte da rotina de Martiniano. Todos os dias ele acorda por volta das 7h e toma chá, o preferido é de erva doce. Mas não perdeu o costume de fazer a bebida que a esposa tomava todas as manhãs e ainda prepara café. Quem bebe é Antônio, que mora com o avô.

Além do café, Martiniano prepara o almoço e o jantar diariamente. “Fogão a gás é só pra fazer café”, diz. As outras refeições prepara no fogão a lenha. Sinésio lembra que em uma ocasião, Manuelina quase colocou fogo na casa ao deixar uma panela com óleo esquentando. O momento foi marcante para o eterno companheiro da mulher, que evita o fogão convencional a todo custo.

Sobre voltar para Minas Gerais, Martiniano é direto. “Não dá pra mim morar lá, é só fazendeiro”. O centenário se acostumou com o agito da cidade e não pretende sair dela | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

O fogo a lenha é aceso cedo, logo após o chá da manhã. Martiniano vai direto para a cozinha e começa a preparação da comida. Quando tem roupa para lavar, já coloca na máquina e volta para o fogão.

O cardápio costuma ser o mesmo: arroz, feijão e carne com batata. “Adoro batata, gosto de alface e não tenho preguiça de fazer”, responde categoricamente. Sinésio acrescenta que é o próprio Martiniano que prepara os temperos e cozinha muito bem.

“Sempre gostei de cozinhar, quando eu tinha esposa eu não cozinhava, mas quando ela adoeceu eu tive que começar.” Segundo Sinésio, os 15 anos que passou cuidando de Manuelina foram essenciais para a autonomia de Martiniano.

Cinco anos atrás ainda era o próprio Martiniano que cortava as lenhas usadas para cozinhar. O neto trocou o machado por uma máquina de corte, mas decidiram aposentar o avô da função devido a baixa visão que tem em um dos olhos. Hoje quem faz é Antônio | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

A avó de Sinésio ajudava o marido em tudo, até falecer. Mas sempre foi muito exigente e mantinha a casa e o esposo agitados. “Nos últimos 15 anos ela precisou muito dele.”

Depois de servir o almoço, Martiniano limpa a louça e vai descansar. Quando precisa, vai na verdureira, no mercado e na farmácia. “Mas não vai com muita frequência para preservar”, explica Sinésio. A rotina de Martiniano mudou depois do início da pandemia.

Mais em casa, Martiniano se dedica a cuidar da horta, onde planta alho São Paulo (como a família chama o alho-poró), cebolinha, canela, erva-doce, hortelã, açafrão e urucu. Com as plantas, ele prepara as refeições, extrai o açafrão e o famoso colorau.

Além dos temperos que usa todos os dias, ele planta medicamentos como boldo e canela| Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Colorau e açafrão natural

Já é tradição. Uma vez por ano as sementes de urucu ficam no ponto ideal para a preparação do colorau. Martiniano não se lembra quando começou, mas aprendeu a receita com o pai, em Minas Gerais, quando era pequeno.

Na mão direta ele segura um pote do açafrão, utilizado todos os dias na preparação do arroz; na esquerda, mostra o colorau | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Primeiro, é preciso retirar as sementes de dentro do fruto. Ele explica que coloca uma panela no fogo e deixa o óleo esquentar bastante. Quando está quente o suficiente, tira a panela do fogão e joga as sementes. Depois disso, as sementes vão para o pilão junto com a farinha de fubá para serem “pisadas”.

O produto natural é armazenado em potes de conserva que Martiniano vende para quem passar na frente da casa e se interessar pela placa pendurada no portão. “Esses dias veio um cara de São Paulo e levou seis vidros”, conta Antônio.

Os vidros do colorau ficam guardados em uma pequena casa de madeira nos fundos do terreno | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

“Carne sem colorau? não pode”, ressalta Martiniano. Além do pó vermelho, ingrediente inegociável na rotina da casa, o açafrão também é tempero garantido nas refeições há gerações.

Extraído de forma natural, Antônio confessa que o “açafrão dá muito trabalho para tirar”. O neto é quem ajuda Martiniano no preparo do pó saboroso e forte. “Isso aí é um antibiótico poderoso”, reforça, “não tem inflamação que não saia”, complementa.

Martiniano tem dois pilões, um para pisar o colorau (na imagem) e outro para o açafrão | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Receita da longevidade

Há apenas oito anos Martiniano começou a tomar algum tipo de medicação. O remédio serve para tratar a pressão, que apresentou desequilíbrio. Embora afirme não saber do segredo para viver tanto e de forma ativa, o centenário acredita que não beber e não fumar ajuda.

“Ele é vaidoso”, Sinésio cochicha de canto. A aliança não sai do dedo mesmo após a morte de Manuelina; já o anel de pedras ele comprou na época dos reis | Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

“Quando eu tinha 25 (anos) eu bebi lá em Minas”, mas a prática cessou assim que saiu do estado natal.

Os netos contam que a família do avô tem característica de ser resistente. O pai de Martiniano morreu aos 110 anos, umas das irmãs aos 107. Todos ativos e lúcidos até o último minuto. Sinésio conta que Martiniano tem uma irmã de 99 anos lúcida e até mais ativa que o avô.

Além da energia, Martiniano tem uma pele macia e firme. “Ele não tem pele caída, acho que é genética”, acredita Sinésio e mostra o abdômen do avô, que se diverte mostrando a pele reta e com aparência hidratada.

Ao ser questionado sobre os cuidados com a aparência, Martiniano cai na gargalhada. “O que eu faço? Comprei aquele creme de 70 cruzeiros, mas já acabou não tem mais nada”.

Homenageado em Joinville

Do interior do Brasil, a família do centenário tem origem humilde. Martiniano não frequentou a escola. “Meu pai não me deu leitura”, explica. Ele sabe apenas assinar o próprio nome.

Desde pequeno trabalhou na roça. “No tempo que não tinha caminhão, eu fui tropeiro, quando apareceu caminhão, acabou a burrada”, se diverte com a lembrança.

Foi ferreiro, seleiro, açougueiro e comerciante. “Já cerrei madeira, que ficava um (trabalhador) em cima e outro embaixo.” Sinésio interrompe para acrescentar. “Ele costura muito bem”, elogia o neto.

Quando moravam em Rondônia, era preciso caminhar 65 km para trabalhar em uma fazenda. É o que conta Antônio, que na época já acompanhava o avô no trabalho.

Martiniano criou Antônio, de 54 anos, e Sinésio, 47. Até hoje, são as pessoas mais presentes na vida do avô. A convivência gerou admiração profunda dos dois. “Ele é uma pessoa extraordinária”, diz Sinésio.

Esse encantamento também é sentido pelas pessoas do bairro e reconhecido pelo município. Na quarta-feira, 14 , Martiniano foi homenageado na Câmara de Vereadores com uma menção honrosa por ser um dos moradores mais idosos da cidade, em especial do bairro Jardim Paraíso.

Após um sorriso de como quem acha graça da pergunta, ele responde sobre a homenagem, “achei bom” e engata em um riso. | Foto: Mauro Schlick /Câmara de Vereadores de Joinville

A homenagem foi proposta pelo vereador Pastor Ascendino Batista (PSD). Segundo o vereador, Martiniano é admirado na família e na comunidade por ser uma pessoa ativa e realizar todas as tarefas diárias sozinho.

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