Conheça Irma Kniess, cidadã honorária de Joinville que luta em defesa dos direitos humanos
Irma deixou a congregação e veio a Joinville na década de 80
Irma deixou a congregação e veio a Joinville na década de 80
“O reino não é isso, é outra coisa”, foi com essa reflexão que Irma Kniess resolveu deixar o hábito que vestia como freira e passou a seguir outro ensinamento religioso: servir aos mais pobres. Hoje, aos 80 anos, faz parte da diretoria do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz (CDH) e atua, principalmente, em defesa da moradia, mulheres e imigrantes.
Nascida em Timbó, no Vale do Itajaí, Irma veio a Joinville na década de 80, quando foi morar no bairro Boa Vista, na mesma casa que vive até hoje. Religiosa, começou a frequentar a Paróquia Nossa Senhora Imaculada Conceição, que tinha como padre Monsenhor Boleslau.
Vivendo ali, se aproximou dos moradores locais. Muitos, vindos de outras cidades para trabalhar nas indústrias, precisaram ocupar terrenos em meio ao mangue. Outros, chegavam a comprar lotes, mas que estavam irregulares.
Como viviam a tensão de um possível despejo, a comunidade da paróquia passou a integrar a luta comunitária em defesa da moradia daquelas pessoas, o que incluiu dona Irma. “Monsenhor estava sempre com os mais pobres”, lembra.
Foi por conta das reivindicações da população local que o poder público resolveu aterrar os lotes, localizados entre as ruas Limeira e Desembargador Tavares Sobrinho. Neste meio tempo de obras, quem abrigou os moradores do local foi a comunidade da igreja.
Então, as casas construídas em trapiches e palafitas em meio ao manguezal do Boa Vista deram lugar a estruturas mais fortes e uma vida um pouco mais digna àquele povo. Irma destaca que a conquista precisou de luta árdua e muita reivindicação para garantir o direito de moradia aos trabalhadores.
Hoje, ela lembra com carinho daquele período e ri ao lembrar dos encontros com a comunidade. Para Irma, apesar das dificuldades, o povo era mais unido e solidário, coisas que sente na sociedade atual.
“Hoje, se pensa só em si. Naquele tempo, a Igreja estava junto, os movimentos sociais, em defesa de todos”, recorda. “A juventude tem que pensar no outro, se não, vamos perecer. As pessoas morrem por falta de comida”, opina.
Por isso, continua atuante em defesa dos direitos dos mais pobres. “Prometi para Deus que ia continuar até ter saúde”, conta. Parte da diretoria do CDH, continua visitando ocupações, ouvindo os moradores e lutando pelo direito à moradia. Também participa de reuniões para garantir direitos às mulheres e imigrantes, além de encontrar espaço na agenda para ir às missas.
Por conta de sua disposição, Irma é admirada. Chegou a receber o título de Cidadã Honorária da Câmara de Vereadores de Joinville, em 2011, e é homenageada, sempre que possível, por seus amigos e companheiros de estrada.
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Dedicar a vida ao reino dos céus nem sempre foi o sonho de Irma. Ela conta que na infância, desejava ter filhos, marido e uma família. Por conta da morte do pai, quando tinha seis anos, e da família pobre, foi morar com uma senhora, que a ensinou a costurar e cozinhar.
Por volta dos 15 anos, voltou para casa, momento em que viu uma das irmãs virar freira. Com a vontade de estudar e ter uma vida com mais oportunidades, passou a almejar seguir o mesmo caminho.
Com a memória falha para datas, acredita que tivesse cerca de 20 anos quando ouviu do irmão: “melhor ir, se não vai ficar muito velha”, ri Irma. Assim, foi morar em um convento na cidade de Lages, na Serra Catarinense.
Cerca de dois anos depois fez seus votos. Depois de se tornar noviça, foi para Porto Alegre e Pelotas, cidades onde trabalhou como cozinheira, costureira e cuidadora dentro de conventos locais.
Foi como mulher religiosa que Irma se mudou para uma comunidade carente em Pelotas, após ser incentivada por outra irmã. Na época, tinha o objetivo de participar das missões, trabalho voluntário religioso.
Lá, esteve em contato mulheres em situação de vulnerabilidade, a quem ensinou a costurar, datilografar e pintar, a fim de que elas conseguissem trabalho. Em conversas, essas mulheres desabafavam sobre suas dores, violências sofridas e a pobreza. “Não tinham o que por na panela para alimentar os filhos”, lembra.
Refletindo sobre a realidade dos mais pobres e sua própria fé, Irma percebeu que, sua vontade de servir ao reino dos céus poderia ser feita na congregação, mas que talvez, em outros lugares, precisassem mais dela.
Por isso, com pouco mais de 30 anos, Irma deixou o hábito e o convento, mas só em teoria, já que na prática, nunca renunciou seus votos e segue com fé na missão que assumiu ainda na juventude: lutar em defesa do povo pobre.