Conheça seis mulheres de Joinville que romperam barreiras e ocupam lugares de destaque
Rejane, Cláudia, Regina, Maria de Lourdes e Cynthia se destacam em carreiras que já foram consideradas masculinas
Olhares desconfiados e salários desiguais fazem parte da rotina de muitas mulheres que decidem desafiar o óbvio e se destacam em carreiras historicamente consideradas masculinas. Nas últimas décadas, porém, é cada vez maior a presença feminina em posições chaves na sociedade.
No dia internacional da mulher, O Município Joinville traz a história de seis joinvilenses que quebraram barreiras e preconceitos para chegar onde estão.
Dupla jornada
Rejane Gambin (Novo), vice-prefeita de Joinville, entrou para a história da cidade após ser a primeira mulher, em 170 anos, a ocupar o cargo no executivo municipal. Ela é um exemplo de mulher que divide sua rotina entre as demandas da prefeitura e os trabalhos de casa.
“O fardo da mulher é muito puxado, e eu também vivo isso. Quando chego em casa, eu preciso lavar roupa, ir ao supermercado. No dia seguinte, cedo, preciso estar na prefeitura”, conta a vice-prefeita.
“O fardo da mulher é muito puxado”
Aos 53 anos de idade, Rejane se sente escrevendo um novo capítulo da história. Com exemplos de força feminina desde a infância, é a mãe que cita como modelo de determinação para dar conta das lutas do dia a dia.
“Às vezes passa um grupo de homens que me olha com olhar deslocado. É habitual os homens ficarem de costas para as mulheres, demora cair na caixinha deles que é uma mulher ali no cargo, afinal é uma mudança de padrão. Mas mostro meu trabalho e este olhar muda rapidamente”, afirma.
Rejane diz que é muito comum, no Brasil, ver o prefeito mais atuante e o vice ficar mais à sombra. No entanto, quando se juntou a Adriano Silva (Novo), seu principal propósito foi ser seu braço direito e também quebrar este paradigma.
“Nós trabalhamos sempre juntos. Quando não estamos no mesmo lugar é porque nos multiplicamos para dividir as tarefas. Não estou aqui só para cumprir tabela. E as mulheres se sentem representadas. Todos os dias, recebo no meu gabinete mensagens emocionadas. Estou carregando essas mulheres junto comigo, sou igual a elas. Tendo perseverança, podemos chegar onde quisermos”, pontua Rejane.
Delegada e mãe
A delegada Cláudia Gonçalves de Lima Gonzaga, 34, divide sua rotina de plantões, apreensões e batidas policiais junto aos cuidados com as filhas, ainda bebês. Para ela, o mais desafiador é dar conta de todas as funções e executá-las sempre com destreza.
“Já tive que deixar as minhas filhas com pessoas que eu nem conhecia direito, babás que eu conseguia em cima da hora. Não recomendo pra ninguém, mas eu precisava me submeter àquilo. Também já trouxe elas para o trabalho. Isso são coisas que não acontecem com homens, eles se desvinculam mais facilmente. Há pais que assumem a responsabilidade, mas mais raramente”, afirma.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), junto às tarefas domésticas, cuidados com os filhos e rotina de trabalho remunerado, as profissionais trabalham, semanalmente, cinco horas a mais.
“Querem uma mãe nota 10 e uma profissional nota 10. Às vezes me sinto sufocada”, conclui.
Há cerca de um ano à frente da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami) de Joinville, Cláudia afirma, seguramente, que já sofreu machismo no decorrer da carreira.
“Foi uma questão pontual, mas em uma das cidades que passei, estava com problema de deslocamento no trabalho por conta de uma situação familiar e um colega de trabalho foi agressivo na fala, e eu revidei. Não deveria, era uma pessoa mais experiente e viveu em outro contexto. Eu poderia ter sido mais didática e paciente, ter me colocado em outra posição, não a de confronto”, reflete.
Ela reconhece, contudo, que o cargo que ocupa a blinda de passar por situações de preconceito. Cláudia diz que ser mulher e atuar na Dpcami é um facilitador no atendimento das ocorrências. Em meio ao ambiente conturbado, que lida com questões problemáticas, há mulheres que, sem outra opção, levam os filhos quando vão prestar declarações. A delegada diz que uma de suas tarefas é tornar o local acolhedor.
“Muitos homens veem esta delegacia como uma perfumaria, como se enxugássemos gelo. Eu sei como é sair de um relacionamento abusivo. Entendo as circunstâncias. Isso facilita na hora de entendê-las e, dentro dos recursos que temos, viabilizar que elas tenham o melhor atendimento possível e que as questões delas sejam resolvidas”, pontua.
“Eu sei como é sair de um relacionamento abusivo. Entendo as circunstâncias”
Preconceito racial e de gênero
Natural de Curitiba, Vanessa da Rosa, 48, e dois irmãos foram criados pela mãe após a morte do pai, vítima de uma úlcera hemorrágica. Sustentados com o salário da mãe que trabalhava meio período como professora, a família passou por dificuldades.
Atualmente trabalhando como professora municipal e universitária, Vanessa é mestre em educação e especialista em história da arte e em Educação de Jovens e Adultos (EJA). Mas, apesar do vasto currículo, o caminho trilhado até a formação não foi fácil.
“Trabalhei muito para conseguir pagar a faculdade de pedagogia, a que dava para pagar na época. Trabalhava o dia inteiro, ia para faculdade à noite e pagava aluguel. Comia bolacha no almoço para guardar dinheiro para mensalidade”, relembra.
Em 2012, no governo Carlito Merss (PT), Vanessa rompeu padrões e ficou à frente da Secretaria de Educação de Joinville. Ela define o período como “muito desafiador”.
“Atuar como secretária da maior rede de ensino do estado, de uma cidade conservadora, de tradições germânicas não foi fácil. Não foram poucas as vezes em que fui a eventos e, ao chegar, ninguém me reconhecia como secretária. Tinha que mostrar o cartão institucional para dizer porque eu estava ali, afinal, esse não é o lugar que a sociedade está acostumada a ver mulheres negras. Causava muito espanto”, relata a educadora.
Vanessa afirma que, por ser negra e mulher, a cobrança por resultados e a intolerância diante a falhas era muito maior. “Era provar que tinha competência todos os dias. Mas foi a partir do meu conhecimento sobre educação que pude demonstrar que tinha competência, que sabia do que estava falando. Assim, fui conquistando meu espaço”, reconhece.
“Quando alguém vê uma mulher negra trabalhando na área da limpeza, não se espanta. Mas quando a vê como professora universitária, por exemplo, entram na sala de aula perguntando onde está a professora”
A educadora diz que o racismo é estrutural e institucional. Para combater a prática, aposta em políticas públicas e ações afirmativas que permitam maior participação de negros e negras nos diferentes espaços da sociedade.
“Quando alguém vê uma mulher negra trabalhando na área da limpeza, não se espanta. Mas quando a vê como professora universitária, por exemplo, entram na sala de aula perguntando onde está a professora, como muitas vezes aconteceu e acontece comigo até hoje. Discutir sobre esses assuntos contribui com a construção da uma sociedade menos intolerante e mais igualitária”, conclui.
Mulheres empreendedoras
Com uma carreira consolidada na área executiva, Regina Célia Zimmermann da Fonseca, 51, é formada em engenharia química e atua há 28 anos em empresa. Há 14, exerce a função de diretora industrial de operações, onde é responsável por seis indústrias fabris.
No Brasil, a porcentagem de mulheres que ocupam cargos de liderança em empresas vem crescendo. Atualmente, o número é de 34%, de acordo com pesquisa do International Business Report da Grant Thornton.
A cientista social Fernanda Paula do Nascimento aponta que, historicamente, o espaço de atuação feminina esteve diretamente relacionado à família e aos trabalhos domésticos, já para os homens, sempre houve um mundo de possibilidades e acessos voltados para o espaço público.
“Ainda que tenhamos alcançado a chamada inserção da mulher no mercado de trabalho — de maneira precária — percebemos gritantes diferenças salariais, atitudes discriminatórias, assédios e desvalorização. O cenário de desvalorização do trabalho da mulher ainda permanece enquanto obstáculo a ser superado”, afirma.
Para a cientista social, a igualdade no mercado de trabalho é algo palpável, mas ainda há muito a ser discutido.
Desafios dentro de casa
Para Regina, o machismo começa dentro de casa e ainda levará algumas décadas para ser superado. Na década de 1980, quando anunciou aos pais que faria engenharia, sentiu certo espanto e preocupação por parte da família.
“Na época, por ser um curso com mais homens, ouvia piadas na faculdade. No começo da carreira, na diretoria industrial, eu era a única mulher no meio de vários homens e percebia que tinha que fazer muito mais que meus colegas para ser vista como igual, para continuar sentada na mesma mesa”, conta.
“No começo da carreira, na diretoria industrial, eu era a única mulher no meio de vários homens e percebia que tinha que fazer muito mais que meus colegas para ser vista como igual”
A engenheira também faz parte do núcleo de mulheres empreendedoras da Acij e escreveu um capítulo do livro “Empreendedora de alta performance em SC”, onde relata suas experiências na área. Para ela, o machismo ainda existe, mas se apresenta de forma velada.
“Hoje não têm coragem de dizer, mas o machismo acontece quando esquecem de te convidar para um evento, em forma de sabotagem, provocação da capacidade. Mas nunca deixei me abater, nunca precisei mudar minha personalidade e meu jeito de ser para conquistar algo”, diz.
Lideranças no direito
Apesar da luta por direitos, o campo da advocacia também registra casos de preconceito de gênero. Maria de Lourdes Bello Zimath, presidente da OAB Joinville, conta que já foi alvo de discriminação.
“Lembro de um episódio em que eu defendia a mulher em uma ação de divórcio. E o meu colega, que defendia a parte contrária, propôs, de forma intimidativa, que todos os bens do casal permanecessem sob a gestão do marido, uma vez que a ‘mulher não teria capacidade para fazê-lo’. Minha reação foi de poucas palavras. Segui na trajetória da minha missão, escolhendo a dedo as alternativas processuais cabíveis. E vencemos”, lembra.
“É possível, sim, viver numa sociedade sem preconceito, numa sociedade solidária, que não haja exclusão” – Cynthia Pinto da Luz
Cynthia Pinto da Luz, advogada e presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Santa Catarina, aponta que, durante a pandemia, houve alta no índice de feminicídio e violência contra a mulher. E, apesar do avanço tecnológico, este tipo de preconceito ainda não foi revertido.
“O sentimento de posse e comando está estabelecido nas relações domésticas. O machismo está intrínseco na nossa sociedade. Há nuances que dificultam o monitoramento disso, como a completa omissão do poder público em todas as suas instâncias para lidar com esta agenda do movimento de mulheres, que é antiga e não recebe a atenção que deveria”, dispara.
“À uma atitude machista, nada melhor do que uma atitude feminista” – maria de lourdes zimath
Maria de Lourdes acredita que a maioria das mulheres já sofreram com machismo, em qualquer estágio da vida. Muitas vezes, o preconceito vai além e se traduz em forma de violência e morte. Para lidar com o problema, aposta em diálogo e condutas didáticas. “À uma atitude machista, nada melhor do que uma atitude feminista”.
Já Cynthia, apesar de ouvir e conviver com histórias de exclusão e violência, no Centro de Direitos Humanos Maria Graça Braz, de Joinville, tem esperança no amanhã.
“É necessário que a gente abra os olhos, pois é possível, sim, viver numa sociedade sem preconceito, numa sociedade solidária, que não haja exclusão e onde as pessoas tenham todos os seus direitos atendidos, como diz a Constituição brasileira”, finaliza.
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