Covid-19: a rotina dos caminhoneiros que não pararam em meio à pandemia
No Dia do Trabalhador, reportagem traz a história de profissionais de Joinville que cruzam rodovias para garantir o abastecimento de produtos essenciais
No Dia do Trabalhador, reportagem traz a história de profissionais de Joinville que cruzam rodovias para garantir o abastecimento de produtos essenciais
A pandemia de coronavírus fez com que muitos profissionais reduzissem suas jornadas de trabalho, entrassem em férias coletivas ou, simplesmente, ficassem em isolamento social para evitar a disseminação do vírus. Mesmo neste cenário, há trabalhadores que precisam se expor aos riscos para que locais que fornecem serviços essenciais, como farmácias e supermercados, continuem abastecidos para atender a população.
Todas as noites, a bordo de seu caminhão-baú, Claudenir Cardoso, 50 anos, sai de Joinville e atravessa as madrugadas para fazer o transporte de medicamentos de Florianópolis e Blumenau para um depósito na cidade. Lá, os remédios são coletados por veículos menores e distribuídos entre hospitais e farmácias do município.
“Eu e minha esposa, que trabalha em supermercado, não paramos desde que começou a se noticiar sobre este vírus. Nosso serviço é essencial para a população”, afirma.
Para evitar o contágio da doença, Cardoso, que tem três filhos menores — de 17, 10 e 9 anos —, segue as recomendações do Ministério da Saúde, que exigem cuidados redobrados com a higiene, além do uso de máscaras e álcool em gel. Com as escolas fechadas há mais de dois meses e os meninos em casa, ele conta que o filho mais velho tem dado auxílio com os menores para que o casal possa continuar trabalhando.
“Fiquei mais de 30 dias sem ver a minha mãe também, como forma de prevenção. Ela tem 90 anos e faz parte do grupo de risco. A saudade era grande, mas ficamos nos falando apenas por telefone”, conta. A poucos dias, Cardoso voltou a visitar a mãe, mas mantém a distância exigida pelas autoridades de saúde.
O caminhoneiro conta que, no início da pandemia, não imaginava que a situação chegasse a um ponto tão crítico. Ele, que trabalha há 12 anos com transporte de cargas, e já transportou alimentos, entende a importância do serviço prestado pela categoria e diz nunca ter passado por um momento pandêmico como o atual.
“Tenho colegas de profissão que tiveram de parar. Mas, nós, que trabalhamos com medicamentos, não podemos parar. Jamais cogitei a ideia”, diz.
Mesmo em meio ao cenário de medo e caos gerado pela pandemia, Cardoso enxerga um ponto positivo neste período. Segundo ele, após o surto, muitas pessoas passaram a valorizar a profissão de quem vive nas estradas.
O caminhoneiro comenta que, quando tudo começou, os caminhoneiros ficaram sem apoio. Com borracharias e restaurantes fechados, tinham de se virar com a manutenção dos caminhões e com a alimentação. Agora, com pontos de apoio distribuídos pelas rodovias, Cardoso vê certo reconhecimento com os motoristas.
“O pessoal percebeu que a maioria dos produtos precisa ser transportado por caminhoneiros. Se, por exemplo, parasse quem transporta alimentos e medicamentos, o que seria do país? ”, questiona.
Elvis Toni Lorenceti, 57, voltou para casa, no bairro Paranaguamirim, há cerca de um mês. Por medo da possibilidade de infecção e para preservar a família, ficou 15 dias parado esperando por carga em Recife, capital do estado de Pernambuco. Para manter os cuidados de higiene, utilizava banheiros de postos de gasolina que encontrava pelo caminho, mas nem sempre os locais estavam em boas condições de uso.
“Já me deparei com banheiros sujos, pia vazando e chuveiros apenas com água fria. Esta é a realidade de quem vive nas estradas, que poucos conhecem”, afirma.
Além disso, Lorenceti conta que nem todos os serviços oferecidos são gratuitos. Há locais, mesmo que precários, em que é preciso pagar o banho e o estacionamento para o veículo. “Pagamos de R$ 30 a R$ 50 para tomar banho e poder estacionar. Raros os lugares que oferecem boa infraestrutura e são gratuitos”.
O filho de Lorenceti, Everton Elvis, 28, herdou do pai o gosto pela boleia e o acompanhou nos últimos meses em algumas viagens transportando cargas por Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. Ainda na dúvida de voltar para casa, com a esposa grávida de nove meses, Everton ainda não sabe se poderá acompanhar o parto do segundo filho, Heitor.
“Meu filho passou alguns dias em casa e foi de novo para Fortaleza. Agora, não tem data para retornar. Nossa vida é assim, vivemos entre saudades e incertezas”, conta Toni Lorenceti.
O caminhoneiro conseguiu voltar a tempo para esperar o nascimento do neto, mas, com esses dias parado, diz que a renda da família já está sendo afetada. Quando estava a bordo do seu caminhão, pela TV de 24 polegadas instalada no painel, acompanhava rotineiramente as notícias sobre o vírus e via constantes avisos de “fique em casa”.
Agora, que está em casa, mesmo sabendo o que a doença está causando no país, como tem três dependentes de sua renda — a esposa, uma filha de 18 anos que perdeu o emprego durante a pandemia e outro filho que mora com o casal —, não vê a hora de retornar para o volante.
“Não estamos passando necessidades, pois meu patrão tem ajudado. Mas a renda caiu em 40%. Não fosse ele, estaríamos em uma situação pior”, afirma.
O caminhoneiro conta que, pelo caminho, encontrou muitas pessoas pedindo ajuda e tantas outras ajudando. Para ele, o período serviu para que o sentimento de solidariedade fosse resgatado. Mas, acredita que, se a situação perdurar por mais tempo, com desemprego aumentando, “gente honesta vai se obrigar a roubar”.
Com 38 anos de profissão, Lorenceti já transportou os mais variados produtos. Hoje em dia, faz carga de móveis, fraldas, papel higiênico e itens do gênero. Para os próximos dias, aguarda ser chamado para carregar o caminhão e seguir novamente para a região Nordeste do país, pois, para ele, além da profissão ser essencial para o abastecimento da economia, tem ajudado muitas famílias neste período de pandemia.
“Do mais pobre ao mais luxuoso, tudo vem dentro do caminhão. Gosto de ajudar e a minha profissão ajuda. Se parar o caminhão, para também a nação.”