+

Cresce em SC procura pelo Canabidiol, medicamento extraído da planta da maconha

Associação catarinense já auxiliou 200 pacientes em um ano. Uma delas é uma idosa de Jaraguá do Sul com Alzheimer

Cresce em SC procura pelo Canabidiol, medicamento extraído da planta da maconha

Associação catarinense já auxiliou 200 pacientes em um ano. Uma delas é uma idosa de Jaraguá do Sul com Alzheimer

Fernanda Silva

Há pelo menos seis anos, a rotina da dona de casa Alma Fachini Doring, 77 anos, passou a  contar com falta de memória, frases desconexas, irritabilidade, emagrecimento e dificuldade para se manter em pé sozinha. Aos 71, a moradora de Jaraguá do Sul descobriu que tinha Alzheimer.

A filha Kátia Doring, 47, vem acompanhando a mãe nas diversas tentativas de fazer a doença regredir. Alma já não lembrava bem das palavras, nem das pessoas e passou por um período acamada. Chegou a pesar 39 quilos.

“Quando dão o diagnóstico a família costuma se acomodar, tratar e ponto final. Quis procurar outras possibilidades”, conta Kátia. Foi ela quem descobriu o Canabidiol, o óleo extraído da flor da Cannabis, popularmente conhecida como planta da maconha, como um possível tratamento para a doença da mãe. 

Alma não conseguia sentar-se sem algum tipo de apoio. Foto: Arquivo pessoal

A família de Jaraguá do Sul teve acesso ao medicamento e consultas médicas quando conheceu a Associação Santa Cannabis pela internet, que disponibiliza assessoria jurídica e técnica, além de prestar serviços educacionais sobre o medicamento, cultivo e afins. A cada seis meses, a família vai até Florianópolis para fazer o acompanhamento médico. Lá, Alma recebe a prescrição e pega o medicamento, que dura cerca de um semestre.

Primeiros sinais

Kátia diz que a mãe passou por um período em que só podia ficar na cama e outro em que não conseguia se sentar ou caminhar sem apoio. Por não poder andar e se comunicar direito, ficava brava, irritada e jogava as coisas no chão, lembra Kátia. Apesar de tentar diversos tratamentos, nenhum aliviava os sintomas da doença. 

Foi quando passou a fazer pesquisas na internet sobre tratamentos alternativos. Há um ano, Alma incluiu as gotas do Canabidiol em sua rotina, somando vitaminas e o Exelon, medicamento indicado para Alzheimer. A filha afirma ver inúmeras diferenças na mãe.

“após quatro meses com a medicação, ela começou a engordar e passou a se alimentar mais e melhor. Ela estava com 39 quilos, agora já tem 44”, comemora a filha.

Para elas, cada avanço no quadro da doença é uma melhora significativa. Hoje, Alma consegue caminhar sozinha, por exemplo. A filha ainda acompanha a mãe nas caminhadas, “mas é por cuidado e segurança”, explica.

As palavras também voltaram a ser lembradas por Alma. Kátia conta que hoje a mãe pode fazer um discurso e fala muitas coisas, mesmo que algumas palavras ainda fiquem embaralhadas, por conta da doença. 

Atualmente, Alma e a filha Kátia, após o ganho de peso da mãe. Foto: Arquivo Pessoal

O óleo extraído da flor da Cannabis pode ser utilizado para o controle de sintomas de doenças como Alzheimer, Parkinson, autismo, esclerose múltipla, fibromialgia, síndrome de Tourette, insônia, ansiedade, depressão e doenças crônicas, defende Lyrion Matheus da Silva, 25, porta-voz da Santa Cannabis.

O que a ciência sabe

A farmacêutica e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Maique Biavatti explica que o corpo possui receptores para diversas substâncias, inclusive para os canabinóides, extraídos da planta Cannabis, e que são recebidos por um sistema chamado endocanabinóide. 

Até hoje, os estudos mostram que existem dois receptores para os canabinóides, conta Maique. O tipo 1, no sistema nervoso central, tem mais facilidade de receber o THC e age em questões como humor e relaxamento.

Já o tipo 2 está em outras partes do corpo e recebe melhor a substância do Canabidiol, sendo mais utilizados em casos de epilepsia ou dores neuropáticas. A farmacêutica reforça que ambos os canabinóides extraídos da planta Cannabis não causam nenhum tipo de alucinação.

Vidro com o óleo de Canabidiol utilizado por Alma. Foto: Arquivo pessoal

Proibição dificulta pesquisa

Segundo a farmacêutica, o fato da planta ser ilegal no Brasil pode prejudicar o estudo científico. Isso porque muitos pacientes acabam recorrendo a vendedores ilegais com medicações que não passam por um controle de qualidade e não possuem garantia da quantidade correta de cada substância.

“Essa informação [da eficácia em tratamentos], no universo científico, ainda não está totalmente sistematizada. Então ainda não tem uma certeza científica. O que existe são os relatos”, comenta Maique.

Ela completa dizendo que muitos não sabem exatamente o que estão tomando. “O ‘cara’ não fala exatamente o que ele vendeu, não tem como garantir oficialmente porque é tudo feito de forma clandestina, o quanto de canabidiol tem no produto dele”. Isso porque a Cannabis possui mais de 70 substâncias diferentes, todas chamadas de canabinoides, entre elas o próprio Canabidiol e o THC. 

A Santa Cannabis, por exemplo, só atendem pacientes com prescrição médica, explica o porta-voz da associação, pois entendem que ao contrário seria automedicação. “Isso a gente não concorda, é algo que precisa de ciência, de pesquisa, de conhecimento e que precisa de uma assessoria profissional de um especialista”, conta.

Apesar disso, o voluntário comenta que a importação é cara, então alguns pacientes acabam recorrendo ao mercado ilegal, que não garante procedência correta da fórmula.

Canabidiol na justiça

No Brasil, o cultivo da erva é ilegal, porém alguns pacientes conseguem na justiça o direito ao plantio e extração para uso medicinal. Segundo a Santa Cannabis, no momento, 61 habeas corpus para esse tipo de autorização correm na justiça brasileira. 

Outra opção é a importação. Em um ano de atendimento, a Santa Cannabis já auxilia 200 pacientes, 69% deles de Santa Catarina, incluindo Alma.

O formato da medicação varia, explica Silva. O Canabidiol pode ser utilizado em gotas ou como pomada, no caso de doenças de pele como queimaduras e psoríase. Na fórmula também há a substância THC, citada por Maique.

No autismo, por exemplo, muitos pacientes têm epilepsia, conta o voluntário, que defende que o Canabidiol é uma ótima opção.

Alto custo

O valor para importar a medicação pode chegar a R$ 2 mil e os trâmites são demorados. Atualmente, a Santa Cannabis está na justiça para conquistar a autorização do cultivo coletivo.

A Abrace Esperança, da Paraíba, parceira da associação catarinense, já conseguiu a autorização legal para o cultivo coletivo e possui cerca de três mil pacientes e mais outros seis mil em espera, conta Silva.

O procedimento para importar consiste em autorização da Anvisa, passagem pela alfândega, comprovação de documentos e receita médica. Segundo o voluntário, isso pode levar cerca de quatro meses.

“A importação, por mais que a pessoa tenha condições financeiras, ainda faz o paciente perder muito tempo”, se queixa.

Enquanto a autorização não é concedida, a associação auxilia os pacientes na procura pelo produto, trazido principalmente dos Estados Unidos.

Em dezembro de 2019, a Anvisa simplificou e expandiu as opções de importação. Agora, o medicamento pode ser comprado em Portugal, Itália, e trazido ao Brasil com um pouco mais de facilidade.

Colabore com o município
Envie sua sugestão de pauta, informação ou denúncia para Redação colabore-municipio
Artigo anterior
Próximo artigo