Dia da Consciência Negra: “Nós também respiramos e temos espaço”, diz Elizeu Ferreira, do JEC

Ele é um dos poucos profissionais negros a ocupar cargo de treinador no futebol brasileiro

Dia da Consciência Negra: “Nós também respiramos e temos espaço”, diz Elizeu Ferreira, do JEC

Ele é um dos poucos profissionais negros a ocupar cargo de treinador no futebol brasileiro

Lucas Koehler

Atual auxiliar-técnico do Joinville, Elizeu Ferreira ocupa um espaço que ainda é para poucos no Brasil: ser negro e treinador de futebol. Neste ano, ele chegou a treinar, inclusive, a equipe principal do JEC durante a Copa Santa Catarina. Com foco em capacitação permanente, o ex-jogador deseja ser uma referência na área e defende vencer o racismo através de estratégias, não pela violência.

Elizeu explica que lida com acontecimentos racistas de forma “natural”. Isso porque ele lembra que o tema está presente na sua vida desde a infância. Nascido em Parelheiros, bairro da periferia de São Paulo (SP), ele conta que, quando criança, era chamado de “negão” e “macaquinho” pelos amigos. “Entedia como brincadeira, mas existe o lado da maldade, pessoas usam isso para te ofender, humilhar, e que o negro deve estar sempre por baixo”, lamenta.

O ex-jogador se revolta quando pessoas querem “pisar e humilhar o próximo”, não compreendendo o porquê dos atos racistas, como jogar bananas em campo para atingir jogadores negros. “Fico triste quando alguém pensa que o mundo é feito só para ela. É egoísmo, soberba e falta de sabedoria”, reflete.

Apesar de não sofrer com o racismo explícito durante a carreira profissional, Elizeu compartilha que teve receios em trabalhar em regiões específicas, como em Joinville, Criciúma, ambas cidades de Santa Catarina, e no Japão. “Um estado e país com a maioria da população branca. Existe uma desconfiança de como vão te receber”, conta.

“Não podemos ter complexo de inferioridade”

Exaltando a importância de negros ocupando cargos relevantes e de gerência, ele cita que o maior exemplo é Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos. “A maior potência do mundo. Mostra, para nós, negros, aonde podemos chegar”, opina.

Elizeu também cita exemplos como o de Marcão, técnico do Fluminense, e Hemerson Maria, treinador campeão da Série B pelo JEC, em 2014. “São profissionais vencedores. Nós, negros, precisamos focar nossos olhos e corações nisso”, complementa.

O comandante do tricolor carioca, ao lado de Roger Machado, foram os únicos negros a ocupar o cargo de técnico entre os 20 clubes da primeira divisão do futebol brasileiro.

Técnicos Róger Machado (à esq.) e Marcão (à dir.) vestem camisa do Observatório da Discriminação Racial no Futebol | Foto: Thiago Ribeiro/AGIF/CBF

Para ele, a população negra precisa ter consciência dos desafios e dificuldades, porém, defende que o racismo não tome conta das pessoas e nem defina os cidadãos. “Não podemos ter complexo de inferioridade. Você precisa estudar e estar apto para conquistar os objetivos”, crava.

Leia também: “Foi colocado um padrão no país em que o branco é o chefe e o negro é serviçal”, afirma Hemerson Maria

O profissional ainda ressalta que os negros não podem se esconder por causa do racismo. “Se chega na faculdade e alguém te olhou torto, continua frequentando, aja com amor e diga: você veio estudar e eu também. O que é seu direito também é meu e acabou”, define.

20 de Novembro: mobilização para destacar cultura negra

O auxiliar-técnico do JEC diz que tem um “sentimento gostoso” pelo Dia da Consciência Negra. “Uma mobilização para destacar a cultura negra, importante para ressaltar que somos seres humanos iguais a todos. Nós também respiramos e temos espaço”, afirma.

Elizeu Ferreira diz que racismo é ignorância e falta de sabedoria | Foto: Lucas Koehler/O Município Joinville

Ele também diz que a data é fundamental para ressaltar os erros cometidos durante a escravidão. “Lembrar quem foi escravizado e dos ignorantes que escravizaram. A ganância faz um ser humano passar por cima de outros sem medir esforços, ou sem entender o que deixará de rastros. Isso machucou muito o povo negro”, reflete.

Planos e expectativas

Elizeu destaca que quer seguir como treinador de futebol, buscar títulos, fazer história, deixar legados por onde passa e possibilitar realizações para a família. “Dar oportunidade do meu filho se formar, minha esposa seguir com a empresa dela. São as minhas motivações diárias”, compartilha.

Elizeu comandou a equipe principal do Joinville na Copa Santa Catarina 2021 | Foto: Vitor Forcellini/JEC

Com foco na humanização do futebol, ele diz querer passar ensinamentos aos novos atletas, além de ser “parceiro” dos jogadores. “Olhar nos olhos, dar um abraço, sentar no gramado e conversar”, reflete.

Para ele, é necessário existirem hierarquias no futebol, porém, os técnicos precisam saber lidar com os atletas. “Mostrar que eles são importantes e com sentimentos”, finaliza.


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