Conheça a história do morador de Joinville que doou um rim para salvar a filha
Clara foi diagnosticada aos quatro anos com síndrome nefrótica
“Amor que não se pede, amor que não se mede, que não se repete”. A composição de Nando Reis sintetiza, na prática, a ligação de amor entre Marcos e Clara. No caso de pai e filha, o vínculo que existe vai muito além dos laços sanguíneos e do amor incondicional. Diagnosticada com síndrome nefrótica — doença rara que pode paralisar o funcionamento renal — recebeu o rim esquerdo de seu pai e, desde então, carrega um pedacinho dele dentro de si. Neste Dia dos Pais, a história que contaremos é um pouco diferente: em vez de ser presenteado, o pai que presenteou a filha com uma nova oportunidade para viver.
Clara nasceu com a síndrome nefrótica, mas a doença só foi diagnosticada quando ela completou quatro anos de vida. Desde o primeiro resultado positivo, o pai, Marcos Alves Soares, 51 anos, teve a certeza de que poderia doar um de seus rins para salvar a vida da menina.
No entanto, por mais que os exames mostrassem compatibilidade, ele teria que aguardar o crescimento da filha para realizar o transplante, por conta do tamanho do órgão adulto.
Em 2015, Clara já havia feito uma cirurgia para transplante de rim a partir da doação de uma família, que perdeu o filho em um acidente. Porém, após três meses da cirurgia, ela teve a rejeição do órgão transplantado e deu início à diálise para manter sua vida. Foi quando começou a angústia da família.
“Depois que ela perdeu a função renal, ficou muito vulnerável a infecções por causa do aparelho (diálise) que começou a usar no lugar no rim. Por isso ela vivia internada, sentindo muitas dores e febre. Eu pedi aos médicos que eles tirassem o meu melhor rim e dessem à ela”, lembra o pai, emocionado.
A doação do rim esquerdo para o transplante da filha só aconteceu efetivamente em abril de 2018, quando a menina tinha 12 anos. A cirurgia foi realizada na Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre (RS). A uma sala de distância, os dois esperaram cerca de oito horas para saber o resultado da operação.
Mesmo se tratando de uma cirurgia complicada, o resultado foi positivo. Apesar disso, Clara teve de ficar mais quatro meses na cidade gaúcha realizando exames semanais para ajustes e correções de medicação a fim de evitar a rejeição do órgão. A família só se uniu novamente em Joinville em outubro de 2018. No entanto, os exames mensais e monitoramento médico permanecem até hoje.
“Nós podemos dizer que a vitória é diária. Antes, por exemplo, ela não podia ter interferência química e tomar vacinas. Nos últimos meses, a equipe médica liberou vacinação contra hepatite”, se alegra o pai.
Nova rotina após a doença
Assim que Clara foi diagnosticada com a doença, a rotina da família Soares mudou bruscamente. Novos hábitos alimentares tiveram de ser adotados; a escola foi substituída por idas a hospitais e baterias de exames; as brincadeiras já não podiam ser mais as mesmas.
“Na época, lembro que o médico falou assim ‘a doença da Clara é grave, vocês precisarão cuidar por muitos anos e vão me ver muitas vezes’. Realmente, estamos há quase 11 anos em contato com ele”, confirma Marcos.
O pai conta que a doença começou a se manifestar na menina através de inchaços na região dos olhos e, em seguida, passou para todo o corpo. Muitos exames foram feitos até o diagnóstico, pois, como explica Marcos, o inchaço é característico de muitas doenças e demorou uma média de sete dias para que os médicos descobrissem de qual se tratava.
A síndrome nefrótica é um distúrbio renal que faz com que o corpo libere proteína em excesso na urina e costuma ser causada por danos aos pequenos vasos sanguíneos nos rins que filtram os resíduos e o excesso de água do sangue, fazendo com que o rim perca de forma parcial ou total seu funcionamento.
Durante o tratamento, conforme Marcos, os médicos têm de cinco a dez modalidades de remédios que podem ser administrados para bloquear o avanço da doença. “Esses remédios são de alto custo. No caso da Clara, eles não tiveram funcionalidade”, conta.
Após começar a diálise, Clara já entrou na fila para transplante. Depois de realizar a primeira cirurgia, o pai sabia que não tinha dado certo por causa da atitude preocupada dos médicos. Mesmo assim, os pais da menina não perderam as esperanças.
“Era difícil ver a minha filha naquela situação, ela questionava por que estava acontecendo aquilo com ela. O primeiro transplante desde o início teve complicações, mas a gente sempre passou força pra ela, não podíamos desanimar senão ela também desanimaria”, afirma o pai.
Pai que se doa
No início do tratamento, Marcos, que é professor de matemática, auxiliou a filha nas tarefas da escola. Dedicada, ele diz que a menina nunca repetiu de ano na escola e tem gosto pelos estudos.
Mesmo impedida de exercer certas atividades, o pai se dedicava e se dedica até hoje para que a filha tenha uma vida mais próxima possível do normal.
“Fazemos caminhadas juntos, brincamos e falamos sobre tudo. Fui pai aos 39, eu queria ter um filho. Ser pai é ter algo invisível que vale mais que tudo. Ela teve uma vida muito intensa, é uma guerreira. Tudo que vivemos é emocionante”, afirma o pai.
A troca de sentimentos é recíproca. Clara não cansa de agradecer ao pai pela vida e por não medir esforços para fazê-la feliz.
“Meu pai é meu herói. É incrível ter um pedaço dele dentro de mim. Hoje eu tenho saúde e sou muito feliz”, diz a menina.
Próxima de completar 14 anos, mesmo ainda na oitava série, Clara não tem dúvidas da carreira que quer seguir quando crescer.
“Eu quero ser médica. É uma profissão onde aprendemos muito. Além disso, quero ajudar muitas pessoas.”