Economia circular: Joinville inova na reciclagem de isopor e torna-se referência nacional

Com tecnologia e responsabilidade ambiental, empresa é pioneira no reaproveitamento do material; iniciativas se espalham pela cidade e pelo país

Economia circular: Joinville inova na reciclagem de isopor e torna-se referência nacional

Com tecnologia e responsabilidade ambiental, empresa é pioneira no reaproveitamento do material; iniciativas se espalham pela cidade e pelo país

Fernanda Silva

Você já se perguntou para onde vai a embalagem de isopor do seu novo eletrodoméstico ou da marmita do almoço? Se descartado no lixo comum, ela pode ser encaminhada ao aterro sanitário. Mas com o destino correto, o EPS, como também é conhecido, pode ser transformado em rodapés, solado de calçados, copos, réguas, entre outros novos objetos.

Esta é a proposta da economia circular, defendida e praticada por empresas de Joinville e região. Além de trazer transformação na indústria, a economia circular busca envolver a sociedade para repensar a utilização dos resíduos produzidos nas grandes e pequenas fábricas, no comércio e pelo consumidor. Muitas pessoas fazem parte deste grande circuito que ainda enfrenta grandes desafios.

Rodapé produzido com EPS reciclado. | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville

Pioneira na indústria de reciclagem de EPS, a joinvilense Termotécnica produz embalagens de isopor virgens, mas, em 2007, criou uma unidade exclusiva para trabalhar a reciclagem do material, sendo uma das primeiras no país a realizar a atividade. Apesar de a ideia ter começado a ser executada há cerca de 15 anos, a vontade de revolucionar a indústria por meio da economia circular já vinha de muito antes.

Albano Schmidt assumiu a presidência da Termotécnica em 1999 e já pensava em mudar a imagem que o isopor carregava. “De que é um produto que não recicla. Tecnicamente sempre existiu a reciclagem do isopor, é fácil, existe tecnologia para isso, mas é difícil de se coletar por ser grande, ocupar espaço”, diz o empresário.

Localizada no distrito de Pirabeiraba, a Termotécnica já fechou muitas parcerias para fazer a economia circular acontecer na cidade. Os materiais são recolhidos em empresas ou entregue por elas, comprados de prefeituras e de cooperativas da região. Depois de transformado em um material granulado, a matéria-prima é vendida para outros setores produtores.

EPS reciclado pode ser vendido na forma granulada ou triturada. | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville

A atividade envolve milhares de pessoas. Hoje, o Programa Reciclar EPS, da Termotécnica, gera cerca de 100 empregos diretos, conta com mais de 1,2 mil pontos de coleta e 300 cooperativas de reciclagem parceiras no país, impactando diretamente mais de cinco mil famílias.

 

Confira o passo a passo da reciclagem do isopor:

 

A joinvilense Metalúrgica Tupy também é uma das empresas que desenvolvem a economia circular em seu negócio. Segundo Hugo Zierth, chefe de Relações com Investidores e Sustentabilidade, cerca de 97% de todo material metálico que a Tupy utiliza na fabricação dos produtos, tais como blocos e cabeçotes, é proveniente de reciclagem. Em 2021, por exemplo, foram cerca de 500 mil toneladas de sucata transformadas em produtos.

Os materiais utilizados pela empresa são provenientes de resíduos descartados pela sociedade, como fogões, refrigeradores e carros velhos, assim como da indústria metalmecânica, de infraestrutura, automobilística e de máquinas e equipamentos.

Após a chegada da sucata na fábrica, o material precisa passar por rígidos padrões de qualidade, por isso são testados e, se necessário, são utilizados outros elementos químicos para realizar correções nas propriedades deles.

“A economia circular demanda atitudes inovadoras e o desenvolvimento de tecnologias que abarquem os seus princípios e, ao mesmo tempo, mantenham a competitividade, a eficiência e a lucratividade do negócio em si. Neste contexto, trata-se de uma adaptação que exige inovação”, conta Hugo sobre os processos de produção.

Ainda em Joinville, após a crescente demanda das indústrias para fazer o descarte correto dos materiais, em outubro de 2020 surgiu o projeto Isopor Amigo, que se expandiu e hoje é desenvolvido como um programa no Parque Perini, com apoio de 12 empresas.

Postos para descarte do EPS estão espalhados pelo Ágora Tech Park e também são levados para empresas parceiras. | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville
Programa Isopor Amigo tem 12 empresas parceiras. | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville
Reutilização dos materiais descartados passou de 25% para 80% em três meses. | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville

A iniciativa tem como objetivo reunir embalagens de isopor e encaminhar à reciclagem. Com cerca de um ano e meio desde o início do projeto, a reutilização dos materiais descartados passou de 25% para 80% em três meses. A engenheira ambiental e técnica responsável pelo Isopor Amigo, Marina Zambonato Farin, comemora as marcas alcançadas pelo programa em tão pouco tempo. “Veio como uma sementinha, mas já foi até indicado para prêmios”, destaca.

Com 12 empresas apoiadoras, inclusive a Termotécnica, em 16 meses foram coletados 600 quilos de EPS, o equivalente a 65 mil caixas de marmitas. Com diversos ecopontos, a engenheira explica que a maioria do EPS recolhido vem de embalagens de marmitas, mas que o projeto recolhe qualquer tipo de isopor.

No início, nem todo produto descartado podia ser direcionado para a reciclagem. Isso porque muitos materiais não estavam limpos, ou seja, eram descartados com restos de comida, por exemplo. “O isopor absorve pigmentação, então fica manchado. O que não pode ter é resto de comida. Você pode passar um guardanapo para limpar, em um minuto está pronto”, explica Marina.

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Isopor deve ser limpo com papel toalha. | Gif: Brenda Pereira/O Município Joinville

Depois de recolhidos, os materiais são encaminhados para empresas recicladoras, dando origem a diversos novos materiais. A engenheira conta que duas embalagens de marmita são transformadas em uma régua.

As empresas estão cada vez mais buscando novas formas de transformar a produção industrial. O gerente da unidade de reciclagem da Termotécnica, Paulo Michels, afirma que atualmente a procura pelo produto reciclado é alta.

Trabalhando de perto com a demanda, Paulo conta que, principalmente com a pandemia de Covid-19, houve falta de matéria-prima para que a indústria desse continuidade na produção. A saída foi recorrer ao material reciclado. “Hoje, temos mais demanda do que material”.

Além disso, as empresas já vêm inovando com outras formas de utilizar o isopor reciclado, que já pode ser incluído como matéria-prima para produção do “isopor virgem” como é chamado o produto que ainda não passou pelo consumo. Albano conta que a Termotécnica já produziu este material, que foi sendo adequado conforme as tentativas de produzi-lo e, hoje, está bem desenvolvido.

O presidente da empresa afirma que a intenção é continuar investindo na modernização dos processos produtivos e, assim, continuar inovando no setor do plástico e da economia circular.

Para além da produção industrial, a economia circular também gera renda para os agentes responsáveis pela coleta e separação dos materiais recicláveis que, antes de retornarem à indústria, precisam passar pelas mãos de pessoas que veem na reciclagem uma oportunidade de renda e, também, de conscientização ambiental.

Economia circular também é importante para coletores que encontram na reciclagem uma forma de ganhar renda. | Foto: Assecrejo/Divulgação
Atualmente, 98% dos itens reciclados pela Assecrejo são provenientes da coleta seletiva em Joinville. | Foto: Assecrejo/Divulgação

O reciclador Severino Tavares Nunes, da Associação Ecológica de Recicladores e Catadores de Joinville (Assecrejo), explica que o trabalho da reciclagem gera oportunidades às famílias, que além da renda, também recebem capacitação e treinamento para atuar na área e, assim, dar a destinação correta aos materiais.

Severino explica a importância do trabalho para a sociedade. “A gente só vê o problema quando dá alagamento, enchente. A coleta e separação, além da preservação da natureza, gera renda pras famílias e benefícios para a saúde”, diz.

Atualmente, diversos municípios catarinenses possuem parcerias com empresas recicladoras. É o caso de Fraiburgo, que fica no Oeste Catarinense. A prefeitura da cidade é parceira da Termotécnica. 

O processo começa com a separação dos itens pelos próprios moradores. Depois, estes materiais recolhidos pela coleta seletiva são separados em um centro de triagem. No local, é feita a destinação correta dos materiais, que também são vendidos para as indústrias.

Como a cidade possui aterro sanitário, a reciclagem evita que esses materiais reutilizáveis tenham uma vida útil curta, sendo utilizados apenas uma vez e indo diretamente para o aterro, onde acabam ocupando grande espaço. Com a coleta, ganham novo destino e uso.

Para aumentar ainda mais o número de materiais separados, o engenheiro sanitarista e ambiental de Fraiburgo, Charles Weider Silveira, conta que é necessário investir na educação. Na cidade, são realizadas palestras nas escolas, por exemplo, e, em casa, as crianças orientam os pais a realizarem a separação.

“O aceite da população é grande, mas tem que crescer cada vez. Ano após ano a gente vai aumentando o percentual de resíduos reciclados e as toneladas de material que a gente consegue reutilizar”, afirma. Em quatro anos, foram coletados cerca de 5.166 quilos de isopor.

Charles aponta que, além da consciência ambiental, a economia circular também impacta o desenvolvimento das cidades. No caso de Fraiburgo, após a separação, os materiais são leiloados para empresas. “Dinheiro que vai ser revertido para a população, em melhorias”, conta. Quando a prefeitura não consegue vender, o destino correto é garantido por meio da doação.

No caso de Indaial e Timbó, municípios do Vale do Itajaí, os moradores separam as embalagens de isopor na coleta seletiva e, posteriormente, o conteúdo é encaminhado para a Associação Participativa de Recicle Indaial (Apri). Após separado, o EPS é vendido para empresas que utilizam o produto como matéria-prima.

Neste caso, a ação impacta na geração de renda de famílias que trabalham como recicladores, no meio ambiente e na indústria.

Paulo, gerente da Termotécnica, conta que ainda há no imaginário coletivo a ideia de que o isopor não é um produto reciclável e, por isso, ele acaba sendo dispensado no lixo comum. “Em toda empresa que eu chegava, isso era uma novidade”, lembra.

Albano ainda recorda como foram as primeiras conversas sobre a possibilidade de se reciclar o isopor. “A gente sempre usou internamente [material reciclado], mas queríamos expandir”, conta.

Por isso, saiu em busca do apoio de clientes para que o material retornasse aos fabricantes e tivesse, então, o destino correto. Albano, porém, recebeu muitos ‘nãos’, ouviu dizer que não era necessário reciclar esse tipo de material. Após muitas tratativas, sem sucesso, resolveu iniciar sozinho a reciclagem na Termotécnica. O espaço não foi o suficiente, momento em que foi aberta a unidade de Pirabeiraba.

Volume do isopor é uma dificuldade para a reciclagem, já que ocupa muito espaço. | Foto: Fernanda Silva/O Município Joinville

Embora as empresas recicladoras recolham e transportem esse material, ainda há dificuldade em fazer com que a indústria, em geral, tenha a preocupação de separar o EPS.

Então, apesar da demanda para compra de material reciclado e a vontade de fazer, há desafios que continuam sendo enfrentados diariamente. Paulo explica que a unidade de reciclagem tem capacidade para produzir o dobro do que é entregue hoje, mas falta matéria-prima, ou seja, isopor para reciclar, não porque não exista, mas devido ao descarte incorreto.

“Hoje, fazem entrega na sua casa, não recolhem o isopor e as pessoas descartam no lixo comum. Também é responsabilidade das empresas dar o destino correto aos materiais que eles produzem”, opina Albano.

Porém, o presidente reconhece que o próprio material impõe algumas dificuldades. “É um material de difícil transporte. É muito grande e muito leve, ocupa muito espaço. Algumas pessoas deixam de separar por isso”, explica. Este é um dos desafios que ainda precisam ser superados.

A dificuldade enfrentada pela indústria por conta do transporte do EPS é encontrada pelos recicladores. Severino, da Assecrejo, conta que 300 quilos de EPS ocupam cerca de 60 metros quadrados (m²) do espaço da associação. “Imagina, é uma casa cheia de isopor”, conta.

Atualmente os materiais são vendidos para a indústria da transformação por pesagem, ou seja, cada quilo de determinado material vale uma quantia. Por ser leve, acumula-se muito isopor até que ele alcance uma boa pesagem para a venda. Além disso, é um material barato. Para a venda dos itens reciclados é necessário alcançar determinado peso para que os caminhões das indústrias retirem os materiais em uma única remessa.

Por isso que coletores de material reciclado que circulam com os carrinhos não costumam recolher isopor, já que ocupa muito espaço da carroça e não acumula o suficiente para venda. “Então não coletam, ou se coletam, vão dar o destino incorreto do material e vai destruir essa nossa natureza, que é a coisa mais linda desse mundo”, acrescenta Severino.

Para os recicladores de cooperativas, reciclar o isopor também não gera grande lucro, mas, neste caso, Severino alerta para a necessidade da reciclagem do EPS para além do valor financeiro. Ele afirma que os recicladores não seguem apenas a lógica de mercado, mas também se dedicam à educação ambiental.

Hoje, 98% dos itens reciclados pela Assecrejo são provenientes da coleta seletiva que ocorre em Joinville. Da casa dos moradores, a sucata passa pela empresa Ambiental e, depois, para os recicladores, que fazem a separação material por material.

A engenheira ambiental e técnica responsável pelo Isopor Amigo, aponta que a não reciclagem do EPS, por exemplo, traz inúmeros impactos ambientais. “O isopor é leve, voa e pode quebrar. Esses pedacinhos podem ser ingeridos pelos animais, por peixes, por exemplo, que nós também consumimos depois”, alerta Marina.

A necessidade de investir em indústrias que renovam vem sendo cada vez mais cobrada não só pelo meio ambiente. Hoje, no Brasil, há leis que instituem diretrizes de como as empresas devem destinar os resíduos sólidos.

Hugo, chefe de Relações com Investidores e Sustentabilidade da Tupy, destaca que os benefícios da economia circular são inúmeros e estão relacionados à consciência de que a produção linear, ou seja, sem retorno dos resíduos, tornou-se obsoleta, custosa e com alto impacto para a empresa, para a sociedade e para o meio ambiente.

A diminuição da emissão de gases de efeito estufa é um impacto positivo. “Para cada tonelada produzida com sucata, deixamos de emitir 1,2 tonelada de gases de efeito estufa”, comenta. Além disso, cita a redução da extração de recursos naturais não renováveis e o avanço a áreas florestais ainda intocadas; a geração de emprego e renda; a eliminação do uso de aterros sanitários; a promoção da inovação de processos e de produtos e o aumento da eficiência dos processos produtivos.

Para Albano, a economia circular não deve ter foco no lucro, mas na consciência ambiental e responsabilidade social. Apesar de ter enfrentado dificuldades para obter apoio quando iniciou a reciclagem do EPS lá em 2007, o presidente da Termotécnica vê que a pauta tem ganhado mais espaço no meio industrial atualmente.

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