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Elas reinventam o consumo, os resíduos e a si mesmas

Empreendedoras de Joinville fazem da sustentabilidade uma ferramenta de transformação e relatam obstáculos para fazerem a diferença na comunidade através de seus negócios

Lara Donnola
Bruno da Silva

jornalismo@omunicipiojoinville.com

O empreendedorismo feminino é, há muito tempo, entendido como essencial para o avanço do desenvolvimento econômico e social sustentável. As mulheres tornam-se referência para seu ciclo social e desta forma, agentes de transformação da sociedade e ainda têm uma preocupação maior com o meio ambiente. De acordo com o relatório da Global Entrepreneurship Monitor de 2021, no Brasil, nove entre dez mulheres relataram práticas para maximizar a sustentabilidade ambiental de seus negócios e quatro entre cinco para objetivos de sustentabilidade social.

Em Joinville, mulheres ilustram essa preocupação com muita força de vontade e coragem. Encaram o cenário desigual, as maiores obrigações sociais e superam diversas barreiras para prosperarem, mantendo uma preocupação com a sustentabilidade.

A empreendedora Elis Nhaia é responsável pelo negócio “Coisas da Sofia”, onde produz absorventes ecológicos, tapetes higiênicos sustentáveis para animais de estimação e pacotes terapêuticos com ervas medicinais para alívio de dores. “Meu negócio é voltado para a linha do autocuidado, principalmente do cuidado da mulher, e também para os pets”, explica.

As sócias Tathi Pereira e Vanessa Bressan administram a Planth, uma marca de cosméticos sólidos totalmente naturais. A empresa é sustentável e tem o objetivo de transformar os hábitos de higiene e beleza inspirando um consumo consciente, promovendo a saúde e o bem estar através das plantas, impactando positivamente o meio ambiente e a sociedade.

Alexia Alves é a criadora da Cósmica, um ateliê de bolsas e acessórios feitos a partir de resíduos têxteis, como tecidos de guarda-chuvas, jeans e estofados, que ela coleta por meio de parcerias com brechós, cooperativas e indústrias. Ela trabalha de forma artesanal, produzindo peças exclusivas e sob encomenda, com o objetivo de valorizar o reaproveitamento de materiais e combater preconceitos em relação aos produtos reciclados.

Mônica da Silva é dona do Espaço Ébano, um salão de beleza naturalista em Joinville, que promove tratamentos capilares com foco na saúde do cabelo e na sustentabilidade. Ela trabalha exclusivamente com produtos naturais, veganos e regionais, evitando químicos agressivos. O objetivo é minimizar o impacto ambiental dos cosméticos e fortalecer uma rede local de empreendedores sustentáveis. Seu trabalho inclui também a educação capilar, incentivando práticas conscientes e a valorização do cabelo natural, sempre com uma forte preocupação socioambiental.

Embora tenham trajetórias diferentes, as empreendedoras compartilham um propósito: o compromisso com soluções sustentáveis que promovem o bem-estar pessoal e ambiental.

Todas elas atuam oferecendo alternativas conscientes a produtos tradicionais que causam impactos negativos, como têxteis poluentes, plásticos descartáveis e cosméticos com químicas agressivas. Os trabalhos são pautados na busca por soluções ecológicas que promovam uma vida mais saudável e um futuro mais equilibrado para o planeta.

Mais do que empreendedoras, elas são agentes de mudança. No contexto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30), que traz ao Brasil líderes mundiais para discutir o combate às mudanças do clima, essas empresárias de Joinville mostram que é possível empreender sem agredir o meio ambiente.

Unidas pelo propósito de reduzir impactos ambientais e promover bem-estar, elas atuam em rede, compartilham saberes e mostram que é possível construir uma economia mais consciente, ainda que aos poucos, pelas margens. Ao desafiar padrões de consumo e enfrentar barreiras estruturais com criatividade e afeto, elas provam que um futuro mais justo e sustentável pode, sim, ser feito por elas.

As empreendedoras criaram suas marcas a partir de dores pessoais. Para Elis, a ideia de criar o negócio surgiu durante a pandemia, em meio a uma crise de burnout e depressão do marido, com quem compartilha o interesse pela costura.

Ela se inspirou após ver uma reportagem sobre pobreza menstrual, que mostrava como meninas faltavam à escola por não terem acesso a absorventes. A partir daí, começou a estudar sobre absorventes ecológicos e passou a costurar os produtos junto com o marido.

Além disso, as empreendedoras Elis e Tathi também encontraram inspiração para seus negócios a partir da vivência com seus próprios filhos. Tathi criou a Planth motivada pelos cuidados com a saúde do filho Davi, que nasceu com dermatite atópica e outras alergias. “Comecei a usar produtos de cosmética natural nele para desinflamar, colocando-o menos exposto a agentes químicos. O médico receitava banhos de calêndula, de plantas, e vi que isso fazia bem para ele”, relatou.

Ela passou a usar cosméticos naturais e a investir em uma alimentação orgânica, o que a levou, junto com o pai da criança, a abrir a Pura Vida, uma mercearia de produtos orgânicos, onde também passou a comercializar os cosméticos naturais que ela mesmo produzia. A partir daí, ela foi se conectando cada vez mais com as plantas e os ativos naturais. Com o crescimento da demanda pelos produtos, surgiu a Planth.

A filha de Elis também desenvolveu dermatite atópica quando era pequena, causada pelo uso de fraldas descartáveis. “O bumbum dela ficava em carne viva, e o médico disse que ela não poderia usar absorventes descartáveis quando crescer”, contou. Por essa razão, o nome da filha é a inspiração para o nome da marca “Coisas da Sofia”.

Já Alexia, vinda do Rio de Janeiro e de uma realidade de limitações financeiras, sempre teve contato com roupas de segunda mão, o que influenciou sua trajetória. “Eu não tinha dinheiro para comprar material e essa era a forma que eu tinha para produzir”.

Assim, começou a trabalhar com reciclagem de forma intuitiva, ainda em 2011, quando tinha uma marca de roupas e produzia bolsas de vinil, sem conhecer bem o conceito de upcycling, processo de transformar materiais descartados em novos produtos, evitando o desperdício.

Após se mudar para Joinville, em 2019, e fazer um curso de moda e costura, passou a confeccionar bolsas com resíduos têxteis e, em 2020, criou a marca Cósmica, que nasceu de maneira espontânea, sem muito planejamento, mas que se consolidou com o tempo.

Alexia busca, com seu trabalho, mostrar que é possível criar produtos de qualidade utilizando resíduos têxteis, desconstruindo a ideia de que itens reciclados são mal feitos.

Além disso, quer conscientizar as pessoas sobre o excesso de descarte, ressaltando que muitos materiais poderiam ser transformados em peças úteis e criativas. “Quero passar a mensagem de que muito é jogado fora e que pode ser utilizado para coisas impressionantes”, afirma.

Ela percebe uma abertura crescente do público, impulsionada também pela adesão de figuras famosas ao upcycling. “As pessoas não percebem que as bolsas são feitas com resíduos”, afirma. Ela destaca que, em Santa Catarina, as pessoas estão mais receptivas a essas alternativas sustentáveis.

Elis Nhaia também coordena o projeto MenstruAção, que promove a conscientização sobre a pobreza menstrual, educa sobre a menstruação e incentiva a doação de absorventes para meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade na região de Joinville.

Desde que foi criado, em maio de 2021, o projeto distribuiu mais de 60 mil absorventes. “Tem meninas em Joinville que deixam de ir pra escola por não terem absorventes”, lamenta. Esse problema, conhecido como pobreza menstrual, é apontado como um dos fatores que contribuem para a evasão escolar e a desigualdade no acesso à educação, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), no Brasil, uma em cada quatro estudantes, ou seja, 25%, já faltou à escola por não ter acesso a absorventes. A ONU reconhece o acesso à higiene menstrual como um direito, que deve ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos.

Elis explicou que um absorvente reutilizável substitui pelo menos 300 descartáveis e, embora tenha um custo inicial mais alto, pode ser usado por até seis anos, gerando economia a longo prazo. “Eu tenho o meu desde quando comecei com a marca. Então já vai fazer 5 anos em setembro”.

Segundo um levantamento feito pelo Fluxo Sem Tabu, iniciativa que distribui itens de higiene íntima para pessoas em situação de vulnerabilidade, uma mulher passa por cerca de 450 ciclos menstruais ao longo da vida, utilizando, em média, 20 absorventes por ciclo. Com base nesses dados, estima-se o uso de aproximadamente 10 mil absorventes durante a idade fértil, o que representa um gasto médio de R$ 6 mil, considerando o valor unitário de R$ 0,60 por absorvente.

Segundo um estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), os absorventes de plástico ou descartáveis são um problema ambiental e podem ter impactos na saúde. Por levar séculos para se decompor, esse material contribui para a poluição, contaminando o solo e os recursos hídricos.

Cerca de 90% da composição dos absorventes é de plástico, que pode levar aproximadamente 400 anos para se degradar. “Isso causa abafamento da região íntima, então como se você pegasse sacolas plásticas e colocasse nessa região”, ressalta Elis. Considerando que cada pessoa utiliza, em média, 20 absorventes por ciclo, o acúmulo desse resíduo no meio ambiente torna-se uma realidade insustentável.

Além disso, a composição química de alguns absorventes pode causar alergias, irritações, produção de bactérias e fungos, e o interno pode causar ressecamento e síndrome do choque tóxico. Na composição do absorvente interno, podem ser encontrados plásticos químicos relacionados ao câncer e outras doenças.

Um relatório divulgado em 2021 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) aponta que a poluição plástica representa uma ameaça crescente para todos os ecossistemas, desde os locais de origem até os oceanos. O estudo destaca que a poluição plástica nos ecossistemas aquáticos cresceu consideravelmente nos últimos anos e deve dobrar até 2030, com consequências terríveis para a saúde, a economia, a biodiversidade e o clima.

O relatório destaca que o plástico representa 85% dos resíduos que chegam aos oceanos. A ONU adverte que até 2040, esse volume pode quase triplicar, atingindo de 23 a 37 milhões de toneladas por ano. Isso equivale a cerca de 50 quilos de plástico por metro de costa em todo o planeta, de acordo com a pesquisa.

Como resultado, o estudo alerta que a poluição plástica ameaça toda a vida marinha, causando riscos de envenenamento, distúrbios comportamentais, fome e asfixia, além de desequilíbrios nos ecossistemas, como corais e manguezais. Também afeta a saúde humana: partículas de plástico presentes na água, no ar e em alimentos como frutos do mar e sal podem provocar alterações hormonais, distúrbios de desenvolvimento, anormalidades reprodutivas e até câncer.

A empresária Mônica reforça que a sustentabilidade não deve ser apenas discurso, mas sim um conjunto de atitudes práticas no dia a dia. No salão, isso se reflete em pequenas mudanças como a substituição de diversos itens descartáveis por reutilizáveis. “O melhor lixo é aquele que não é gerado”, reforça.

A empresária fez um cálculo aproximado e percebeu que, em um ano, o salão gerava cerca de 1,3 mil copos de água descartáveis, mexedores de plástico, copos de isopor e cápsulas de café, de cada produto. Para reduzir esse impacto, ela substituiu esses itens por versões reutilizáveis e ecológicas.

A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo, ficando atrás da de combustíveis fósseis e energia, segundo o estudo Sustainability and Fashion, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

A pesquisa aponta que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartadas nos últimos anos. E a expectativa é de que esse volume aumente em 60%, ultrapassando 140 milhões de toneladas nos próximos anos.

O levantamento mostra que essa área é impulsionada principalmente pelo uso de fibras sintéticas derivadas do petróleo, que geram toneladas de microplásticos despejados nos oceanos. Mesmo materiais vistos como mais sustentáveis, como o algodão, demandam grandes quantidades de água e produtos químicos para o seu cultivo.

Alexia já reciclou 200 quilos de tecido por meio da sua marca. “Parece pouco, mas, além de reciclar, as pessoas envolvidas estão trocando informações, conversando e criando uma teia”, afirma. No upcycling, ela vê um espaço de pluralidade, já que cada pessoa cria suas peças de maneira única.

Ela acredita que esse movimento de moda sustentável, especialmente o low fashion mais artesanal e “raiz”, tem o potencial de transformar a indústria da moda de forma gradual e profunda. “Não vamos salvar o mundo de frente, mas vamos pelas bordas e mudando as pessoas na base do comportamento”, comenta.

Tathi, fundadora da Planth, destaca que os cosméticos sólidos oferecem diversas vantagens em relação aos convencionais, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade. Segundo ela, um shampoo sólido da marca equivale a duas embalagens do produto líquido, o que reduz significativamente a geração de resíduos e o impacto ambiental.

Além disso, a Planth adota práticas responsáveis, como a compensação das emissões de carbono geradas pelos fretes em todo o país, garantindo operações com carbono neutro.

Outro diferencial é a composição totalmente natural dos produtos. Os cosméticos da Planth não contêm químicos como parabenos ou sulfatos, oferecendo uma alternativa mais saudável. “Para a pessoa, é um banho de planta, um banho de ervas”, comenta Vanessa Bressan, sócia de Tathi.

Esse cuidado se estende também ao meio ambiente, já que as embalagens são feitas de materiais vegetais e não poluentes. Todos os potes e materiais de embalagem são 100% compostáveis, projetados para se decompor de forma natural em cerca de 60 dias, sem deixar resíduos tóxicos. A embalagem é feita de bagaço de cana. “Ela é totalmente sem geração de lixo, nem para reciclagem vai”, afirma Tathi.

Além de xampu, condicionador e máscara, a Planth conta com uma linha de produtos faciais, corporais e também voltados para o cuidado íntimo.

Mônica utiliza os produtos da Planth no Espaço Ébano. Ela afirma que o salão já nasceu naturalista, trazendo a reflexão de que tudo que usamos sempre acaba afetando o meio ambiente. “Somos seres que interagem com o planeta, o que fazemos impacta o todo. Temos que pensar que os produtos que utilizamos no banho, ao irem para o ralo, vão parar nos lençóis freáticos”, ressalta.

Além dos benefícios sustentáveis, as sócias da Planth ressaltam a economia proporcionada pelos cosméticos sólidos. Uma barra de shampoo, por exemplo, pode durar cerca de dois meses, enquanto outros produtos da marca chegam a durar até um ano. Ela conta que há clientes que relatam estar usando a mesma máscara capilar há um ano, especialmente homens e quem tem cabelo curto.

Vanessa Bressan chama a atenção para a diferença na formulação entre os produtos sólidos e os convencionais. Enquanto muitos shampoos líquidos são compostos por cerca de 80% de água, além de conservantes para evitar a proliferação de fungos, os sólidos são concentrados e mais duradouros.

“Nos shampoos convencionais, a pessoa está pagando pela água. Tanto que, quando o shampoo está acabando, o que a gente faz? Coloca mais água para render”, observa. Atualmente, a Planth oferece seis opções de shampoos sólidos, com alternativas para todos os tipos de cabelo, garantindo que cada cliente encontre o produto mais adequado às suas necessidades.

Mônica, dona do salão naturalista, explica que a maioria dos produtos convencionais são sintéticos e atuam como uma espécie de “maquiagem para o cabelo”, deixam os fios aparentemente bonitos, mas não necessariamente saudáveis. “Porque às vezes podem ter cabelos bonitos, mas que não estão saudáveis”, salienta.

“Eu sempre digo que cabelo bonito é cabelo saudável, e isso começa pelo cuidado com o couro cabeludo”, diz. A cabeleireira explica que todos os tratamentos que faz utilizam ingredientes naturais, que agem de dentro para fora, promovendo a saúde dos fios e respeitando o meio ambiente.

O Espaço Ébano aposta em produtos com extratos de plantas, manteigas e óleos vegetais e essenciais, partindo da compreensão de que a pele humana tem afinidade com o que é natural e absorve os agentes. Segundo ela, o uso de produtos naturais estabelece uma relação mais harmônica com o corpo, reduzindo riscos de alergias ou intoxicações. “Quando você faz esse tipo de escolha, você está sendo gentil com você e com o planeta”, menciona.

“Tudo o que é aplicado no couro cabeludo pode ser absorvido pelo corpo, o que, muitas vezes, causa efeitos prejudiciais à saúde a médio e longo prazo”, ressalta Mônica. Há evidências científicas que sustentam a afirmação de que o couro cabeludo, por sua alta vascularização e presença de folículos pilosos, é uma região que facilita a absorção de substâncias químicas, permitindo que penetrem na pele e, em alguns casos, alcancem a corrente sanguínea.

Pesquisadores da USP destacam que o couro cabeludo funciona como uma via de permeação cutânea eficiente, o que justifica a preocupação com o uso contínuo de produtos químicos nesse local.

Segundo um relatório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), produtos utilizados em procedimentos capilares, como alisantes à base de formol, podem ser absorvidos pela pele e provocar efeitos sistêmicos, incluindo irritações, intoxicações e, em casos de exposição prolongada, até riscos mais graves à saúde.

Em relação ao cenário do empreendedorismo feminino sustentável em Joinville, Alexia observa que há um crescimento significativo, com muitas mulheres empreendendo, ao menos dentro do contexto em que está inserida. “Porém, vejo muitos desafios como machismo, elitismo e preconceito”, ressalta. Para ela, isso dificulta o avanço e a consolidação dessas iniciativas.

Segundo o estudo Elas Empreendem – Panorama do Empreendedorismo Feminino, publicado pelo governo federal em 2024, o rendimento mensal das mulheres que trabalham por conta própria é 21% inferior quando comparado ao dos homens. Além disso, analisando os dados da diferença de remuneração, a diferença de remuneração entre homens e mulheres é ainda maior ao incluir o empreendedorismo.

Ainda que as mulheres estejam abrindo uma grande quantidade de pequenas empresas, 95% desses negócios nunca ultrapassaram a barreira dos seis dígitos de rendimentos e enfrentam diversos desafios para que sejam bem-sucedidos no Brasil.

Elis, Vanessa e Tathi também relataram já ter enfrentado experiências negativas por serem mulheres, ressaltando que o meio empresarial ainda é predominantemente masculino, o que impõe barreiras extras às empreendedoras. Esse cenário é ainda mais desafiador para mulheres negras, como enfatizaram Elis e Alexia.

Ainda de acordo com o estudo Elas Empreendem, mulheres negras são mais propensas a abrirem uma empresa por necessidade e têm maior nível de informalidade em comparação aos negócios de mulheres brancas, 50% e 35% respectivamente.

Empreendedoras negras e brancas também apresentam diferenças no tempo dedicado aos seus negócios. De acordo com o levantamento Empreendedorismo por Raça-cor (e sexo), publicado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em 2022, 59% das mulheres negras empreendedoras trabalham menos de 40 horas por semana, enquanto entre as mulheres brancas esse percentual é de 49%.

Os dados revelam que os negócios liderados por mulheres negras tendem a ser menores, menos formalizados e com menor rendimento médio em comparação aos das mulheres brancas. Enquanto 24% dos negócios das empreendedoras negras são formalizados, a proporção dos negócios formalizados de mulheres brancas chega a 41%.

Além disso, a renda média das mulheres negras é 32% menor e, consequentemente, seus negócios também empregam menos: apenas 8% têm 11 ou mais funcionários, em comparação com 15% entre as mulheres brancas.

Tathi e Vanessa observam que o público joinvilense valoriza marcas locais e se sente motivado a consumir para fortalecer a economia da cidade. No entanto, ressaltam que, apesar desse apoio, ainda é um desafio, pois o mercado de produtos naturais e sustentáveis é bastante nichado.

Já a empreendedora Elis Nhaia destaca que o mercado em que atua é bastante desafiador, pois seu produto ainda é pouco valorizado e compreendido pelas pessoas. Além disso, segundo ela, a temática da sustentabilidade e cuidados íntimos gera preconceitos e rejeição, o que exige dela uma resistência diária para continuar no negócio.

Ela também comenta que os consumidores costumam valorizar marcas grandes e estabelecidas, muitas vezes pedindo descontos e desvalorizando os produtos artesanais. “Essa concorrência dificulta o fortalecimento coletivo”, diz. Elis ainda ressalta a sensação de solidão no meio empreendedor, onde a competição entre pequenos negócios é maior que a colaboração, mesmo existindo interesses comuns.

Elis explica que o maior desafio é escalar o seu negócio. “Isso porque o meu produto dura muito tempo, então o meu cliente compra e ele ‘morre’”, comenta. Como as vendas não são recorrentes, ela precisa de mais investimento para aumentar a produção e alcançar novos públicos. Elis também lamenta que, em Joinville, ainda falte estrutura e preparo para apoiar iniciativas voltadas à menstruação sustentável, o que dificulta a expansão do seu projeto.

Tathi e Vanessa passam pela mesma situação. Elas destacam que um dos principais desafios é equilibrar o crescimento financeiro com a proposta de consumo consciente. “Nossos produtos são duráveis e multifuncionais, não incentivam o consumo excessivo. A dificuldade é ir contra o sistema que estimula o consumo desenfreado”, afirmam.

Por isso, elas reconhecem que o processo de expansão é mais lento e exige uma mudança de mentalidade das pessoas. “O consumidor não tem ideia do quanto ele tem poder de mudança, porque o que ele consome é o que vai ditar o que as empresas vão vender”, comenta Tathi.

Alexia, da Cósmica, diz que a dificuldade de escalar é, atualmente, o seu maior desafio. “As peças são exclusivas, únicas. Hoje eu trabalho por encomenda e perco clientes porque muita gente gosta de comprar “por impulso”. Quando um cliente me procura, a gente conversa sobre o tecido e, se a pessoa ver valor nisso, ela vai adorar. Mas ainda tem um fator comportamental, muitas pessoas acostumadas com o “fast fashion” de lojas como a Shein”, relata.

Outro obstáculo recorrente é o preconceito com produtos sólidos e naturais. Muitos consumidores desconfiam da eficácia de shampoos ou cosméticos sem fragrâncias sintéticas, acreditando que não irão funcionar tão bem quanto os industrializados. Essa resistência exige delas um esforço constante de convencimento e educação, mostrando os benefícios reais e a qualidade e eficácia dos produtos.

Mônica relata que um dos principais desafios é se comunicar com quem busca o que o salão oferece. Assim como Thati e Vanessa, ela percebe que muitas pessoas ainda não acreditam na eficácia dos produtos e técnicas naturais, e por isso é preciso conquistar a confiança do público. “Eu sempre brinco que se a gente fizesse progressiva tinha fila na porta”, comenta.

A cabeleireira destaca a dificuldade de empreender por conta da falta de incentivos para pequenos negócios, especialmente no acesso a empréstimos e subsídios, que geralmente são mais direcionados a grandes empresas. Assim, o crescimento ocorre de forma solitária, com muito esforço e poucos apoios estruturais.

Por outro lado, Mônica observa que quando empreendedores se conectam e criam redes de colaboração, as chances de sucesso aumentam. Nesse sentido, ela ressalta que a participação no coletivo Joinville Lixo Zero é positiva, por aproximar pessoas com objetivos semelhantes e fortalecer o senso de comunidade.

Apesar de atuarem em áreas diferentes, as empreendedoras constroem juntas uma rede de apoio e colaboração que fortalece seus negócios e amplia o impacto de cada iniciativa. Elas compartilham aprendizados, indicam produtos entre si e priorizam o uso das marcas umas das outras.

Um exemplo é o Espaço Ébano, que utiliza cosméticos da Planth e aventais da Cósmica. Mônica tem parcerias com duas marcas de cosméticos naturais locais, que geram troca de indicações e clientes. Para atender clientes que não se adaptam aos cosméticos sólidos, ela também passou a trabalhar com a Kanimambo, marca local de produtos líquidos e naturais, também criada por outra mulher empreendedora, a Joseanair Hermes.

Esse apoio mútuo resulta em benefícios tanto para o salão quanto para as marcas. “É uma parceria que deu certo, sabe? Porque a gente tem realmente clientes em comum”, menciona. Isso mostra que o fortalecimento coletivo é um caminho possível para enfrentar os desafios do empreendedorismo sustentável.

Além disso, o espaço passou a utilizar aventais da marca Cósmica, feitos por Alexia, confeccionados a partir de materiais reutilizáveis. “Eu queria fazer uns aventais com material reutilizável”, conta Mônica. Ela procurou Alexia, que aceitou o desafio mesmo sem ter feito algo semelhante antes. O resultado agradou tanto que os aventais acabaram se tornando o uniforme do salão.

Para Mônica, essa iniciativa reforça a importância de consumir de forma consciente e valorizar a produção local. “É muito legal você, a partir da sustentabilidade, entender que tem coisas no mundo que não precisa comprar novo, e muitas vezes ainda valorizar quem é daqui”, afirma.

Ela destaca que essa é uma prática recorrente no Ébano: sempre que possível, a preferência é por fornecedores locais. Além disso, a rede do coletivo Lixo Zero fortalece essa busca, conectando empreendedores que compartilham os mesmos valores e oferecem soluções sustentáveis e criativas.

Todas as empreendedoras entrevistadas fazem parte do coletivo Joinville Lixo Zero, uma rede formada por pessoas e instituições voluntárias que atuam para transformar Joinville em uma cidade comprometida com a gestão consciente dos resíduos.

A conexão vai além da economia, já que, entre elas, criam-se vínculos de confiança e propósito. Ao se apoiarem, elas demonstram que é possível construir um modelo de desenvolvimento mais justo e coletivo, onde o sucesso de uma impulsiona o crescimento da outra e o fortalecimento da comunidade como um todo.

O Joinville Lixo Zero promove oficinas, mutirões, eventos e consultorias voltadas à educação ambiental e à disseminação do conceito Lixo Zero, uma meta ética e visionária que orienta indivíduos e organizações a evitar a geração de lixo, priorizando a reutilização, a reciclagem e o reaproveitamento.

O coletivo faz parte da rede de embaixadores do Instituto Lixo Zero Brasil, referência no país em relação ao tema. O movimento de mobilização Lixo Zero é realizado anualmente em centenas de cidades, incluindo Joinville, que foi premiada em edições anteriores (2019 e 2022) como uma das maiores e mais engajadas do Brasil.

A empreendedora Mônica pretende criar o projeto Eco Ébano, voltado ao reaproveitamento dos cabelos cortados. A ideia é produzir mantas de contenção para acidentes na natureza feitas com cabelos descartados.

Essas mantas poderiam ser usadas, por exemplo, para absorver óleo em acidentes ambientais, como derramamentos no mar ou em estradas. A ideia é aproveitar a capacidade absorvente do cabelo para ajudar na limpeza desses tipos de desastres, uma prática que já existe em outros países.

“O cabelo contém muita queratina e, se descartado de forma inadequada, demora muito para se decompor no meio ambiente”, informa. Por isso, ela também pensa em formas mais sustentáveis de destinar esse material, como a compostagem adequada.

Apesar do projeto ainda não ter um parceiro para para viabilizar a produção dessas mantas, Mônica já guarda cabelos coletados há mais de ano, mantendo a ideia no radar até encontrar uma parceria que permita colocar o projeto em prática.

Ela reforça o compromisso com práticas sustentáveis e a busca constante por soluções criativas para reduzir o impacto ambiental do salão, mostrando que a preocupação vai além dos produtos usados, alcançando também o reaproveitamento dos resíduos gerados.

A busca por inovação e expansão sustentável também é compartilhada por Alexia, que pretende desenvolver ecobrindes como ecobags, estojos e necessaires feitos com materiais reaproveitados de empresas. Ela também planeja ampliar suas encomendas e treinar uma pessoa para auxiliar na expansão do negócio, mostrando o desejo de crescimento alinhado com práticas conscientes.