Em carta, juiz se despede de detentas e detentos ao deixar vara de execuções penais de Joinville

Juiz João Marcos Buch deixou Comarca da cidade após 11 anos

Em carta, juiz se despede de detentas e detentos ao deixar vara de execuções penais de Joinville

Juiz João Marcos Buch deixou Comarca da cidade após 11 anos

Bernardo Gonçalves

Em uma “carta” de despedida, o juiz João Marcos Buch se despediu das detentas e detentos do complexo prisional de Joinville. Após 11 anos, ele deixou a Vara de Execuções Penais da Comarca da cidade no início do mês de abril para ir para Florianópolis, onde avaliará recursos interpostos contra decisões e sentenças de 1º Grau do Tribunal de Justiça.

No documento, enviado no dia 31 de março, Buch destaca que muitas coisas mudaram desde que começou a trabalhar na vara de execuções penais, em 9 de março de 2012. De acordo com ele, a população prisional aumentou, mas a estrutura não acompanhou essa mudança.

“Embora nunca tenha estado preso, reconheço que a prisão passou a fazer parte da minha vida desde que comecei a trabalhar na execução penal. Ao olhar para vocês nas prisões – seja na Penitenciária, Presídio Regional ou Presídio Feminino – sinto uma profunda angústia. Como juiz que defende os direitos humanos e acredita na Constituição e na Justiça, é difícil lidar com um sistema prisional brasileiro que viola direitos e está em um estado inconstitucional”, lamenta.

Também na carta ele relembra de uma história com os presos. Segundo ele, a cela estava superlotada, precária e abafada e ele queria entrar para sentir o que eles sentiam.

“A porta foi aberta e, mesmo eles dizendo que não era necessário tirar meus sapatos, eu o fiz, pois não queria pisar com a sola dos meus sapatos onde eles dormiam. Ao entrar, me ofereceram um par de chinelos impecavelmente limpos. Eu os calcei e jamais esquecerei o que senti. Poucos minutos depois, parti, devolvendo os chinelos, que nunca mais saíram dos meus pés”, revela.

Para ele, um dia, as prisões não existirão mais. “Em seu lugar, teremos escolas, teatros, ginásios de esportes. Um dia olharemos para nossas crianças e nossos jovens como uma flor, uma folha de árvore na primavera, que precisa de sol, água e ar fresco.”

Em contato com à reportagem do jornal O Município Joinville nesta quarta-feira, 17, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina afirmou que ainda não foi definido o juiz que irá assumir o lugar de Buch.

Confira a carta na íntegra:

Carta de despedida às detentas e aos detentos do Complexo Prisional de Joinville.

Estava planejando enviar esta carta na próxima quarta-feira, mas devido aos rumores sobre minha saída da Vara de Execuções Penais de Joinville, decidi enviá-la agora para evitar informações desencontradas. É praticamente certo que deixarei a Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville na primeira semana de abril/23 e irei para Florianópolis.

No entanto, o futuro é incerto e a saída pode ocorrer na última semana de abril. Até o momento, tudo indica que sairei no dia 5. Um novo juiz ou juíza irá me substituir e estará preparado para lidar com a execução penal. Desde o dia em que comecei a trabalhar na Vara de Execuções Penais, em 9 de março de 2012, muitas coisas mudaram.

A população prisional aumentou, mas a estrutura não acompanhou essa mudança. Embora nunca tenha estado preso, reconheço que a prisão passou a fazer parte da minha vida desde que comecei a trabalhar na execução penal. Ao olhar para vocês nas prisões – seja na Penitenciária, Presídio Regional ou Presídio Feminino – sinto uma profunda angústia. Como juiz que defende os direitos humanos e acredita na Constituição e na Justiça, é difícil lidar com um sistema prisional brasileiro que viola direitos e está em um estado inconstitucional.

É doloroso saber que as coisas poderiam ser diferentes, mas não são. As políticas públicas deveriam se concentrar nas populações vulneráveis e permitir que os jovens realizassem seus sonhos por meio da cidadania e da igualdade de oportunidades. É ainda mais difícil viver encarcerado em um país que ainda não aprendeu a respeitar plenamente a integridade humana. No entanto, devo seguir em frente.

Meu novo trabalho em Florianópolis será no Tribunal de Justiça, onde avaliarei recursos interpostos contra decisões e sentenças do 1º Grau. Isso significa que continuarei a julgar de acordo com a Constituição e os direitos humanos, independentemente da área em que atue. Acredito que poderei continuar o trabalho que me propus a fazer desde o meu primeiro dia como juiz, que é buscar justiça para as pessoas que precisam dela.

Levarei todos vocês comigo pelo resto da minha vida. Lembro-me de uma vez que perguntei aos presos de uma cela superlotada, precária e abafada se poderia entrar para sentir o que eles sentiam. A porta foi aberta e, mesmo eles dizendo que não era necessário tirar meus sapatos, eu o fiz, pois não queria pisar com a sola dos meus sapatos onde eles dormiam.

Ao entrar, me ofereceram um par de chinelos impecavelmente limpos. Eu os calcei e jamais esquecerei o que senti. Poucos minutos depois, parti, devolvendo os chinelos, que nunca mais saíram dos meus pés.

Um dia, as prisões não existirão mais. Em seu lugar, teremos escolas, teatros, ginásios de esportes; um dia olharemos para nossas crianças e nossos jovens como uma flor, uma folha de árvore na primavera, que precisa de sol, água e ar fresco. Até lá, continuarei na luta pelos direitos humanos, por ora em outra cidade, por ora em Florianópolis. Desculpem-me por não ter conseguido fazer mais…

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