Com apenas 16 anos, a jovem taiwanesa Chuang Hsiaowen saiu da cidade natal Zhang Hua (Changhua) para se aventurar no mundo. Incentivada pela mãe, Chuang decidiu fazer um ano de intercâmbio em Joinville, uma cidade a mais de 18 mil quilômetros de distância de casa. O que era para ser um ano sabático, virou uma vida. Ela se formou, empreendeu e cerca de 25 anos depois, Chuang se vê como uma joinvilense. “Tenho amigos que dizem que já tenho até sotaque daqui”, conta ela.
A história de Simone é a última a ser contada na série Virei Joinvilense, um especial produzido pelo jornal O Município Joinville. Ao todo, foram cinco reportagens e cinco vídeos. Toque para conferir.
Assim como muitos estudantes, Chuang não se adaptou com a rotina de estudos da escola. Segundo ela, em Taiwan, os estudos são a maior parte da vida de uma criança. De segunda a sábado ela estava na escola. As aulas iniciavam às 7h30 e terminavam às 18h, depois ainda havia reforço até as 20h30. Ela se sentia sobrecarregada.
Chuang não sabia exatamente o que queria para o futuro, mas estava certa que procuraria uma vida mais leve. A situação ficou ainda mais complicada quando chegou o momento de passar em uma boa escola pública, pois a família não podia pagar por um colégio particular.
Foi então que a mãe dela sugeriu um intercâmbio no Brasil. A ideia era que Chuang tirasse um ano para conhecer outra cultura, relaxar e voltar para finalizar a escola. Como a tia dela morava em Joinville e a mãe tinha outros amigos pelo país, decidiram que o destino seria o Norte de Santa Catarina.
“Foi falado que Joinville era uma cidade mais tranquila e calma. Para um adolescente ficar em Joinville é o melhor que tem. Não é pequeno, mas não é muito grande”, conta.
Chuang pousou em São Paulo em junho de 1998. “Eu lembro que estava uma loucura no Brasil, foguete em todo lugar”. Era ano de Copa do Mundo e o Brasil ia bem na competição.
“Naquele momento a gente nem conhecia o que era Copa do Mundo”, lembra Chuang. A competição, que ocorreu na França, terminou em julho daquele ano. A Seleção Brasileira foi até a final, mas terminou em segundo lugar.
De São Paulo, Chuang e a tia, que foi a Taiwan visitar familiares e buscar a sobrinha, pegaram um ônibus em direção a Joinville. A empolgação era grande para a adolescente, que ao saber que estavam entrando na cidade, passou a reparar cada detalhe.
Passando pela rua Ottokar Doerffel, Chuang se encantou com um lindo parque, repleto de flores artificiais, no topo de um morro. Ela achou o cenário maravilhoso. “Até que descobri que é um cemitério municipal aqui em Joinville”, conta.
Ela e a tia foram morar em uma casa no bairro Saguaçu. O imóvel foi comprado pela tia e o pai de outro taiwanês, que se mudou para o Brasil meses depois. A casa era perto da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), local que ela começou a frequentar para fazer exercícios e acabou conhecendo diversas pessoas. Naquela época, Chuang visitava o Mirante do Morro do Boa Vista semanalmente. A estrutura ainda era em formato de caracol.
Para passar o tempo, que antes era preenchido com a escola e visitas à avó, Chuang adotou a televisão como parte da rotina. Segundo ela, foi assim que aprendeu mais o português. “Eu lembro da novela ‘A Casa das Sete Mulheres’, essa foi muito legal”, recorda.
“Esse primeiro ano foi maravilhoso, parecia um pássaro que tá dentro da gaiola e foi para casa. Pensa, 16 anos, sem pais, foi ótimo, muita coisa para conhecer”, confessa Chuang.
Com o fim do intercâmbio, Chuang precisou voltar a Taiwan. Mas já estava decidida a voltar e tentar a vida no Brasil.
Já em Taiwan, Chuang conversou com a mãe sobre voltar. “Eu preferi porque não tem essa pressão para estudar tanto, as escolas aqui são meio dia, mais light”, ressalta.
Quando finalmente voltou, foi matriculada na escola Germano Timm. Naquele ano ela fez a sexta série apenas para acompanhar o português, já que, pela idade, estaria mais avançada. “Tinha a tia que fala português, a gente tinha um tradutor lá em casa. No segundo ano precisei me virar sozinha e começamos a avançar no português”, afirma.
No ano seguinte, se mudou com a tia para a rua São Paulo e foi estudar no Rui Barbosa, onde fez o sétimo e o oitavo ano. Nos anos seguintes, se inscreveu no supletivo e concluiu o Ensino Médio. Nesse estágio, ela já entendia melhor o português.
Quando a situação complicava, ela recorda que utilizava um dicionário. “Eu levava meu dicionário e sempre pegava o panfleto do supermercado, porque tem a figura e o nome embaixo, é assim que a gente começa a aprender no dia a dia”, recorda.
Na escola, Chuang fez amigos e começou uma vida social. Até que um dia uma colega sugeriu que ela adotasse um nome em português, pois era muito difícil falar Chuang. A taiwanesa aceitou, mas não sabia qual seria o nome ideal.
Na época, a cantora Simone estava no auge e era a favorita da amiga, que sugeriu uma homenagem a artista. “Eu achei legal, um nome gostoso, bonito”, conta.
Embora tenha escolhido criar raízes em Joinville, Simone ainda sente falta de alguns costumes e comidas do país natal. “Acho que aqui é pouca folhagem, aqui come mais em salada, mas a culinária oriental é mais refogada de folhas, tem poucos tipos no Brasil”.
Os favoritos dela, como espinafre chinês, broto de chuchu e broto de abóbora, ela só encontra em alguns lugares de Curitiba e São Paulo. Para ela, a culinária brasileira é um pouco pobre quando o assunto é folhagens e formas de cozinhar. No restaurante que ela administra com a tia, os pratos são preparados utilizando técnicas orientais, como o cozimento a vapor, ao bafo, frito e refogado.
O local serve comida brasileira e taiwanesa há 9 anos, com a proposta de apresentar pratos econômicos e sem carne. Todo o cardápio do Ming Zhou é vegetariano ou vegano e faz sucesso entre os brasileiros. Simone conta que é comum pessoas carnívoras conhecerem o espaço e virarem clientes fiéis.
“A gente gosta de conquistar estômago de um carnívoro, ao comer em um restaurante sem carne, não sente falta”, ela explica. “A gente também quer [acabar] com uma visão do brasileiro que acha que para ser vegetariano ou vegano precisa ser rico”, pontua a taiwanesa.
Enquanto no Brasil ela sente falta das opções de folhagens da terra natal, e Taiwan, ela sente saudade do pão de queijo. “Sempre que volto quero comer, chego no aeroporto já pego um pão de queijo”.
Em relação aos costumes, Simone sente que a ligação entre pais e filhos deixa a desejar. Em Taiwan, todos os domingos os netos vão à casa dos avós para visitá-los. A família é parte obrigatória na vida de um taiwanês, que deve cuidar dos pais quando envelhecem.
Já no Brasil, Simone sente que isso é diferente. Para ela, os filhos costumam ter menos responsabilidades em relação aos pais, enquanto em Taiwan é cultural acolher os genitores na velhice.
Mesmo que a mãe passe alguns meses no Brasil com ela, Simone sabe que vai chegar o momento que ela precisará largar tudo em Joinville e voltar para cuidar dos pais. Inclusive, a mãe de Simone é famosa no bairro por promover oficinas de Tai chi chuan na Praça da rua Piratuba. Nos meses que ela passa em Joinville, é comum ver o grupo praticando a arte milenar em alguns dias da semana.
Além dela, a irmã mais velha e o irmão caçula, que moram no Brasil, devem se programar para o momento que vão precisar tomar conta dos pais.
Outra grande diferença entre Joinville e Zhang Hua é o visual das ruas. Na cidade dela, existem corredores de calçamento com cobertura, desta forma, se chover, as pessoas não se molham. “A gente sabe que Joinville tem muita chuva, aqui não tem onde esconder”, comenta.
A quantidade de placas nas ruas também impressionou Simone, que estava acostumada com ruas repletas de propagandas por onde olhasse. Hoje ela já está acostumada e entende que Joinville tem pontos muito fortes, como os poucos prédios em área urbana. “O céu parece maior, com muito prédio fica limitado”, observa.
Como Simone acompanhou uma parte expressiva do crescimento de Joinville, ela aprendeu a valorizar iniciativas que reduzem o trânsito, comuns em Taiwan. Na cidade dela, por exemplo, não existem ônibus circulares e há poucos carros. A maioria das pessoas anda de motocicleta ou bicicleta para a locomoção diária. Quando é necessário fazer viagens maiores, de uma cidade para a outra, o trem é o veículo mais utilizado.
“Lá tem muita população, então o governo e a prefeitura não cobram aluguel da bicicleta, se você faz o deslocamento que não passa de trinta minutos”, explica. Ela recorda que o sistema funciona muito bem desde os 16 anos, quando saiu de Taiwan pela primeira vez.
Pouco tempo depois de concluir o supletivo, Simone foi convencida pela amiga a entrar na faculdade de Turismo para estudarem juntas. Na época, o FCJ, no antigo Colégio Elias Moreira, passou a ofertar o curso e Simone entrou na primeira turma.
“O turismo se divide em dois tipos, o turismo normal de viagem e outro turismo industrial, e acabei ficando mais nisso”, conta ela. Ao concluir a faculdade em 2004, começou a trabalhar como tradutora para empresas de Joinville. O crescimento das relações comerciais entre o Brasil e a China, possibilitaram que ela trabalhasse para as maiores empresas da região, como a Embraco, Whirpool, WEG, Arcellor Mittal, entre outras.
“Muitos chineses acabaram chegando em Joinville e acabei entrando na área”, explica. As conexões que ela firmou na faculdade ajudaram ainda mais a abrir o leque de serviço que ela passou a ofertar. Alguns colegas dela trabalhavam em agências, com todo o sistema de transporte e roteiro turístico.
Durante a semana ela acompanhava chineses nas feiras e empresas, e aos fins de semana ia nos passeios pela região. A tradução permitiu que Simone conhecesse o Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Campo Grande e outras regiões do país.
Mas ela lembra até hoje da primeira experiência, que foi traumática. Na ocasião, ela foi chamada pela Embraco para prestar o serviço de intérprete. Entretanto, embora falasse português, não tinha domínio dos termos industriais. “Eu me senti muito decepcionada com meu português, não conseguia avançar, mas a gente aprende na prática e continuei fazendo isso”, lembra.
Após longos anos de experiência, Simone começou a cansar um pouco da função. A rotina nas empresas consumia muito ela. Durante os primeiros anos no mercado de trabalho, Simone começou a considerar colocar o sonho dela em prática: abrir um restaurante.
O Ming Zhou foi o trabalho de conclusão de curso (TCC) dela, que desejava oferecer um espaço saudável e seguro para os turistas. “No meu TCC coloquei um restaurante vegetariano para receber o turista com uma viagem de tranquilidade, que não pega frutos do mar, com doenças ou carne”, recorda.
Em 2016, o restaurante virou realidade. Já que Simone não sabia cozinhar, abriu o negócio com uma tia, também de Taiwan. “Ela também queria abrir restaurante, só que ela não fala português e eu não sei cozinhar”, conta
Mas nem tudo são flores. Simone lembra que quase desistiu de empreender um mês antes.
“É triste abrir um negócio aqui, muita burocracia para tocar um negócio”, desabafa. “É bem difícil até hoje”, conclui.
Para os próximos anos, Simone quer trabalhar menos. Após poucos ela está largando os serviços de intérprete e pretende organizar a vida de forma que fique mais leve. “Na realidade nunca pensei que iria embora, mas agora que chegou uma certa idade, a gente começa a pensar”, conta sobre a possibilidade de deixar Joinville para trás.
Segundo ela, 2024 é o ano em que ela vai planejar como serão os próximos passos. Ela sabe que vai precisar voltar para cuidar dos pais, mas ainda tem muito o que resolver por aqui. “Eu nem sei como vai acontecer pra frente já que minha irmã casou e meu irmão casou. Voltando a essa questão de amor filial, a gente já sabe que tem essa responsabilidade de cuidar dos pais”, explica. “Não sei até quando vou conseguir ficar aqui.”
Enquanto não decide sobre o futuro, ela aproveita os raros momentos livres para sair com os amigos. “Joinville esta cheia de cafeterias, eu gosto de café, escolho um café para ir a cada quinze dias”, ela conta. Para Simone, mesmo que a cidade tenha crescido e perdido um pouco da tranquilidade, ela aprecia muito o número de prédios construídos.
“O céu parece maior, com muito prédio fica limitado”, conta a taiwanesa, que ama observar o céu até quando está nublado.