“Em que posso ajudar?”. Conheça Nice, telefonista há 20 anos da Prefeitura de Joinville
São 94 linhas na central telefônica e mais de 400 ramais que Elenice Hornig Fernandes tem decorado na memória
“Prefeitura, bom dia! Em que posso ajudar?”. À primeira chamada do telefone – antes de um segundo toque – Elenice Hornig Fernandes, 53 anos, aperta um dos botões da central telefônica e dispara a frase que, sem sombra de dúvidas, é a mais dita durante suas seis horas de expediente.
“Fizemos uma soma, atendemos cerca de 300 ligações por dia”, diz Nice, como é conhecida carinhosamente pelos corredores da prefeitura de Joinville, local onde trabalha há 20 anos como telefonista.
Rigorosamente às 7h, Nice chega à sua mesa, em uma sala de 20 metros quadrados ao fim do corredor, coloca o headphone e fica imersa em suas ligações. A partir do momento que senta em frente ao computador, mesmo com ruídos ao redor, nada mais lhe tira a atenção.
“Eu chego quinze pras 7h, tomo um ‘cafezinho’ e começo. Às vezes lembro que tem que tomar água e ir ao banheiro quando já são 11 da manhã”, brinca.
Muito mais que uma telefonista
Desde sua chegada à prefeitura, Nice conta que já treinou muitas meninas, algumas delas não permaneceram na função. “O trabalho da telefonista é atender e repassar ligações, mas quem entra na prefeitura não tem noção do que é isso aqui. No dia a dia, mais do que passar a ligação, você acaba se envolvendo com as situações”, explica.
Na prática, a telefonista precisa atender a ligação e transferir para o ramal solicitado pelo contribuinte, seja sobre assuntos relacionados à saúde, educação ou solicitações à secretaria da Fazenda.
Além disso, são responsáveis também por atender demandas internas e, às vezes, pedidos de prefeituras e instituições de outras cidades, já que as ligações feitas para o número da prefeitura caem direto na central telefônica.
“Nós somos multifuncionais, costumo dizer. Somos psicólogas, ajudantes, um pouco de médicas, jornalistas. Falamos sobre tudo. Na verdade, a gente atende a população inteira, precisamos estar por dentro de tudo que acontece no município”.
Apesar de fazer questão de anotar em um papel todas as ligações atendidas por dia, a memória de Nice funciona “no automático”, como diz. Na central há 94 linhas entrantes, que nunca ficam ocupadas, e mais de 400 ramais.
Dificuldades na pandemia
Dentro da rotina de trabalho, há os que ligam pra reclamar do buraco na rua, pedindo ajuda para resgatar animais, para pedir telefone de lojas, agradecer pelo serviço prestado ou simplesmente para bater papo.
“No pico da coisa, sei tudo de cabeça. A gente fala o tempo todo”, afirma.
Durante a pandemia, ao contrário de outros serviços, a central telefônica não parou. Continuou funcionando das 7 horas às 19 horas. Com isso, além da demanda normal de trabalho, as telefonistas precisam se atualizar sobre um novo assunto: a Covid-19.
“Tivemos orientação da saúde, para quando acontecesse alguma situação sabermos o que fazer e para onde direcionar. Mas a pandemia trouxe muito desgaste, medo, e como não tinham para onde ligar, caía tudo aqui pra gente”, conta.
“No geral, foi um ano muito sofrido, de muito trabalho, muito xingamento, humilhação. As pessoas acabavam fazendo isso, a gente entende até o que eles estavam passando, mas não justifica o xingamento”
Com a escassez de outros atendimentos, as telefonistas tiveram de dar suporte para a população. Mas nem sempre as abordagens foram agradáveis.
“No geral, foi um ano muito sofrido, de muito trabalho, muito xingamento, humilhação. As pessoas acabavam fazendo isso, a gente entende até o que eles estavam passando, mas não justifica o xingamento”, argumenta.
Nessas situações, ela precisa tirar um tempo para respirar. Nice conta que retira o headphone da orelha e senta em uma cadeira azul no canto esquerdo da sala, próxima à cabine de linhas. O local é carinhosamente chamado de “cantinho do pensamento”.
“O segredo é ter paciência e tentar entender o que o solicitante quer. Precisamos ter muito cuidado, porque também temos problemas, todas nós temos famílias. Eu sento ali respiro, tomo uma ‘aguinha’. Não é fácil lidar com o contribuinte, ainda mais nervoso, querendo algo”, defende.
Começou como professora
Como retratado em uma foto e dito por ela mesma, quando entrou na prefeitura, Nice não tinha um fio de cabelo branco. Ela começou a trabalhar muito jovem, aos 13, para ajudar com as despesas de casa.
Natural de São Bento do Sul, seu primeiro emprego foi em uma montadora de móveis de Campo Alegre, cidade vizinha. Aos 20, conseguiu emprego como professora, em uma escola multisseriada. Lá, além de dar aulas, ainda fazia a merenda para os alunos.
“Português, matemática, educação moral e cívica. Eu dava aula para quatro séries em uma sala só. As turmas ficavam divididas por carteiras. O quadro era de giz, numa sala de madeira. Os planejamentos eu fazia tudo à mão”, lembra.
Em 1997, prestou concurso público para trabalhar na prefeitura de Joinville, onde passou em sétimo lugar, mas só foi chamada três anos depois.
Das duas décadas que ocupa o cargo de telefonista, já viu seis prefeitos passarem pelo executivo municipal e acompanhou a implementação de novas tecnologias em seu trabalho. Exceto a de sua central telefônica, que já estava ali desde muito antes de Nice entrar.
“Essa máquina foi trazida lá da prefeitura velha, da rua Max Colin, mas ela ainda funciona direitinho”, conta.
Sem telefone fora do expediente
Às 13 horas, fim de seu expediente, Nice deixa de ser telefonista e cuida da sua casa. Em seu tempo livre, faz docinhos e bolachas de melado, “muito famosas”, segundo ela, para complementar a renda da família. Seu marido perdeu o emprego no início da pandemia.
“Quando saio, chego em casa e já digo: ‘não atendo telefone’. Se me perguntarem os ramais é capaz de eu nem lembrar. É outro mundo”, ri.
Morando em Joinville há mais de 30 anos, no bairro Jardim Iririú, mesmo durante as folgas Nice mantém o ritual de acordar cedo. Desde jovem, gosta de cultivar verduras no quintal de casa. Aos fins de semana, costuma ir ao sítio do sogro, em Campo Alegre.
Para os próximos anos, apesar de gostar da profissão, Nice pretende largar a correria de trabalho e aproveitar mais a família, ao lado de seus dois filhos que, apesar de casados, ainda moram por perto.
“Tenho amor pelo que eu faço, sempre gostei muito de fazer este atendimento e ajudar as pessoas. Mas ano que vem espero me aposentar, estou cansadinha”, afirma.
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