Entenda como funciona o corte de linhas de ônibus em Joinville
Moradores relatam dificuldades de locomoção por conta da redução de horários
Moradores relatam dificuldades de locomoção por conta da redução de horários
Quando a pandemia da Covid-19 teve início em março do ano passado, o sistema de transporte coletivo ficou suspenso por seis meses. Com o retorno do serviço, ainda em período de calamidade pública, veio a queda no número de passageiros e, consequentemente, o corte de horários e linhas.
Antes da paralisação, os ônibus transportavam 130 mil joinvilenses pelos quatro cantos da cidade, segundo a Passebus. Hoje, esse número é de 60 mil, o que representa uma queda de mais de 50% de passageiros. Para não gerar custos excessivos e o aumento da tarifa, foi necessário retirar o transporte de circulação em alguns locais, afirma o gerente de operações da Passebus, Alcides Bertoli.
“Tiramos as linhas que tinham baixo índice de passageiro por quilômetro, chamado de IPK. Hoje, o sistema tem uma média de um 1,5 passageiro pagante para cada quilômetro rodado. [Se a linha] tem três ou quatro passageiros por quilômetro, mantemos. Já as que estavam abaixo de 0,3, ou seja, a cada três quilômetros, um passageiro para ajudar a pagar conta, essas linhas foram paradas”, explica Bertoli.
Ao todo, foi necessário desativar 70 linhas, todas com IPK menor que 0,3. Porém, 70% delas eram escolares e universitárias, afirma o gerente.
Além disso, também há casos de linhas que tiveram o número de viagens reduzidas. Estas, possuem passageiros em alguns momentos específicos do dia, por isso não são canceladas, mas parte de seus horários acabam desativados por baixo volume de clientes.
A demanda de usuários é um dos principais fatores decisivos para as operações do transporte coletivo e também pode apontar necessidade de mais linhas. Foi assim que surgiram as chamadas linhas expressas, criadas durante a pandemia. Elas conectam os terminais dos bairros, sem necessidade de passar pelo Centro.
“Isso foi uma conversa que nasceu com a Secretaria de Saúde, que pediram para nós diminuirmos as filas no centro. Essa brincadeira tira por dia, às cinco horas da tarde, 670 pessoas do terminal central”, explica Bertoli.
Por se tratar de um serviço público municipal, as sugestões de cortes e as novas linhas são feitas pelas empresas operadoras, mas todas as mudanças passam pelo aval e autorização da prefeitura, lembra Bertoli.
São as linhas com maior volume de passageiros, como as centrais, que acabam pagando a viagem daquelas com IPK menor. Era assim que a operação do transporte funcionava antes da pandemia. Porém, com a queda significativa de passageiros, foi necessário fazer cortes, aponta o gerente de operações.
Fazer as reduções nem sempre é tarefa fácil, afirma, já que as linhas com menor índice de passageiros são as que levam moradores para locais mais afastados ou periféricos. “O cara é um munícipe, ele tem que andar, eu sei. Mas, se eu for lá para buscar aquela pessoa, eu vou fazer com que a tarifa suba. Eu não tenho quem financie isso”, justifica.
Moradora do bairro Nova Brasília, Aline Alves é auxiliar de departamento pessoal e foi diretamente afetada pelos cortes e reduções. A linha que a leva para casa, em uma localidade afastada, às margens da BR-101, teve os horários reduzidos, sendo que o último passou a ser às 17h30.
Aline, que trabalhava até as 18 horas, precisou pedir permissão no emprego para sair uma hora mais cedo todos os dias e, assim, conseguir embarcar na linha que a leva até em casa. “Mas, se depois do trabalho eu precisar ir em algum outro lugar, já fico sem opção de ônibus”, explica. O jeito, muitas vezes, acaba sendo o transporte por aplicativo, que sai mais caro.
Do outro lado da cidade, na zona Norte, a comunidade do Quiriri também tem sofrido com os cortes. O vendedor Tiago Alexandre Meira, 30 anos, conta que há linhas com horários às 7h30 e, depois, somente ao meio-dia. “A região do Quiriri é distante de tudo. Para o pessoal que trabalha, ir ao médico, ao mercado, o ônibus é o mais viável, mais barato”, explica o morador.
No caso de Tiago, por exemplo, a família tem conseguido se virar como pode, mas o gasto é grande. Para a esposa ir e voltar do trabalho, são gastos R$ 450 por mês com o Uber.
Em sua opinião, há passageiros suficiente para pagar as viagens do transporte coletivo local. “Os ônibus iam lotados”, conta. A impressão que dá, opina Tiago, é que a população que mora nos locais mais afastados foi esquecida por quem faz a gestão do transporte público.
Descontentes com os atuais horários de ônibus, os moradores da região de Pirabeiraba se uniram e realizaram uma manifestação no início do mês para pedir a volta de todas as linhas que atendem a população local.
“Desde o início da pandemia várias linhas foram retiradas, prejudicando centenas de pessoas que precisam principalmente trabalhar, muitos relatam ter perdido o emprego pela falta de linhas”, afirma Tiago.
Sobre a manifestação, as empresas que operam o serviço do transporte lembram que a autorização para corte, reduções ou retorno de linhas é realizado pela Prefeitura de Joinville.
Por isso, uma reunião foi realizada com a Secretaria de Infraestrutura Urbana (Seinfra) neste início do mês de julho. Tiago conta que os moradores saíram do encontro sem a resposta esperada. “Parece que vão tentar colocar uma ou outra linha”, conta. Segundo a Prefeitura de Joinville, ainda não há mudança definida para as linhas e que a pasta está analisando as possibilidades.
“Se a Seinfra pede, as empresas tem que botar [linhas de ônibus]”, defende Tiago. Por outro lado, o gerente de operações da Passebus destaca que, colocar um ônibus sem o mínimo de passageiros por quilômetro, aumenta o custo e, consequentemente, a dívida.
Ainda assim, Tiago defende: “para eles no papel é uma coisa, mas para a gente, a realidade é outra”, comenta Tiago. Segundo o morador, o transporte público não deveria funcionar com esta lógica, mas atender a população que precisa.
Como a reunião realizada pelos moradores com a Seinfra não resultou no retorno dos ônibus, novas manifestações serão realizadas. “O jeito é protestar”, defende o morador.
Apesar de ainda ter uma linha de ônibus que atende a região onde mora, o corte da linha que ligava os terminais Sul e Nova Brasília fez com que o ferramenteiro Everaldo Dobrodinc leve mais tempo para completar a viagem entre sua casa e o trabalho, localizado no Nova Brasília e Itinga, respectivamente.
Antes da pandemia, Everaldo levava cerca de 40 minutos para se transportar de ônibus entre os dois locais, ou seja, quase uma hora e meia para ir e voltar. Agora, o tempo dobrou, já que sem a linha que integra os terminais, precisa passar primeiro pelo o Centro. “Está horrível. Muito tempo no transporte, é cansativo”.
A aposentada Pedra Brenzink, que mora no Itaum, notou que há mais ônibus circulando nos terminais durante os dias úteis. Porém, lamenta a falta de horários nos fins de semana, principalmente aos domingos. “Se acontece uma urgência, não tem ônibus. Eu não sei usar o Uber. Então tinha que ter mais quantidade”, sugere.
O gerente de operações conta que, atualmente, são transportadas apenas 10 mil passageiros durante o sábado. Então, segundo o IPK, a circulação de veículos no sábado e domingo fica mais cara, aponta Bertoli. Por isso, foram reduzidos os horários de ônibus nos fins de semana, sendo mantidas apenas as linhas com maior fluxo, ou seja, as que ligam terminal central aos bairros.
Enquanto alguns moradores foram prejudicados por cortes, outros elogiam o aumento de horários em linhas com maior fluxo. Maiara Lopes da Silva, recepcionista, não tem reclamações sobre as linhas que utiliza, como por exemplo o Sul/Itaum, já que há boas opções de horários.
“E se está cheio, também colocam um ônibus extra”, conta. Com a pandemia, a capacidade máxima de passageiros por veículo é limitada e carros extras precisam ser usados para atender a demanda.
Rosalina da Silva é auxiliar de limpeza e atua em mais de um local de trabalho. Viajando entre o Costa e Silva, Boa Vista e Boehmerwald, a moradora pega linhas com grande fluxo e, consequentemente, mais opções de horários. “No começo [da pandemia] era mais difícil. Agora, melhoraram os horários e não preciso esperar muito”, conta.
Além do volume de passageiros, outro instrumento tem sido utilizado como indicativo de demanda. Bertoli conta que o sistema do onibus.info, site que os joinvilenses utilizam para consultar horários de ônibus, permite que a empresa operadora saiba quais são as linhas e horários mais acessados pela população.
Assim, segundo Bertoli, é possível perceber onde a demanda está. Muitas pessoas acessando o mesmo conteúdo pode ser um indicativo da necessidade de uma nova linha ou horário, diz.
Ainda assim, não é possível afirmar quando o transporte coletivo voltará a sua normalidade. Bertoli explica que a pandemia trouxe a dificuldade de fazer novas estimativas. Em 2020, esperava-se uma queda de 2% de passageiros, o que depois, passou a superior a 50%. Por isso, não há um prazo para o retorno de linhas e horários cortados. Isso vai depender do volume de passageiros, aponta.