Entenda projeto que cria política municipal para população de rua em Joinville
De autoria da prefeitura, texto está em análise na Câmara de Vereadores
De autoria da prefeitura, texto está em análise na Câmara de Vereadores
Por Larissa Dams e Melissa Andrade, estudantes de Jornalismo da Unisociesc
Joinville estuda a possibilidade da internação involuntária como estratégia para enfrentar a situação de moradores de rua. A Prefeitura de Joinville protocolou o projeto de lei 217/2024 em outubro do ano passado na Câmara de Vereadores, que institui a política municipal para a população de rua.
Atualmente, o texto está na comissão de Finanças, Orçamento e Contas do Município. O relator é o vereador pastor Ascendino Batista (PSD).
Segundo o Executivo, a proposta é baseada na lei federal 11.343/2006 e prevê “medidas para prevenção do uso indevido de drogas, além da reinserção social de usuários e dependentes”. A proposta também se respalda na lei 10.216/2001, que visa a proteção e direitos das pessoas com problemas psicológicos.
O projeto prevê a internação voluntária, quando há concordância, e a involuntária, que pode ser feita contra a vontade da pessoa, desde que um familiar responsável, assistência social ou servidor público da área da saúde solicite.
Em ambos os casos, é necessária a formalização médica para dar andamento no processo de internação. A internação será aplicada àquelas pessoas que são dependentes químicas.
Dados de uma pesquisa realizada pela empresa Qualitest, contratada pela própria prefeitura, possibilitou uma análise da quantidade de pessoas em situação de rua no verão e no inverno em Joinville. O diagnóstico ocorreu em julho e novembro de 2023.
No verão, foram contadas 436 pessoas em situação de rua na cidade, sendo 342 (78,45%) nas ruas e 94 (21,6%) nos serviços de acolhimento institucional. Durante o inverno foram 428 pessoas, sendo 258 (60,3%) nas ruas e 170 (39,7%) nos serviços de acolhimento.
O presidente da Câmara de Vereadores, Diego Machado (PSD), acredita no projeto e salienta que tudo depende de como cada pessoa reagirá. “Na situação que está, não dá para continuar. Precisamos tentar uma alternativa, e essa talvez seja a melhor no momento, que é uma política municipal de acolhimento a essas pessoas”, opina.
Conforme o projeto for debatido na Câmara, pode ter mudanças e, caso for para votação, ser aprovado de uma diferente da que chegou na casa. “O projeto, da maneira como chegou aqui, traz várias informações, como, por exemplo, a situação do acolhimento. Que não é simplesmente você pegar a pessoa que está em situação de rua, colocar num automóvel, levar para a cidade de origem, deixar em outro espaço. Existe toda uma política pública”, acrescenta.
A Câmara de Vereadores recebeu, no dia 21 de novembro do ano passado, um abaixo-assinado com 3,5 mil assinaturas de moradores dos bairros Bucarein, Anita Garibaldi, Atiradores e Saguaçu, solicitando providências em relação aos moradores de rua.
Criado por moradores, o perfil do Instagram “SOS Anita, Atiradores e Bucarein” tem ganhado força fazendo denúncias de furtos, arrombamentos e roubos, assaltos e ataques aos moradores. Segundo a biografia do perfil, o intuito é fazer um apelo às autoridades de Joinville para tomarem providências.
O advogado e professor de Direito da UniSociesc, Augusto Ginjo diz que não tem uma opinião formada. “Acho que a gente precisa prestar bastante atenção nessas políticas, porque para alguns especialistas, inclusive de outras localidades, já ficou comprovado que a internação compulsória não atinge os resultados que se espera”, comenta.
Ele diz que é preciso ter cuidado porque para muitas pessoas o processo de internação involuntária pode ser entendido e aplicado como uma questão de “higienização social”. “Aí eu acho que existe todo um problema por trás que realmente não se resolve com a internação compulsória”, opina o advogado.
Ele cita a cracolândia, em São Paulo, como um exemplo. “Tem que entender que existe todo um parâmetro ou uma questão social que levam as pessoas a estarem ali”, analisa. “Na minha opinião as pessoas estarem ali já é uma consequência de outras camadas que não estão sendo atendidas na vida dessas pessoas”, acrescenta Augusto.
A reportagem também entrevistou oito pessoas nas ruas de Joinville. Seis foram favoráveis e duas contra. Os argumentos foram diversos.
Natural de São Paulo, a operadora de produção Sandra Nascimento avalia o projeto de forma positiva. “É um caminho muito bom, que vai melhorar tanto para eles quanto também para a cidade, para não virar um caos”, comenta a moradora.
O fotógrafo Marcos Monteiro, que veio do Pará e mora no bairro Bucarein, opina que o número de moradores de rua que transitam no bairro aumentou por conta do Restaurante
Popular. Sobre o projeto, ele pensa que um teste é interessante. “Para saber se isso vai ser uma ação efetiva”, pondera.
“Dependendo da situação, acho que é uma boa ideia, porque a pessoa chega ao ponto às vezes de não ter nem noção sobre si mesma”, diz o estudante Mateus Xavier. Mariana Eduarda, de 18 anos e natural da Bahia, concorda com o projeto. “Para quem vive no Centro, não só no centro, mas em qualquer região que você for, infelizmente encontra pessoas na situação de rua, mas nesse ponto acho necessária a criação”, opina a jovem.
A visão de quem já viveu nas ruas, é outra. Esse é o caso de Clóvis Raul, ex- professor de História que após o falecimento da mãe foi abandonado pela família. Ele morava em Florianópolis e se mudou para Joinville, onde passou a viver nas ruas.
“Hoje não sou nada, esquecido pela sociedade, pelo Ministério Público, pelo poder público, pela Defensoria Pública. Quero ir embora para Florianópolis, que eu tenho uma casa para morar e a família tomou, e a própria Justiça não quer me ajudar, que não pode se meter”, desabafa.
“Hoje em dia um cachorro de rua vale mais que um ser humano. Tu bate em um cachorro, vai preso, vem a sociedade e bate na gente. Cadê os direitos humanos? Sou professor de História, estou jogado aqui ao relento. Vinte e poucos anos trabalhando como professor e hoje eu tô de cadeira de rodas, precisando de uma ajuda do poder público”, acrescenta.
Também é o caso de Gabriel Barbosa, que após anos no mundo do tráfico, sendo usuário de drogas e vivendo nas ruas, encontrou uma Associação Cristã que o ajudou. Atualmente ele vende alfajor nas ruas de Joinville para ter um sustento e também é missionário.
Gabriel diz que não é a favor da internação involuntária. “Eu que vivi na pele, não acho legal, não acho algo bom, que vai edificar na vida do usuário de droga, porque você tá indo contra a vontade da pessoa. Tem que ser voluntário”, opina.
A Secretaria de Assistência Social de Joinville realiza um trabalho de acolhimento e apoio para pessoas em situação de rua, visando reintegrá-las à sociedade.
Conforme a secretária Fabiana Cardozo, o processo começa com uma abordagem feita por um profissional, que encaminha o indivíduo para um cadastro. “O usuário recebe o encaminhamento para os serviços que necessitar, como emissão da segunda via de documentação, mercado de trabalho e capacitação profissional, assistência à saúde e encaminhamento para o Restaurante Popular”, explica.
Além disso, as pessoas em situação de rua têm direito a três refeições diárias e podem contar com o apoio do Centro POP. “Joinville também possui o Centro POP, que oferta atendimento socioassistencial, promovendo acesso a benefícios sociais, cursos profissionalizantes e espaços para higiene pessoal, além de realizar encaminhamentos para as Casas de Passagem”, afirma Fabiana.
Outras ações também são realizadas com o objetivo de contribuir para a ressocialização. Um exemplo é a parceria com o Centro Público de Atendimento aos Trabalhadores (Cepat), que auxilia no encaminhamento de pessoas em situação de rua para o mercado de trabalho, ajudando na busca por oportunidades e na qualificação profissional.