EXCLUSIVO – Empresa de Joinville é acusada de aplicar golpe em mais de mil clientes pelo Brasil
Produtos comprados nunca chegaram e consumidores não conseguem contato com a loja
A Mundial Eletro, empresa de Joinville, está no centro de diversos processos judiciais de mais de 1,3 mil pessoas de vários lugares do Brasil. Os clientes acusam a empresa de aplicar golpes. As ações na Justiça variam entre violações do Código de Defesa do Consumidor e, segundo advogadas envolvidas no caso, acusações de estelionato.
Clientes contam que os preços atraíram a curiosidade e que a desconfiança com os valores e a idoneidade do estabelecimento sumiram a partir de buscas na web. No site Reclame Aqui, uma das referências no assunto, a Mundial Eletro era muito bem avaliada, com nota 9,4, considerada ótima. Também havia avaliações positivas no Google e Google Maps.
Apesar de o CNPJ atual ter data de abertura em julho de 2023, no Reclame Aqui consta a informação de que a Mundial Eletro está na plataforma há quatro anos. Esse detalhe passou despercebido pelos clientes de início.
Eles fizeram as compras na página da loja, no site mundiaeletro.com.br. Esse foi o caso de Rafael Silva. “Fui olhar quatro ares-condicionados e encontrei essa Mundial Eletro. Ela estava com boa avaliação no Reclame Aqui, há mais de quatro anos de existência no RA, então me deu confiança para tomar a decisão de comprar”, comenta.
Com isso, ele confirmou a compra. “Comprei e paguei no PIX. Não havia grandes divergências de preços para os valores de outros mercados. No total dos quatro aparelhos, tive uma margem de desconto de R$ 800. Então, fiz o PIX”, lembra Rafael.
O mesmo aconteceu com diversas outras vítimas, como Débora de Jesus. “Eu e meu marido estávamos pesquisando ar-condicionado e surgiu essa Mundial Eletro. Vimos que era de Joinville, fomos até a loja e nos falaram que a promoção existente no site duraria só mais um dia. Cheguei em casa, finalizei a compra e paguei no PIX, porque era mais barato”, relata.
Sara Rodrigues, outra pessoa lesada pela loja, também comprou um ar-condicionado. Ao procurar a loja na internet, encontrou as boas avaliações e decidiu adquirir o produto. “Pelo PIX, tinha um bom desconto. Fechei a compra do ar, fiz o PIX e recebi a confirmação da compra, além da nota fiscal. O prazo de entrega era de 15 dias úteis, mas estava tudo certo”, conta.
Foi a partir do processo de entrega que os clientes começaram a suspeitar de irregularidades. Josiel, outro cliente, estranhou quando a Mundial Eletro não forneceu o código de rastreamento da compra, prática extremamente comum em compras pela internet. Todo o suposto trâmite logístico era notificado pelo e-mail.
“Eles mandavam cada etapa, como ‘produto despachado’, ‘produto em trânsito’. Isso era mandado pelo e-mail. Quando mandávamos e-mail pedindo o código de rastreamento e a transportadora, eles respondiam que não tinham acesso, sempre com alguma desculpa. O prazo de 15 a 20 dias úteis começou a ser extrapolado e o produto não chegava”, afirma Josiel.
A tentativa de obter informações sobre a entrega também foi sem sucesso para Sara. “Quando eles mandaram e-mail falando que o produto estava em transporte, não mandaram o código de rastreio. Entrei em contato e a resposta foi que, como eles optavam por uma transportadora, eles mesmos atualizavam o status”, diz.
Um exemplo de como aconteciam as atualizações são os e-mails para o Rafael Silva. Confira:
“Imagino que, para ganhar tempo, o pessoal criou toda essa estrutura de trâmite do pedido, da movimentação da mercadoria. O pessoal ficou ganhando tempo com isso e, provavelmente, foi movimentando esse dinheiro entre as contas. Assim, foi o golpe”, supõe Rafael.
Com a falta de informação e sem as entregas, as pessoas começaram a publicar relatos no Reclame Aqui, no qual a nota da Mundial Eletro baixou drasticamente. Atualmente, nem avaliação há, pois está sob análise do site.
A plataforma Google Trends indica que houve um aumento nas buscas do termo “Mundial Eletro é confiável”. Analisando o período dos últimos 12 meses, houve algumas buscas no ano passado, mas as pesquisas aumentaram a partir agosto deste ano. Sobre o termo “Mundial Eletro”, o Trends mostra que nos últimos 12 meses houve um aumento repentino nas buscas por “Mundial Eletro Reclame Aqui”, “ME Mundial Eletro” e variações sobre a confiabilidade da empresa.
Com as suspeitas, Josiel criou um grupo no WhatsApp para juntar o maior número possível de clientes. Segundo ele, atualmente, mais de 600 pessoas participam do espaço virtual.
Foi a partir dele que as vítimas citadas nesta matéria entraram em contato com a reportagem do jornal O Município Joinville. Entre elas, além da Débora de Jesus, Sara Rodrigues e Rafael Silva, está a advogada Lídice Mayo. “Eu fui uma das vítimas e, como eu estava no grupo dos enganados pela Mundial Eletro, entrei com ação judicial para mais de 300 pessoas”, comenta.
Com a explosão de reclamações e acusações de golpe, a loja física foi fechada e as funcionárias, demitidas no dia 26 de setembro. Não se sabe onde o responsável pela empresa está. “Quando estourou essa bomba, esse pessoal sumiu. Sumiram com o nosso dinheiro”, explica Josiel.
Atualmente, o site oficial da Mundial Eletro, o telefone para contato e o e-mail do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) não existem mais.
A reportagem do jornal O Município Joinville buscou comunicação com o estabelecimento e com o responsável pela empresa, mas sem sucesso. O e-mail do SAC consta como inexistente e os números de telefone associados a Mundial Eletro e ao responsável também não existem. No local onde ficava a loja, outra empresa foi aberta.
Em última checagem nesta quarta-feira, 22, pela reportagem, o Instagram da empresa, @mundialeletro_me, permanece ativo. Entretanto, a última postagem foi há nove semanas. Uma publicação em 29 de agosto mostra um vídeo com o texto “Entrega programa lojistas Joinville”.
Outra postagem, há 13 semanas, no dia 22 de agosto, mostra prints (fotos da tela) de reclamações resolvidas. A legenda diz “Quando o assunto é resolver, somos ótimos”.
Os clientes, agora, buscam soluções na Justiça. “Em muitas dessas ações judiciais, o juiz deferiu o bloqueio das contas bancárias da Mundial Eletro”, diz a advogada. As contas do responsável pela empresa também foram bloqueadas. Isso ocorreu em São Paulo. “Na área cível, há várias ações no Brasil inteiro e estão pedindo a reparação do dano”, comenta advogada Lídice.
“Com relação ao golpe, estou tentando um advogado para poder entrar em processo contra eles. Esse caso é uma falta de respeito. O pobre sempre perde. Então, o que podemos fazer? É correr atrás. Vamos ver no que dá”, relata Débora.
“Nós ficamos de mãos atadas, porque fizemos o que era possível fazer. Abri o boletim de ocorrência, fiz a representação na Justiça e até agora ninguém da investigação me chamou para apurar. A sensação que temos é que ninguém se mexe para investigar. Não sabemos se vamos chegar no dinheiro, mas gostaríamos da justiça sendo feita”, afirma Sara.
Mesmo com as ações e os boletins de ocorrência, as possibilidades de resultados não são animadoras para os clientes. A advogada Gláucia Marinho, representante de um cliente no Rio Grande do Sul, explica que é “improvável que contra eles haja a responsabilização civil em razão dos valores para devolução não serem encontrados”.
Ela diz que o pedido para bloquear as contas foi negado. “Dificilmente eles serão citados e, por isso, não sei se o processo terá um bom andamento. Vai ficar parado por um bom tempo. Então, o que se espera é que eles sejam responsabilizados criminalmente”, lamenta a advogada.
Um novo CNPJ foi aberto, agora como GCC Comercial Ltda., tendo como descrição das suas atividades e endereço os mesmos da Mundial Eletro.
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