EXCLUSIVO – Joinville registra um suicídio a cada sete dias em 2024

Mulheres têm mais notificações de tentativas, enquanto homens lideram em suicídios consumados

EXCLUSIVO – Joinville registra um suicídio a cada sete dias em 2024

Mulheres têm mais notificações de tentativas, enquanto homens lideram em suicídios consumados

Lara Donnola

Segundo dados da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive) de Santa Catarina, Joinville registrou 52 suicídios em 2024, o que representa uma ocorrência a cada sete dias na cidade. Já as notificações de tentativas de suicídio e lesões autoprovocadas somaram 799 no período. 

As faixas etárias com maior incidência de suicídio foram 30 a 39 anos. Os dados também revelam uma disparidade entre os sexos, com 38 casos entre homens e 14 entre mulheres, tendência que é presente na série histórica, desde 2020.

No entanto, em relação às tentativas, as notificações foram significativamente mais frequentes entre as mulheres (533 casos) em comparação com os homens (265 casos). A faixa etária mais afetada foi a de 20 a 39 anos, com números altos também entre 15 a 19 anos. 

Número de suicídios por faixa etária em Joinville, 2020 a 2025

Faixa etária 2020 2021 2022 2023 2024* 2025* Total
10-14a 1 0 2 0 0 0 3
15-19a 3 1 1 3 0 0 8
20-29a 9 8 16 5 6 1 45
30-39a 12 10 7 7 22 2 60
40-49a 6 6 10 9 7 2 40
50-59a 7 6 12 8 6 1 40
60-69a 4 6 10 5 7 2 34
70-79a 6 6 0 3 3 0 18
80 e+ 2 2 2 1 1 1 9
Ign 1 0 0 0 0 0 1
Total 51 45 60 41 52 9 258

Fonte: Dive-SC

Número de suicídios por sexo em Joinville, 2020 a 2025

Ano do Óbito Mas Fem Total
2020 43 8 51
2021 31 14 45
2022 42 18 60
2023 28 13 41
2024 38 14 52
2025 5 4 9
Total 187 71 258

Fonte: Dive-SC

Análise por gênero

A diferença por gênero nas notificações de tentativas e suicídios consumados em Joinville chama atenção. De acordo com os dados, as mulheres predominam nas notificações de tentativas, enquanto os homens são os que mais cometem. O psicólogo Nasser Haidar Barbosa, que atua no CAPS Infantojuvenil e coordena o Centro dos Direitos Humanos de Joinville (CDH), informa que há diversas pesquisas que explicam os motivos. 

“As tentativas masculinas são mais violentas, e essas tendem a ter um desfecho negativo maior, que é conseguir cometer o ato”, afirma o psicólogo. Ele informa que outro fator significativo é que os homens procuram menos por atendimento em saúde, principalmente em saúde mental. “Portanto, com frequência, quando essas questões agravam, já estão muito mais graves”, diz o profissional. Já as mulheres tendem a buscar ajuda antes que a situação se agrave, o que contribui para um número menor de suicídios consumados, apesar de tentarem mais.

Ele ressalta que esse comportamento masculino está ligado a construções sociais. “Esse é outro elemento que a literatura aponta, um dos efeitos negativos do patriarcado para os homens é a ideia de que o homem não pode sofrer, ser sensível, porque isso é visto como se fosse ‘fraqueza’”, comenta Nasser. “Se ele demonstrar fraqueza, ele pode ser julgado por isso. Então por esses motivos, um homem pedir ajuda é mais difícil”, ressalta. 

“O que impede o suicídio é a pessoa conseguir acessar ajuda. E as mulheres buscam mais ajuda. Porém, elas tentam mais porque sofrem mais”, informa. Ele aponta que o alto número de tentativas entre mulheres também está relacionado a questões sociais. “A sociedade faz elas sofrerem mais de diferentes formas: sobrecarga, violência, medo, que são todos sentimentos preditores para suicídio, ou pra ideação suicida”, explica. 

O psicólogo exemplifica que muitas vezes, mulheres vítimas de violência, ao procurarem ajuda na família ou em uma delegacia, enfrentam julgamento, falta de acolhimento ou até novas formas de violência. Esses episódios geram frustração, desesperança e podem agravar ainda mais o sofrimento. Por isso, o psicólogo defende que é fundamental considerar os aspectos sociais ao analisar os dados sobre suicídio.

Tentativas de suicídio em Joinville

Número de notificações de tentativas de suicídio e lesões autoprovocadas por sexo em Joinville, de 2020 a 2025

Ano Ocorrência Ignorado Masculino Feminino Total
2020 0 217 469 686
2021 0 184 438 622
2022 0 260 511 771
2023 0 255 569 824
2024 1 265 533 799
2025 0 70 130 200
Total 1 1251 2650 3902

Fonte: Dive-SC

Número de notificações de tentativas de suicídio e lesões autoprovocadas por faixa etária em Joinville, de 2020 a 2025

Faixa etária 2020 2021 2022 2023 2024* 2025* Total
10 a 14 anos 62 74 62 78 96 11 383
15 a 19 anos 142 133 138 135 112 28 688
20 a 29 anos 188 179 237 243 250 64 1161
30 a 39 anos 129 104 167 174 162 43 779
40 a 49 anos 97 75 100 124 112 34 542
50 a 59 anos 43 31 45 45 40 7 211
60 a 69 anos 16 15 16 16 16 8 87
70 a 79 anos 6 8 4 5 7 3 33
80 anos e mais 2 3 1 1 1 1 9
Total 686 622 771 824 799 200 3902

Fonte: Dive-SC

Fatores psicológicos e sociais

Nasser ainda ressalta que a análise dos dados sobre suicídio não deve se restringir ao campo individual ou puramente subjetivo. “Eu acho que é preciso discutir as condições de vida da população de maneira geral, e elas têm se precarizado em vários aspectos”, comenta.

Ele destaca que a juventude, em especial, enfrenta uma redução significativa nas perspectivas de futuro. “Temos uma geração chegando no mundo onde a precarização do trabalho, a desvalorização do estudo e da formação profissional são fatores que impactam diretamente os projetos de vida e a capacidade de ter esperança”, ressalta.

Nasser aponta que a desesperança é um preditor importante do suicídio. A sensação de que não há solução ou perspectiva futura é um sinal de alerta que deve ser levado a sério. “A pessoa pode estar mal por diversos fatores, e não ter perspectiva de vida é um combo perigoso”, afirma.

Segundo ele, discutir o risco de suicídio envolve pensar em políticas sociais e na forma como vivemos em sociedade, especialmente em relação à divisão social e do trabalho. “No caso de Joinville, é importante pensar no acesso a lazer, cultura, transporte público e dar atenção às periferias, que estão cada vez mais afastadas e marginalizadas”, ressalta. 

Para o psicólogo, pensar os dados de suicídio exige ir além da saúde mental e incluir uma discussão séria sobre as condições sociais que cercam a vida das pessoas.

Sinais de alerta: ao que amigos e familiares devem ficar atentos?

O psicólogo afirma que os sinais de alerta relacionados à saúde mental são variados e nem sempre indicam, de forma direta, risco de suicídio. Ele ressalta que o mais importante é perceber quando algo não vai bem e precisa ser olhado com atenção.

O principal sinal, segundo ele, é o isolamento social. “Por exemplo, quando a pessoa perde o interesse e deixa de fazer coisas que antes ela gostava muito”, informa. Ele explica que esse comportamento costuma ser padrão em diferentes quadros de sofrimento psíquico, diagnosticados ou não. “Dificilmente há alguém que cometeu suicídio e que não deu esse sinal ao longo dos últimos tempos”, afirma.

Além disso, ele critica o formato atual de campanhas de prevenção ao suicídio, como o Setembro Amarelo, pois pesquisas recentes têm apontado efeitos negativos dessas ações pontuais. Um estudo divulgado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo mostrou que os casos de suicídio no Brasil cresceram após a campanha Setembro Amarelo. Contudo, a pesquisa esclarece que o resultado não indica que a campanha é a causa do aumento.

“Campanhas sobre suicídio tendem a ser superficiais. Por ser um evento mensal, de um tempo específico, tendem a ser sentidas de maneira equivocada pelas pessoas”, avalia. Para ele, o mais eficaz seriam campanhas permanentes sobre saúde mental, que promovam o acesso à informação e o combate à psicofobia. “O CAPS ter virado meme, por exemplo, é um desserviço para a saúde mental, isso afasta as pessoas da busca por ajuda”, diz. Ele defende ações que valorizem a busca por apoio e estimulem a conversa sobre saúde mental de forma ampla e contínua.

Nasser também destaca que não é possível falar em prevenção ao suicídio sem investimento na atenção primária do SUS e em políticas públicas no território. Ele afirma que pessoas com acesso à cultura, lazer, prática de atividades físicas e acompanhamento profissional regular são mais protegidas e têm melhores respostas diante do sofrimento.

Por fim, ele lembra que o próprio Conselho Regional de Psicologia é contra campanhas pontuais como o Setembro Amarelo, defendendo que a saúde mental seja pauta constante durante todo o ano, com ações de educação e comunicação que facilitem o acesso da população aos serviços e ao cuidado. 

Serviços de saúde mental em Joinville

A Prefeitura de Joinville oferece atendimento em saúde mental nas Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSFs), onde um profissional de nível superior faz o acolhimento e solicita avaliação com psicólogo, quando necessário. Atualmente, são 19 psicólogos atuando na atenção primária em diferentes regiões da cidade, dando suporte às Equipes de Saúde da Família. Os pacientes podem participar de atividades em grupo com psicólogos nas UBSFs ou, dependendo do caso, ser encaminhados para atendimento psiquiátrico.

Em situações graves ou urgentes, o atendimento ocorre de forma imediata nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que assumem o acompanhamento especializado. A rede conta com o CAPS II (transtornos mentais), CAPS III (transtornos mentais com hospitalidade noturna), CAPS Infantojuvenil (transtornos na infância e adolescência, incluindo uso de álcool e drogas) e CAPS AD (álcool e outras drogas).

Também fazem parte do atendimento especializado o Serviço Organizado de Inclusão Social (SOIS), com atividades de convivência, duas residências terapêuticas, além de psicólogos, terapeutas ocupacionais e outros profissionais. Após a chegada do paciente, é feita uma avaliação inicial e elaborado um Projeto Terapêutico Singular (PTS), com atendimentos realizados conforme a agenda da equipe. Os atendimentos ocorrem nos CAPSs, no Núcleo Integral à Pessoa com Deficiência Intelectual e Transtorno do Espectro do Autismo (Naipe) e no Serviço Especializado em Reabilitação (SER).

Segundo Nasser, um dos principais desafios é a ausência de psicólogos, terapeutas ocupacionais e psiquiatras em número suficiente para atender na atenção primária. Ele defende que poderia haver um protocolo de gestão mais claro e padronizado, tanto para os profissionais, quanto para a população.

Apesar disso, ele reconhece que existem boas práticas na saúde mental em alguns pontos da cidade. “No entanto, esses atendimentos não são uniformes. O acesso não é padronizado nem claro para a população, o que gera desigualdade no atendimento e descontinuidade nas políticas públicas”, ressalta. Algumas das medidas sugeridas por ele são a ampliação no número de equipes da atenção primária e o número de unidades de CAPs na cidade.

Projeto de lei pretende instituir política municipal de saúde mental

Um projeto de lei 76/2025, protocolado pelo vereador Lucas Souza (Republicanos), pretende instituir uma política municipal de valorização da vida e da saúde mental em Joinville, com foco na prevenção da depressão, do suicídio e da automutilação. A proposta visa promover a saúde mental da população, identificar indivíduos em risco e oferecer suporte adequado para evitar desfechos trágicos.

Segundo o autor da proposta, a criação do projeto foi motivada pela crescente preocupação com a saúde mental da população de Joinville, especialmente em face do aumento de casos de ansiedade, depressão e outros transtornos mentais. O objetivo é enfrentar esses problemas, promovendo uma abordagem mais integrada e acessível ao cuidado da saúde mental, reconhecendo a importância de tratar essas questões de forma adequada e humanizada. 

O projeto propõe ampliar o acesso da população a serviços de apoio psicológico e psiquiátrico por meio da criação de centros de atendimento especializados, que oferecerão consultas e terapias a preços acessíveis ou até mesmo gratuitas. Além disso, a iniciativa inclui a capacitação de profissionais da saúde para que possam identificar e encaminhar casos de forma mais eficaz, garantindo que mais pessoas recebam o suporte necessário. 

Segundo o vereador autor da proposta, caso o projeto seja aprovado, os próximos passos incluirão a implementação das estruturas necessárias para os centros de atendimento, capacitação e eventual contratação de profissionais, e a divulgação dos serviços disponíveis para a população. “Também será fundamental estabelecer parcerias com instituições locais e monitorar a eficácia do projeto, garantindo que ele realmente faça a diferença na vida dos joinvilenses e atenda às suas necessidades de saúde mental”, comenta. 


Como ajudar quem pensa em suicídio

O CVV (Centro de Valorização da Vida) oferece suporte emocional e preventivo para quem pensa em se suicidar. Você pode entrar em contato ligando gratuitamente para 188 ou acessando o site cvv.org.br/chat.


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Imponente Palacete Schlemm, de Joinville, tem detalhes criados pelo artista alemão Fritz Alt:

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