Família suspeita de manter homem em situação análoga à escravidão em SC comenta sobre o caso
Situação análoga à escravidão teria sido confirmada por órgão da prefeitura
Na tarde desta sexta-feira, 29, um caso grave de que um homem vivia em situação análoga à escravidão em Brusque, Vale do Itajaí, foi confirmado pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Após a divulgação do caso, o jornal O Município foi procurado por Thaila Goetten Paza, neta do homem que estaria mantendo a vítima no bairro Limeira, para contar a versão dos fatos da sua família.
Mudança
Conforme relatado por Thaila, há cerca de quatro anos uma família alugou uma casa com o seu avô. Na residência moravam cerca de oito pessoas e, entre elas, estava a vítima. Ela contou que todos trabalhavam em uma mesma indústria da cidade, mas decidiram deixar Brusque e a vítima não quis.
Diante da situação, o avô de Thaila decidiu abrigar o homem que queria seguir morando em Brusque. Ela conta que a vítima recebeu um local para dormir, tinha um banheiro privativo e recebia alimento e itens para higiene. “Ele se acostumou com a vida fácil, eu mesma, minha mãe, minha vó dávamos comida para ele também, o que nunca foi problema”, revela.
Além disso, a neta destaca que o homem tem problemas com a higiene pessoal. Segundo o seu relato, ele não gostava de tomar banho ou até mesmo trocar de roupas. “Doei várias roupas do meu esposo para ele e sapatos, com a esperança de que ele tivesse consciência da higiene pessoal , mas nada mudou”, conta.
Ela também falou que sua família tinha contato com a família da vítima, mas o homem não saía da casa do seu avô por opção. “Várias vezes procuramos a família dele, a irmã, e ele não quis ir embora. Porque gostava do que fazia, ele sempre ganhou dinheiro, tinha cigarro, comida, que nós familiares do meu avô dávamos a ele”, explicou.
Trabalho
Diferente do que foi informado inicialmente ao jornal, Thaila conta que o seu avô não tem uma empresa de reciclagem. Segundo a neta, ele passou a reciclar devido à pandemia e também mantinha outros trabalhos informais para ter a sua renda.
Ao ser abrigado pelo avô de Thaila, o homem também passou a trabalhar com reciclagem. “Junto com o [nome da vítima] os dois, recolhiam reciclagem, separavam e vendiam. Mas isso com consentimento de ambos. Era o meio de sobrevivência dos dois”, relatou.
Apesar de ambos trabalharem com reciclagem, a neta conta que cada um cuidava da sua parte. ” O meu avô vendia a parte dele e o [nome da vítima] o dele”, explicou e complementou que o valor que o homem obtinha com a venda não era retido ou controlado pela sua família.
Sobre a alegação de que o homem não recebia salário, Thaila explica que ele não era um funcionário. “Ele não recebia salário, porque meu avô não tem uma empresa. O [nome da vítima] não era funcionário dele”, destacou.
Ela também contou que o homem já trabalhava com reciclagem antes de morar com o seu avô. “Ele sempre trabalhou com reciclagem, assim que ganhava a vida. O mesmo conseguia seu dinheiro, tinha comida, tinha café, tinha roupas, doações e o que ele mais amava seus animais de estimação”, disse.
Denúncias
A suspeita de que o homem vivia em situação análoga à escravidão surgiu após denúncias sobre a higiene do local. Conforme os vizinhos o espaço era sujo e no local viviam ratos e baratas.
Thaila rebateu as denúncias e negou que o local era insalubre. “Os vizinhos informaram que tinham ratos e baratas, mas eu moro há mais de 18 anos em frente a residência e nunca vi um rato ou uma barata sair da casa do meu avô”, contou.
Inicialmente, a denúncia sobre a sujeira foi feita ao gabinete do vereador Jean Dalmolin (Republicanos) e foi após outras denúncias e investigações, que perceberam que havia um homem trabalhando em situação análoga à escravidão. A primeira denúncia sobre o caso chegou no início de abril.
A neta conta que a vítima era abordada por vizinhos e que ele negava ser mantido à força “As denúncias surgiram porque os vizinhos falavam que o [nome da vítima] vivia naquela situação porque ele era obrigado, mas o mesmo sempre rebateu a todos dizendo que vivia porque ele queria”, disse.
Apesar das denúncias sobre trabalho análogo à escravidão e a confirmação feita pelo Creas, Thaila contou que seu avô nunca foi abordado sobre a questão, nem pelo centro ou pela Polícia Civil. “O meu avô nunca foi abordado por ninguém. A única coisa que notificaram ele foi para organizar o local”, revela.
Agressões
Conforme as denúncias feitas, o homem que vivia em situação análoga à escravidão também sofria agressões, mas Thaila conta que na verdade seu avô cuidava dele. “O meu avô nunca agrediu o [nome da vítima], pelo contrário, chamava a atenção dele devido à higiene pessoal, o que fazia o mesmo ficar extremamente irritado”.
Ela também contou que a vítima chegou a ter algumas lesões, que foram tratadas, e nunca foram causadas por agressões. “O [nome da vítima] teve duas lesões na qual o mesmo foi levado ao médico por mim. E foi um acidente não agressão”, explicou.
Thaila nega que seu avô tenha uma postura violenta e que maltratava a vítima. “Eu jamais defenderia meu avô se ele realmente fosse errado, se ele maltratasse ou agredisse o [nome da vítima”, pontua.
Saída
O homem deixou a residência na última semana e retornou para a casa da sua irmã a pedido do avô de Thaila. Ela explica que o motivo do pedido foi “porque os vizinhos vinham falando que se ele não fizesse o [nome da vítima] ficar limpo iriam denunciar ele novamente”, contou.
De acordo com a tia de Thaila, as famílias mantinham contato constantemente e que a vítima sempre soube onde os parentes moravam. Ela também conta que a família não queria saber do homem, pois ele não conseguiu tirar a aposentadoria.
Nota oficial
Após a repercussão do caso, o Creas emitiu uma nota oficial sobre o assunto. Confira na íntegra:
“Em relação à informação que circula na imprensa sobre o fato de o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (Creas) de Brusque ter um caso de pessoa possivelmente encontrada em situação análoga à escravidão, a Secretaria de Desenvolvimento Social esclarece que:
Advindo de denúncias da comunidade, a equipe técnica do Creas se dirigiu ao local indicado pelos mesmos para apurar possível situação de negligência pessoal, que incorreria em cessão de direitos.
Todo o acompanhamento do caso correu em total sigilo, seguindo o mote das políticas públicas do equipamento, enfatizando o restabelecimento do vínculo familiar desse usuário, o que sucedeu no início do mês de julho do corrente ano.
Dentro do que tange ao objeto da abordagem, não houve constatação de nenhuma ocorrência passível de denúncia a órgãos competentes e salienta que não cabe a esta secretaria qualquer tipo de investigação de ocorrência, tocando ao corpo técnico do Creas priorizar, em suas ações, o desenvolvimento social do usuário e seu núcleo familiar.”