Costureira por quatro décadas, Era Ribeiro Costa, atualmente com 85 anos, foi diagnosticada com Alzheimer aos 80. Mesmo após a aposentadoria, fazer bordados e crochês eram parte de sua rotina. Com o avanço da doença, no entanto, não utilizou mais seus apetrechos de costura. Porém, as lembranças da profissão permaneceram ali, em algum lugar de sua memória.
“Às vezes ela fazia movimentos no ar como se estivesse bordando, colocando o fio na boca e passando na agulha. E acho que estava, na cabeça dela, mesmo sem nada nas mãos. Era uma cena muito triste”, conta a filha, Marisa Costa, 65.
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa e progressiva que afeta a memória, o comportamento e outras funções mentais. Em Joinville, a idade média dos pacientes tratados na rede pública é 79,8 anos. Cerca de 70% dos casos são de mulheres.
Samantha Brandes é médica especialista em cuidados paliativos e viveu uma situação semelhante a de Marisa com uma de suas pacientes em estado avançado de Alzheimer.
“Ela já não falava muitas palavras, mas quando a filha foi visitá-la no hospital e puxou uma música, a paciente seguiu a canção até o fim”, lembra a especialista, que perdeu o avô há dez anos para a doença.
O neurologista Felipe Ibiapina dos Reis explica que a música ou qualquer outra atividade que fazia parte da vivência dos pacientes possuem conexões cerebrais que ultrapassam a barreira da memória e ficam diretamente ligadas às emoções.
Musicoterapia como alternativa
O Alzheimer acomete áreas específicas do cérebro, como lobo temporal, parte responsável pelo gerenciamento da memória e emoções. Sendo assim, a música e outras lembranças marcantes já esquecidas, servem como estímulo para esta região cerebral, esclarece Ibiapina.
“Nós temos uma biblioteca de músicas na memória, que podem estar associadas a alegria e tristezas. Eles (pacientes) perdem as memórias recentes e lembram das antigas. E Eles voltam a si quando lembram de certos momentos, têm insights de consciência”, afirma.
O neurologista diz que a musicoterapia e outros impulsos de consciência, no geral, são tipos de terapias mais prazerosas e com efeitos mais nítidos do que tratamentos mais tradicionais.
“Trazem bem-estar e fluem de maneira mais serena. O paciente interage de forma automática. Um paciente que você pensa que não daria conta de cantar uma música, por exemplo, lembra da letra. E isso anima ele e todos os familiares. Há, ali, um certo nível de consciência que pode ser explorado e mantido”, explica o neurologista.
Mudanças de comportamento
A mãe da fiscal sanitarista Viviane Kahlhofer Koenig, 45, também começou com perdas recentes de memória, encaradas como naturais para a idade, 83 anos. Leitora assídua, a idosa desistiu dos livros assim que passou a folhear as mesmas páginas todos os dias.
“A memória dela piorou quando teve um câncer na bexiga. Sempre que íamos ao hospital eu tinha que explicar a ela que tinha a doença. E era sempre aquele espanto. Isso que ela já tinha passado por cirurgia, quimioterapia e radioterapia”, recorda Viviane.
Por causa do tratamento para o câncer, o intestino da mãe paralisou e ela ficou cerca de um mês internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital. Após o episódio, ela também perdeu a força da musculatura do corpo e, atualmente, se locomove apenas com ajuda da cadeira de rodas.
Já Era Ribeiro, até os 84 anos, participava dos encontros em família e fazia suas tradicionais comidas no Natal. Mesmo com eventos de esquecimento, a vida seguia quase que normal, até outubro do ano passado, quando sofreu uma queda correndo atrás de seu cachorro.
“Por causa do tombo, o supercílio dela abriu e ela teve sangramento cerebral. A batida afetou a parte da deglutição, então ela não sentia fome, não queria tomar remédio. Este sangramento adiantou demais a doença, agora ela depende totalmente de pessoas”, conta a filha Marisa.
Além de resistência para realizar atividades triviais, Era passou a apresentar um comportamento mais agressivo que o normal e, no estágio três da doença, esqueceu também de seus familiares.
Desafio à família
Atualmente, as mães de Marisa e Viviane vivem no Lar Bethesda, em Pirabeiraba. A decisão de colocá-las no local não foi nada fácil, principalmente em tempos de pandemia da Covid-19, quando as visitas estão restritas e o contato físico coibido.
Para Marisa aceitar a situação da mãe demorou tempo e rendeu inúmeras sessões de terapia, além de leituras sobre a doença. Hoje diz lidar melhor com os acontecimentos.
“Já estive no fundo do poço, só chorava, não falava com ninguém. É triste demais saber que a mãe não lembra da gente. Mas durante as visitas, se ela faz qualquer gesto, um sorriso, uma abanada sutil com a mão, a gente se alegra, porque sabemos que ela lembrou. Num instante ela já esquece que te viu, fica com um olhar distante, mira o vazio”, lamenta.
A mãe de Viviane tinha uma cuidadora, mesmo assim ela precisou pegar licença no trabalho para ajudar nos cuidados com a mãe, que havia acabado de sair da internação por causa do câncer. A rotina, porém, começou a pesar.
“Na época meu filho tinha 9 anos e eu precisava trabalhar. O dia a dia estava muito pesado”, narra.
Quando ainda nem era formada, o avô da médica Samantha Brandes também foi diagnosticado com Alzheimer. Ela afirma que o primeiro passo para lidar com a doença é aceitar que ela existe.
“A família precisa acolher e não excluir o paciente da convivência. Muitas famílias percebem ter algo de errado e não procuram ajuda de especialista porque negam a doença. É preciso aceitação. O Alzheimer é incurável e progressível, mas os cuidados são necessários”, defende.
Busca por diagnóstico
De acordo com a especialista em cuidados paliativos, o primeiro passo quando há desconfiança da doença é procurar suporte médico, seja de um neurologista ou geriatra. E, a partir do diagnóstico, buscar ajuda multiprofissional: médicos, nutricionistas, psicólogos e fisioterapeutas, exemplifica.
“Muitas vezes o paciente vai ficar desorientado, ficar perdido no tempo e no espaço, confundir as pessoas e as lembranças, mas é preciso paciência. A minha especialidade trata pacientes graves com doenças incuráveis. Eles não precisam só de acompanhamento para a dor física, mas também a emocional e social, já que muitas vezes perdem a rede de apoio familiar e profissional”, diz Samantha.
Ela também defende que os familiares necessitam de acompanhamento psicológico, já que sofrem tanto quanto os pacientes. “Precisam se tratar juntos, para uma melhor aceitação da doença. Precisam entender que isso faz parte de um ciclo, que as pessoas vão morrer. Não existe cura, mas os pacientes podem ter um melhor tratamento, assim como a família pode ter melhor qualidade de vida”.
Fatores de risco
O neurologista Felipe Ibiapina explica que a doença apresenta três estágios: leve, moderado e grave. Cada estágio pode durar de cinco a 12 anos. Tudo vai depender do estilo de vida do paciente.
“Quando não se tem assistência adequada, com cuidados específicos e medicamentos, é comum o paciente evoluir com sintomas que poderiam ser evitados”, diz.
Apenas 10% da população possui Alzheimer por fator hereditário, de acordo com o neurologista. A grande maioria dos casos está relacionada à idade.
O neurologista explica que o perfil hormonal feminino pode contribuir para que as mulheres sejam mais acometidas pela doença. Outro fator citado pelo especialista é a expectativa de vida das mulheres, maior que a dos homens.
“O próprio fato de as mulheres viverem em média mais que os homens, atingindo idades mais avançadas, portanto, a deixam mais suscetíveis à doença, que tem a idade como maior fator de risco”, explica.
O tipo de alimentação, ritmo de vida e estresse também podem aumentar o risco da doença. “Fumantes, diabéticos, hipertensos e sedentários também possuem uma predisposição maior para o Alzheimer”, finaliza o especialista. Ou seja, levar uma vida saudável é o melhor caminho.
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