Famílias caminham quilômetros a pé em busca de cesta básica em Joinville
Número de kits alimentação saltou de 7 mil cestas em 2019 para 12,5 mil no ano seguinte
São mais de quatro quilômetros entre o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do bairro Floresta e o bairro Profipo, onde Loana Bento Gonçalves, 28 anos, mora com os pais. Ela e a mãe andaram cerca de uma hora para buscar a cesta básica concedida pela Assistência Social. De Uber, a corrida daria cerca de R$ 8, mais barato que duas passagens de ônibus, mas mesmo assim, resolveram ir a pé. “Para economizar”, afirma a jovem.
A situação financeira é delicada e a família tem encontrado dificuldade até para se alimentar. Loana e os pais têm se virado como podem, contando com doações de terceiros e, agora, com a cesta entregue no Cras. “Se não, a gente não teria como ter a alimentação mesmo, né? A coisa mais básica”, diz.
No momento, a única que possui renda em casa é a mãe, que recebe o auxílio-doença. O pai de Loana perdeu o emprego no último ano e ainda não conseguiu se reinserir no mercado de trabalho. “E aí começou mais essa dificuldade.”
Formada em marketing, a jovem também procura emprego em outras áreas. “Sou pessoa com deficiência, tenho miopia de alto grau. É muito concorrido e é mais difícil ser contratada”, conta.
Por isso, solicitaram, pela primeira vez, o auxílio para alimentação em janeiro. Por conta de atrasos, só conseguiram receber quatro meses depois. Foram três kits pegos no Cras, duas cestas doadas por um supermercado, e uma complementar, vindas de doação da Central de Vacinação.
Sem ter o que comer
As famílias em vulnerabilidade, que recebem as cestas básicas, não tem luxo. O que buscam é o direito à alimentação. “A gente come o que tem”, fala a dona de casa Leonilda Gameiro, 60 anos.
Ela vive com o marido no bairro Itaum e não possui renda. Trabalhou como manicure autônoma e teve poucos anos de contribuição no INSS. “Acho que nunca vou me aposentar”, desabafa.
Já o esposo, com 64 anos, também autônomo, trabalha fazendo serviços em domicílios. Receosos com a Covid-19, por serem idosos, o homem precisou parar. “Ele tem medo de sair na rua. Faz mais de um ano que ele não está trabalhando. Trabalha com serviços, atendendo de casa em casa e a turma não atende”, conta Leonilda.
No último ano, ambos puderam receber o auxílio emergencial de R$ 600, o que aliviou as contas da família. Agora, apenas ele recebe os R$ 200 do benefício atual. Os quatro filhos também ajudam os pais como podem. “Também estão com dificuldades. Cada um tem filho pequeno, tem as suas necessidades, né? Mas vamos ‘se’ ajudando”, explica.
Foi numa ida ao posto de saúde que Leonilda ficou sabendo do direito à cesta básica. “Eu vim pegar remédio ali, daí, a moça tava conversando, tinha uma palestra e eu ouvi”. O pedido foi feito em fevereiro e as cestas recebidas em maio. Esta foi a primeira vez que ela e o marido utilizaram o benefício.
Com fé, Leonilda acredita que as coisas devem melhorar com o decorrer do tempo. “E vamos ver se vai melhorando. Já tomei a primeira vacina e estou esperando a segunda. Aí, você já pode mais sair na rua, eu e ele”. Com isso, o casal espera retomar os serviços e vencer a dificuldade financeira.
Carona do vizinho
Também com a vacina tomada, Ademar Manoel Melin, 79 anos, apareceu no Cras de carro, com um vizinho, para buscar a cesta básica. Ele se preparava para ir ao local de bicicleta, quando o colega se ofereceu para levá-lo. A carona veio mesmo a calhar, seu Ademar não sabia como iria conseguir voltar com os dois kits alimentação e pedalando.
Assistido pelo Cras há cerca de quatro anos, são as assistentes sociais quem costumam levar as cestas até o aposentado, por conta da dificuldade de locomoção. Inclusive, eles já planejavam deixar a cesta no bairro Bucarein, onde ele mora, na companhia dos dez cachorros.
A vizinhança também o ajuda com a doações, tanto para ele mesmo, quanto para os animais. Sentem muito carinho pelo idoso, que acolhe os cães abandonados da rua. Foi pelo Cras, por meio do Cadastro Único, que conseguiu a castração dos animais e as cestas básicas as quais recebe.
Conversador, aproveitou a saída de casa para bater um papo rápido e tomou um copo de café, servido no local. Antes de ir embora, olhou para trás, levantou a mão e disse às assistentes: “muito obrigada pela atenção.”
Aumento da demanda
Joinville já tinha famílias em vulnerabilidade social antes do início da pandemia de Covid-19, em março do ano passado, mas o período pandêmico ajudou a ampliar o problema. A Secretaria de Assistência Social registra aumento no número de pedidos por cestas básicas. Elas saltaram de cerca de 7 mil em 2019 para 12.595 no ano seguinte. Em 2021, até abril, foram solicitados 2.357 kits.
Para ter acesso as cestas básicas, a população pode entrar em contato com o Cras, que irá fazer um cadastro e avaliar as condições da família para conceder o benefício.
A secretária de Assistência Social de Joinville, Fabiana Ramos da Cruz Cardozo, explica que as pessoas não precisam estar cadastradas no Cadastro Único, para famílias de baixa renda. As situações das famílias são avaliadas individualmente e variam muito. Casos como o de Loana e Leonilda, onde alguém da família perdeu o emprego, são os mais frequentes, afirma a secretária.
“Se alguém (da família) perdeu a renda e o outro não, mas com isso pago o terreno, a casa, o carrinho e não sobrou dinheiro para a comida, pode solicitar. Então, o assistente social que avalia, pode entender que naquele momento, por exemplo, por conta da pandemia, de perder o seu emprego, essa família precisou”, conta sobre a concessão do auxílio. “É um benefício eventual. A cesta básica é para aquele momento em que a família precisa, né? Para garantir a segurança alimentar”, completa.
Após 30 dias, as pessoas que ainda estiverem em situação de vulnerabilidade, podem solicitar novamente o kit alimentação.
Cadastro Único
O Cadastro Único é para a população com baixa renda. Por meio dele, é possível solicitar o Bolsa Família, tarifa social de água e energia elétrica, cursos profissionalizantes, Carteira do Idoso, Minha Casa Minha Vida, Benefício de Prestação Continuada (BPC), aposentadoria para dono(a) de casa, entre outros.
Até 2019 para agendar entrevista com assistente social e solicitar o benefício era necessário ir presencialmente no Cras. Eram distribuídas de 20 a 30 senhas por dia. Quem não conseguia atendimento precisava voltar outro dia.
Hoje o atendimento pode ser feito por telefone. O tempo entre a ligação e a entrevista pode demorar de três dias há duas semanas, conta Fabiana. Até março, 28.540 pessoas estavam com o Cadastro Único ativo em Joinville.
Para fazer o cadastramento, é necessário ligar para o Cras, que fará as orientações para a família. A cidade é dividida por regiões e cada um dos nove Cras atendem bairros diferentes. A população deve fazer os pedidos de benefícios conforme a área de moradia.
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