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Famílias enfrentam dificuldades de atendimento para autistas adultos em Joinville

Foco dos atendimentos é para a primeira infância, já que o tratamento precoce influencia na melhora dos sintomas

Com foco no atendimento durante a primeira infância, familiares de pessoas diagnosticadas com autismo em Joinville reclamam sobre a falta de suporte aos pacientes durante a adolescência e a vida adulta. Isso porque o diagnóstico precoce influencia na melhora e avanços do paciente.

Atualmente a cidade possui diversos locais que fazem assistência aos autistas, como o Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial (Naipe), Associação de Amigos dos Autistas (AMA), Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e o Instituto Dona Anna de Reabilitação do Potencial Humano (IRPH). Porém, os pais apontam que ainda falta um atendimento especializado para os adultos com autismo, tanto no setor público, quanto privado.

Loys Almeida Junqueira, de 20 anos, tinha 2 anos e meio quando a família começou a investigar a possibilidade de autismo. Por ser psicóloga e conhecer um pouco dos sintomas, Lilian Siebert percebeu os sinais dados pelo filho e procurou atendimento ainda em Joinville, mas nenhum médico conseguiu diagnosticar com exatidão.

Família de Loys Almeira Junqueira | Foto: Arquivo Pessoal

“Um tempo atrás era ainda mais difícil [conseguir] o diagnóstico”, diz a mãe. Na época, havia dificuldades para encaminhar o paciente aos atendimentos, pois não se sabia quais eram os tratamentos mais adequados para o quadro de Loys, que tem autismo severo.

“[Ele] foi um dos primeiros pacientes de muitos profissionais aqui. As coisas evoluíram de um tempo para cá, mas era complicado no começo”, lembra a mãe. Além da escassez do atendimento, a família optou por fazer o tratamento particular e ir para outras cidades, a fim de tentar agilizar a assistência ao filho. Mais tarde, quando Loys tinha cerca de 10 anos, a família se mudou para os Estados Unidos em busca de melhores tratamentos.

Sete anos depois, Loys voltou para o Brasil com os pais. Lilian consegue enxergar a diferença nos atendimentos desde que saiu e voltou para Joinville. “Para as crianças, os atendimentos ainda chegam, mas adulto é terrível”, opina.

Hoje, o joinvilense é atendido na Apae. Lilian comenta que o filho gosta de ir até a associação, sair de casa, ver gente e socializar. Porém, a mãe sente falta do atendimento clínico especializado, com foco na faixa etária de adultos, vida profissional e cotidiana, além de reforçar a busca por independência. “Às vezes, o que é simples para gente, para eles precisa de treinamento”, diz a mãe.

Eduardo Budal da Silva, filho de Simone, hoje com 17 anos, tem autismo e paralisia cerebral. Na infância fez terapias, mas quando chegou na pré-adolescência, deixou de ser atendido. “Quando chega essa fase, a gente fica perdida”, relata a mãe.

Simone e o filho, Eduardo | Foto: Arquivo Pessoal

Hoje, ele é atendido na Apae, mas a família enfrenta dificuldades. Isso porque o jovem usa cadeira de rodas e precisa do transporte da instituição para ir até o local. A mãe afirma que há poucas vagas para cadeirantes no veículo e, por isso, o transporte é revezado entre os pacientes, o que impede do adolescente ir com mais frequência para as atividades da Apae.

Outro problema enfrentado pela família é a falta de atendimento psiquiátrico e o paciente fica desassistido de acompanhamento médico para o a regulação das medicações. O mesmo é enfrentado por Lilian.

Atendimentos que Joinville tem atualmente

O Naipe de Joinville, por exemplo, é uma das referências na saúde pública joinvilense no atendimento de pessoas autistas ou com deficiência intelectual. Apesar de atender todas as idades, o foco é no apoio à primeira infância. Gislaine Batista de Souza, coordenadora do Naipe, explica que o tratamento precoce influencia na melhora dos sintomas. Porém, afirma que outros pacientes não ficam desassistidos.

No Naipe, após a triagem, os adultos podem ter acesso ao fonoaudiólogo, nutricionista e dentistas, por exemplo, que são especialistas em atender pessoas com autismo. Além disso, também existem os grupos de atividades em parceria com a Secretária de Esporte ou o grupo de teatro com o Programa Arte Para Todos.

Os pedidos de atendimento são feitos via Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF). Gislaine comenta que, para todas as faixas etárias, é realizada pelo menos a triagem, seguida de orientações, de quais serviços o paciente já pode ter acesso, mesmo sem ter um programa de atendimento com médicos do serviço.

Apesar de atender adolescentes e adultos, segundo a coordenadora, o atendimento psicológico e psiquiátrico do Naipe é focado na intervenção durante a infância, para modular os comportamentos e melhorar os sintomas que já aparecem nos primeiros anos de vida. “São atendidas todas as idades, mas se prioriza as crianças menores com o estímulo precoce. É o que o Naipe se propõe”, diz Gislaine.

Este foi o caso da Erick, de 4 anos. Ele foi diagnosticado aos oito meses enquanto a mãe Elaine Gonçalves dos Santos fazia atendimento para o filho mais velho, Pedro, de 7 anos, também autista. “O médico não tinha certeza se era autismo, mas pediu para começar a terapia cedo e, mais tarde, foi fechado o diagnóstico”, conta Elaine.

Elaine e os filhos Pedro e Erick | Foto: Arquivo Pessoal

No Naipe, Erick foi encaminhado, fez os atendimentos médicos e, ao finalizar o ciclo, continua sendo acompanhado nas atividades em grupo de aprendizado e também faz atendimento psicológico, mas particular.

A mãe conta que o diagnóstico precoce resultou na melhora da fala de Erick. Além disso, foi no Naipe que a mãe encontrou apoio para melhorar a alimentação dos filhos, por conta da seletividade. A nutricionista, especializada no atendimento para autistas, deu dicas que permitiram a melhora da alimentação dos dois meninos, já que Erick chegou a ter um caso de desnutrição.

Enquanto isso, o filho mais velho, Pedro, se adaptou melhor na Apae de Garuva, por conta do número de pessoas, e por lá realiza suas atividades de socialização.

Falta de treinamento profissional

Além da falta de profissionais da saúde especializados em autistas em fase adulta, as famílias também apontam não haver treinamento em outras áreas do atendimento público.

Erick faz aulas de esporte. A mãe conta que, quando o pequeno começou, não gostava de usar touca, por exemplo, e o professor conseguiu conversar com o aluno de forma paciente e atenciosa, o que faz diferença para a criança e familiares.

Para além da educação, Lilian também enfatiza que outras áreas precisam dessa preparação, como a segurança pública. “Se acontece um acidente, a pessoa não tem treinamento. Polícia já nos procurou uma vez para tentar melhorar as abordagens”, conta Lilian. Ela explica que a reação de uma pessoa autista em momentos de emergência difere de neurotípicos.

O mesmo vale para momentos de internação, quando ocorrem crises, entre outros procedimentos que podem desencadear momentos de estresse. “É uma preocupação que nós, pais de autistas, temos”, explica Lilian.

Gislaine, do Naipe, concorda que, em alguns casos, não há essa preparação dos profissionais que não trabalham diariamente em contato com autistas ou pessoas com deficiência.

Sem apoio para as famílias

Além dos filhos diagnosticados com autismo, as mães também compartilham do desejo de uma rede de apoio para as famílias destes pacientes. A rotina corrida com os tratamentos e adaptação diante das necessidades familiares cansam as famílias, que não encontram um respaldo e atendimento na rede pública.

No caso de Elaine, mãe de Erick e Pedro, foi necessário deixar de trabalhar fora para dar conta das demandas da casa e das crianças, da correria com os atendimentos e da adaptação dos filhos. Hoje, ela e o marido, responsável pela renda, contam com apoio de amigos. Além disso, Elaine buscou ajuda psicológica para conseguir lidar melhor com todos os acontecimentos do dia a dia.

Ainda assim, todas as mães relatam que não possuem essa rede de apoio ou atendimento focado nas famílias, o que deixa o processo de acompanhamento dos filhos muitas vezes solitário e mais difícil.