Yasmim Eble/O Município Joinville

Yasmim Eble
[email protected]

Há quem diga que ler pode ser uma forma de se transportar para outras realidades. Uma máquina feita exclusivamente para a sua imaginação. Para Mariza Schiochet, moradora de Joinville, a leitura é a forma encontrada de viajar sem sair do lugar. 

Mariza é uma mulher de Joinville que faz a diferença. Desde nova esteve presente em trabalhos voluntários e carregava dentro de si a paixão pela leitura, práticas essas presentes em sua vida. “Eu sempre fui envolvida com leitura porque a minha mãe sempre foi uma pessoa que lia”.

A família frequentava a igreja em Corupá, onde ela nasceu e passou sua infância. O pai era presidente no local e a mãe auxiliava em projetos. Todos sempre foram envolvidos com a arte e a leitura. “Quando você está nesses espaços, você sempre é colocado na frente para falar, dar palestras, fazer teatro. Você está em contato com essas práticas”, explica. 

O pai, por exemplo, sempre participava de peças de teatro. “Ele colocava um lençol e contava histórias, era uma festa”, recorda. Criados em um mundo de arte e leitura, foi natural para Mariza fazer faculdade de Letras e seguir pelo caminho do ensino. 

Ela começou a atuar como professora de Ensino Religioso, depois fez a faculdade de Letras e a pós-graduação em Gestão Escolar, na Udesc. Anos depois fez uma pós em Libras e um curso de teatro no Belas Artes. 

E, foi na escola, por meio das aulas, que Mariza viu nos alunos seus principais aliados para disseminar a arte da leitura para as pessoas.

Início do projeto voluntário

O projeto voluntário “Ler é viajar sem sair do lugar” iniciou em uma época difícil para a professora, quando a mãe de Mariza descobriu um câncer. “Eu nunca havia convivido com o câncer. As pessoas falam, comentam, mas até acontecer com a sua família, você não se envolve”, conta. 

Mariza diz que o diagnóstico impactou a vida dela e a de toda a família, principalmente quando o tratamento da mãe começou. Aquela foi a primeira vez que ela entrou em um centro de Oncologia. “Meu deus, o que estou fazendo aqui? Por que estou trazendo a minha mãe para esse local?”, recorda de pensar naquele momento.

Para ela, a entrada até hoje é impactante, pois era um local muito triste. “Eu queria mudar o espaço, tentar dar mais vida e deixar a entrada mais alegre. Para a pessoa entrar no setor e lembrar que tem vida, que não existe só morte”, relembra. 

Ao ver as pessoas lutando contra a doença, Mariza começou a pensar em formas, além de mudar o local, de trazer sensações positivas para as pessoas. Procurando por parcerias e conversando com pessoas, ela conseguiu flores para o local, por exemplo.

Foram pequenas ações, com propósitos diferentes, que geraram o caminho que Mariza precisava percorrer para encontrar o que realmente queria transmitir com o projeto. 

Em um dia de quimioterapia, ao se deparar com o ambiente cercado por assuntos como doença e tratamento, ela resolveu agir de outra forma. Principalmente ao ver a mãe, com sua alegria e animação. “Aquele clima vai te deixando mal, não tem vibração. Eu sabia, era isso que faltava, era essa alegria que minha mãe transmitia”, relata. 

Para alguém especial

Um projeto de cartas para os pacientes oncológicos foi iniciado com os alunos de Mariza. “Eles sempre topavam tudo. Íamos em asilos, aldeias e outros locais para que eles vissem todas as realidades”, conta. 

Não foi surpresa para a professora que eles aceitassem a ideia instantaneamente. As cartinhas tinham como objetivo levar esperança e vibrações positivas para as pessoas do Centro Oncológico. 

Os alunos então, mensalmente, escreviam cartinhas para o local. “Eles decoravam elas e assinavam com seu primeiro nome e o nome do colégio”, explica. A confecção era toda feita pelo aluno, desde as cartas até os envelopes e sempre eram designados “para alguém especial”. Nos dias em que a mãe de Mariza fazia quimioterapia, ela entregava as cartas. 

Foi nessa época que nasceram as caixas de leitura, que no futuro se transformariam no projeto “Ler é viajar sem sair do lugar”. Elas foram distribuídas em diversas áreas, iniciando no Centro Oncológico após a boa aceitação das cartinhas.

“Foi um pouco difícil, mas eu levei até a direção do hospital o propósito da caixinha. Até que eles aceitaram”, conta Mariza. Essa foi a primeira de muitas ações envolvendo leitura na cidade.

Ler é viajar

As caixas são colocadas em espaços em diversos espaços de Joinville. Os principais locais são hospitais, o Centro POP, delegacias e outros pontos que podem estimular a leitura de pessoas que não têm acesso a livros. 

No local, é colocado um banner explicando o projeto e que o trabalho é voluntário. As caixas são produzidas por voluntários e os livros são doados. Após a primeira caixa, a iniciativa cresceu pela cidade.

Espaço foi criado por Mariza em uma das escolas de Joinville. | Crédito: Arquivo Pessoal

“O projeto foi crescendo e começamos a focar em levar os livros em locais que não há um incentivo a leitura”, explica. Hoje, ele está localizado em outras cidades como Penha, onde os livros são distribuídos em uma árvore, perto das praias. 

Os livros são todos etiquetados e guardados para que não estraguem. As pessoas podem pegar os livros sem necessidade de devolver e sim passar a diante. Para Mariza, não há sensação melhor do que mudar a vida de alguém por meio da leitura. “São sementes que vamos plantando e regando com muita paciência”, completa. 

Marca registrada

A vontade de fazer a diferença também chegou aos alunos de Mariza, que criaram camisetas para o projeto e ajudaram ativamente com o trabalho voluntário. Mariza conta que a primeira camiseta do projeto foi uma surpresa de um de seus alunos.

“Ele me levou até a biblioteca e tinha quatro pessoas em pé, com uma camiseta e boné diferentes. Eu perguntei o que era e ele explicou que era para o meu projeto”, relembra. Para Mariza, foi uma surpresa boa e que mostrou a força do trabalho voluntário. 

Após essa primeira versão, um artista plástico de Joinville fez o desenho que ilustra o projeto, presente nos produtos até hoje. A ideia partiu da própria Mariza. A moradora de Joinville queria colocar todas as paixões em um só desenho. Os livros, bicicletas e a cachorrinha Deb, que faleceu alguns anos atrás. 

A irmã da Deb, Nia, e alguns livros doados. | Crédito: Arquivo Pessoal

O projeto também continua por meio da ajuda de terceiros. Além do voluntariado, Mariza aceita doação de livros e dinheiro, para custear a fabricação das caixas e a locomoção. Outra forma de ajudar é comprar o copo e a camiseta do projeto, por R$ 15 e R$ 25, respectivamente. 

Espaço Criativo

Por dez anos, Mariza também esteve à frente de outro projeto importante para a cidade. O Espaço Criativo e Literário Júlio Emílio Braz foi outra iniciativa que levava leitura para locais sem incentivo. O espaço funcionava em uma garagem e recebia crianças do bairro Jardim Paraíso para contações de histórias e leituras coletivas, além de outras atividades recreativas. 

Antigo local do Espaço Criativo, localizado no bairro Jardim Paraíso. | Crédito: Arquivo Pessoal

“Vivemos em uma sociedade que é tudo instantâneo e isso não gera lembranças. O projeto era voltado para a interação entre as crianças”, relata Mariza.

Uma década depois, a professora se desligou do projeto. “Ali era um terreno árido, eu afofei e plantei sementes. Eu sei que as crianças foram tocadas e vão caminhar com suas próprias pernas”, acrescenta.

Atividade recreativa das crianças do Espaço Criativo. | Crédito: Arquivo Pessoal

No entanto, Mariza não pretende ficar parada. “Agora eu quero tentar um novo espaço, desta vez com a ajuda de algum professor de educação física… São muitas ideias”, conta a moradora de Joinville aos risos. 

Para ela, ao se conectar com tantas pessoas com o trabalho voluntário, é impossível se desgrudar. “Faz parte da minha vida e da minha história. Quero continuar tocando as pessoas por meio da arte e da leitura”, finaliza.