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Fé e imigração: muçulmanos celebram o Ramadã no Centro Islâmico de Joinville

Além de brasileiros, o local reúne pessoas vindas de países como Senegal, Moçambique, Marrocos, Paquistão e Síria

Praticado por muçulmanos do mundo inteiro, o Ramadã, em Joinville, além de reunir fé, adoração e sacrifício, tem outro elemento em destaque: imigração.

Além de brasileiros, o Centro Islâmico da cidade, inaugurado em 2017, é local de encontro de pessoas nascidas em Senegal, Guiné, Moçambique, Tunísia, Marrocos, Egito e Benin. Além de países asiáticos, como Índia, Paquistão, Síria e, até meses atrás, da Jordânia.

Os motivos são variados, alguns vêm a negócio, como os senegaleses, que optam por trabalhar com seu próprio comércio; outros, para fugir de guerras, como nos casos dos sírios.

Entre os imigrantes está Abubacar Juma, de 41 anos, líder da mesquita de Joinville. Nascido na Ilha de Moçambique, na África, é formado em história e teologia islâmica, mas, em 2017, decidiu mudar não apenas de função, na qual era professor, mas também de país. O novo destino era a maior cidade de Santa Catarina, o que, para ele, foi uma “escolha de Deus”.

Abubacar conta que os muçulmanos em Joinville perceberam que precisavam de um pregador quando realizaram as primeiras orações islâmicas no município. Após o primeiro indicado recusar o convite, a proposta chegou ao moçambicano, que aceitou o desafio.

Abubacar Juma é líder do Centro Islâmico de Joinville | Lucas Koehler/O Município Joinville

O sheikh conta que entre as principais dificuldades no Brasil é que o líder muçulmano precisa ir até às pessoas, diferentemente de países mais acostumados com o islamismo. “É como se o médico é quem fosse até o paciente”, compara.

O atual cargo exige disposição, entrega e lealdade aos compromissos. Além de Joinville, Juma é responsável por várias cidades catarinenses que ainda não possuem mesquitas, o que torna sua rotina exaustiva. Ele afirma buscar dar sempre o melhor, mas que é limitado, como todo ser humano. “Preciso dedicar um tempo para mim e minha família. Tem noites que eu não durmo”, fala.

Os pedidos por ajudar acontecem diariamente, mesmo nas madrugadas. A esposa, conta Juma, às vezes pede para ele deixar o celular de lado, mas nem sempre isso é possível. “Há pessoas em situações urgentes”, ressalta. Outro exemplo citado por ele, era uma dúvida que receber para a prática do Ramadã. “A minha resposta pode salvar uma vida”, conclui.

Os pedidos de ajuda ultrapassam as questões religiosas, e também envolvem emprego, casamento, dramas psicológicos, entre outras.

Mesmo com as dificuldades, ele afirma estar adaptado à cidade e “mais aprendeu do que ensinou”. Atualmente, Abubacar mora com a esposa, também de Moçambique, e um filho. O objetivo a curto prazo e conseguir trazer a outra filha, que ainda mora no continente africano, para terras joinvilenses.

Islã, calendário lunar e o jejum

Seguidores do calendário lunar, os muçulmanos praticam o Ramadã no nono mês do sistema de contagem mensal. Em 2021, a celebração deve ser realizada de 13 de abril a 12 de maio. Neste período, os fieis devem realizar um jejum sagrado entre o nascer e pôr-do-sol. Ao anoitecer, porém, as atividades voltam a ser permitidas.

O jejum vai muito além da alimentação, sendo necessário evitar bebidas, relações sexuais e de ter qualquer pensamento ou atitude negativa. Após o anoitecer, todas as atividades voltam a ser liberadas. “Neste período, os muçulmanos não se interessam em se alimentar. É uma adoração que todos almejam. É maior que qualquer privação”, destaca.

Ramadã é celebrado no nono mês lunar | Lucas Koehler/O Município Joinville

Ele salienta que o Ramadã é uma oportunidade fundamental para demonstrar a fé, sendo um “retiro de limpeza”. “Neste período, se alguém for xingado, provocado ou chamado para briga, deve recusar”, diz.

Neste mês, os muçulmanos devem fazer de cinco a seis orações diárias em uma mesquita, entretanto, se a pessoa não puder, pode realizar em casa ou no trabalho, desde que o chão esteja sem nenhuma sujeira. “Um princípio básico do Alcorão é que Deus não sobrecarrega a alma de nenhuma pessoa”, explica o sheikh.

“É preciso perder estereótipos”, afirma Abubacar

Negro, muçulmano e imigrante, o líder do Centro Islâmico de Joinville afirma que ele, como outros islâmicos na cidade, já sofreram algum tipo de preconceito. “Devemos verificar se quem cometeu o crime está aberto para conversar, se não está, devemos buscar a lei”, pensa.

Abubacar diz que vê pessoas preconceituosas como desinformadas, que reproduzem o que aprenderam desde cedo, como na própria casa e no meio familiar.

Durante o jejum, os muçulmanos dever evitar alimentos e bebidas, por exemplo | Lucas Koehler/O Município Joinville

Em Santa Catarina, o sheikh conta que já ministrou cursos em que era o único negro, estrangeiro e muçulmano na sala. “O preconceito é uma realidade, ser islâmico, no Brasil, aumenta a possibilidade de sofrer isso”, reflete.

Ele destaca que os islâmicos não estão ou são apenas da Arábia Saudita. “É preciso perder estereótipos. Nem todo árabe é muçulmano e nem todo muçulmano é árabe. Temos que mudar a ideia que vemos nos filmes”, opina.

Juma também se queixa de descriminação racial ao desabafar que, pelo fato de serem imigrantes e negros, são todos colocados como haitianos, sem a nacionalidade de cada um ser levada em conta. “É importante entender que nem todo negro é da África, assim como o Haiti não fica no continente africano”, complementa.

Covid-19: celebração na pandemia

Após o início da pandemia do coronavírus, Juma comenta que a situação foi difícil e desesperadora. Para ele, o Ramadã de 2020 foi o mais triste que já realizou. “O Centro Islâmico de Joinville estava às moscas”, relembra, entristecido.

O local recebeu diversos novos muçulmanos meses antes do vírus chegar à cidade. Semanas depois, era o início da Ramadã, momento de mais encontro para os fieis. “Tudo ficou perdido e impossível de fazer”, cita.

Assim como no ano no passado, a quebra do jejum também sofrerá impactos neste ano. O momento reúne os muçulmanos, todos sentados, onde cada um traz um prato para a celebração. O encontro não está sendo realizado pelo risco do contágio da Covid-19. Cada um faz na sua casa.

“Faça o bem e colherá”

Apesar da atual situação estar carregada de tristezas e perdas, o líder muçulmano relembra que a população já passou por momento ruins. Ele pede que a população reaja no momento mais difícil da geração. “Precisamos ter uma só fé na humanidade”, analisa.

Seye Demba, imigrante senegalês, em oração no Centro Islâmico de Joinville | Lucas Koehler/O Município Joinville

Abubacar pensa que se queremos bons frutos no futuro, precisamos pensar no que estamos fazendo para isso e, a partir daí, fazer o bem.

Para isso, o moçambicano se apoia em uma frase de Maomé, o profeta muçulmano: “Faça o bem e colherá”, finaliza.


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