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Gritos do Sul: entenda polêmica com filme apoiado pelo Simdec que motivou projetos de lei em Joinville

Filme Gritos do Sul gerou reações de vereadores e atingiu prefeito Adriano Silva; autora e entidades rebatem e denunciam censura

Um curta-metragem lançado há um ano e produzido com recursos da Prefeitura de Joinville tem gerado polêmica na cidade e insatisfação de vereadores. O filme Gritos do Sul foi criticado por políticos e motivou a criação de projetos de lei para alterar regras no Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec).

Gritos do Sul é um curta-metragem de 20 minutos, com roteiro e direção de Fahya Kury Cassins. A ficha técnica indica que é um filme do gênero suspense/terror. O filme foi lançado em setembro do ano passado. O projeto foi contemplado no Simdec Apoio 2021.

Conforme a sinopse, o filme se passa no contexto da pandemia e também menciona que seria em meio à “ascensão do fascismo na região Sul do Brasil”. Na ficha de avaliação no Simdec, o filme recebeu 261,6 de 280 pontos.

“A história acompanha um casal e seu bebê, que decidem passar alguns dias em um chalé na serra. Ao chegar lá, notam que o casal proprietário e seu filho têm um ‘ar’ questionável”, consta na sinopse.

A repercussão negativa do filme por parte de vereadores motivou reações de associações ligadas à cultura. Os vereadores Cleiton Profeta (PL) e Wilian Tonezi (Patriota) fizeram críticas relacionadas ao assunto. O deputado estadual Sargento Lima (PL-SC) também se manifestou.

A autora Fahya e o prefeito Adriano Silva (Novo) foram alvos de diversas críticas. No caso do chefe do Executivo, os protestos ocorrem em razão do apoio da prefeitura ao filme por meio do Simdec.

“Um dos primeiros ataques que recebi foi em maio deste ano”, afirma Fahya. Ela diz que a primeira menção crítica ao filme foi feita por Sargento Lima em um programa. Depois, os vereadores trataram do assunto na Câmara. Na opinião dela, seria uma “ação coordenada”.

Argumentos dos políticos e da autora

O vereador Wilian afirma que assistiu ao filme completo após dificuldade de acesso. Ele relata que recebeu “denúncia no gabinete de um filme estranho que a prefeitura tinha patrocinado” e, a partir daí, buscou informações.

“Assistimos ao filme completo depois de muita cobrança pela transparência no processo. A prefeitura alegou que a autora tem ineditismo do projeto. Então, ela teria o poder de exibir onde quisesse. Só conseguimos assistir porque fomos à Secretaria de Cultura e eles abriram no YouTube”, afirma.

Fahya alega que é detentora dos direitos do filme e comenta que é uma prática comum não divulgar as obras de forma on-line após determinado período. Isso ocorre em razão de uma exclusividade que é dada aos eventos que exibem o filme.

“Como o filme fez um ano recentemente, normalmente não colocamos as obras [para divulgação on-line]. É uma forma de trabalho de distribuição que fazemos. Por um período, então, o filme não fica disponível de forma on-line, pois é enviado para cineclubes, festivais e mostras”, explica.

Ela afirma que as produções independentes trabalham desta forma. Segundo Fahya, na próxima segunda-feira, 30, acontece uma exibição na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) de Florianópolis, e em novembro na UFSC de Joinville.

O filme foi disponibilizado pela autora no YouTube entre este último domingo, 22, a partir das 13h, e segunda-feira, 23, até 1h. Em seguida, foi tirado do ar na plataforma.

“Temos que entender que o projeto tem autoria. Eu sou a detentora dos direitos. Ele está registrado como CPB (Certificado de Produto Brasileiro) na Ancine (Agência Nacional do Cinema). É um curta-metragem que segue todos os parâmetros do nosso trabalho. Não tem como ficar disponível. Quem é da área entende”, diz Fahya.

Em suas críticas ao filme, o vereador Wilian comenta que um dos objetivos da lei do Simdec é promover a cultura relacionada a Joinville, ou seja, “levar a cidade a outras pessoas”, conforme pontua, e cita a proibição de discriminar minorias.

Apesar de o filme contar com o apoio da Prefeitura de Joinville e se passar na região Sul do Brasil, não é especificado qual é o município que a família que aparece no filme viaja. Além disso, não há menção falada a Joinville.

Entretanto, para o vereador, o filme retrataria a cidade. “O roteiro claramente quer retratar o cidadão joinvilense, pois coloca: ‘homem, loiro, alto, pele clara, com aspecto avermelhado, de olhos azuis’… ou seja, queria retratar os típicos cidadãos joinvilenses descendentes de alemães como fascistas”.

O deputado Sargento Lima relata que teve conhecimento do filme por meio das redes sociais. Ele afirma que buscou informações de quem financiou o filme após descobrir a existência do projeto. O parlamentar diz ainda que assistiu a trechos do filme, mas depois não conseguiu mais acessá-lo.

“Não é uma questão de censura, de forma nenhuma. A questão é: se você utilizar dinheiro público, que seja para reverter algo de bom para o público. Simplesmente isso”, cobra o deputado.

No filme, aparece uma pessoa utilizando uma camiseta em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Este personagem também conta com uma tatuagem de suástica (símbolo nazista) no braço, que fica à mostra após erguer a manga. A presença da cena irritou o deputado.

“Para mim, é uma história maluca que não tem absolutamente nada a contribuir com o estado de Santa Catarina e não tem absolutamente nada a contribuir com a minha cidade de Joinville, que inclusive pagou para fazer esse filme”, critica.

O vereador Profeta também critica a presença do personagem com a camiseta de Bolsonaro e com tatuagem de suástica no braço. Ele afirma que atacar políticos faz com que o projeto se torne um “folhetim político”.

“Não posso dizer ‘matem o Lula’ ou ‘matem o Bolsonaro’ em filme, pois se torna um folhetim político. Há um processo político para aprovar o projeto. Imagina o caos que seria se os agentes políticos pudessem liberar dinheiro público para atacar oponentes”, comenta Profeta.

A crítica de Profeta é maior quando se trata do projeto do filme Gritos do Sul. “O projeto é pior. O projeto ataca a cidade em texto e usa como justificativa Joinville ser uma ‘cidade fascista, racista, nazista’”, opina.

Projetos de lei para mudar o Simdec

Dois projetos de lei ordinária (PLO) que podem alterar a redação da lei que institui o Simdec tramitam na Câmara. Um deles, o PLO 163, é proposto por Neto Petters, Alisson Julio e Érico Vinícius, todos vereadores do Novo, partido do prefeito Adriano. Já o outro, o PLO 164, é uma proposição do vereador Profeta.

Uma audiência pública foi realizada nesta segunda-feira, 23, organizada pela Comissão de Constituição e Justiça, para debater os dois PLOs. A classe artística foi à Câmara de Joinville participar da audiência.

O PLO 163 acrescenta um parágrafo único no artigo 2º da lei do Simdec. No artigo em questão, consta que o objetivo do sistema é “estimular a produção e execução de projetos culturais considerados relevantes para o desenvolvimento da cidade”.

Com isso, os vereadores do Novo propõem que seja acrescentado que tais projetos considerados relevantes para o desenvolvimento do município sejam aqueles que “destacam o turismo e a cultura da cidade, geram mais emprego e renda para os moradores de Joinville e movimentam a economia”.

Além disso, o PLO 163 aumenta a proibição para aprovação de projetos. Consta na lei do Simdec que são vedados projetos “que não sejam estritamente de caráter cultural”. Os vereadores do Novo querem que outras cinco determinações sejam acrescentadas.

Se o PLO 163 for aprovado, a lei do Simdec deve barrar projetos que promovam ou depreciam a imagem política e pessoal de alguém, apresentem quaisquer formas de preconceito ou descriminação, não valorizem a cultura e não movimentam a economia.

Fahya critica o trecho do PLO 163 que proíbe promoção ou depreciação da imagem política. “Se você quiser fazer um documentário sobre a visita de Getúlio Vargas a Joinville, você não poderá, pois Getúlio Vargas é uma figura política”, exemplifica.

“Desculpa esfarrapada”, diz Wilian

Um dos autores do PLO 163, o vereador Érico comenta que a elaboração da proposta ocorreu após uma “provocação”, conforme classifica. Ele afirma que assistiu ao filme e leu o roteiro.

“Toda lei vem através de uma provocação, seja por um simples pedido ou uma discussão maior, como foi esta questão do filme. Eu assisti ao filme e li o roteiro, e fica muito claro que houve uma provocação por parte da autora com relação a isso. Talvez, nada disso estaria acontecendo nesse tempo se não houvesse a provocação”.

Érico rechaça as críticas ao prefeito. Ele afirma que é necessário ter responsabilidade nas falas e que existe todo um processo por trás do apoio da prefeitura a um projeto. Ele afirma ainda que os vereadores ouvem a todos durante a tramitação do PLO 163.

“Existem vários processos para conseguir aprovar um projeto como esse e, depois, realizar o pagamento. Cabe aos vereadores Wilian e Profeta avaliarem que não é simplesmente ‘o prefeito aprovou’ ou ‘o pessoal do Novo aprovou’. Existe um processo todo envolvido. É muito simples querer culpar o pessoal do Novo ou o prefeito Adriano”, defende.

Wilian contesta o PLO dos vereadores do Novo e diz que a medida é uma “desculpa esfarrapada”. Ele acusa se tratar de uma medida para que seja alegado que o governo não teria como impedir a aprovação do projeto de Fahya.

“[O PLO 163] foi uma desculpa esfarrapada. A lei deixa claro que não pode difamar certos grupos de pessoas. Você não pode fazer um filme para difamar os negros, mas os joinvilenses pode? Não pode um e nem outro”, contesta.

O PLO 164, de Cleiton Profeta, por outro lado, é mais relacionado ao uso dos recursos públicos. A medida também busca alterar trechos da lei. Segundo o vereador, o PLO 164 visa “reduzir o risco quanto ao cometimento de fraude ou desvio de dinheiro público”, conforme justifica.

Compromisso com governo

Profeta comenta que teria tido a ideia de mudar a lei do Simdec antes do filme Gritos do Sul. Porém, relata que tinha firmado um compromisso com o secretário de Cultura, Guilherme Gassenferth, para que fosse realizado um trabalho conjunto, e não via PLO.

“Meu primeiro projeto de lei era propor alteração no Simdec. Sou crítico de como o processo funciona. O secretário de Cultura, Guilherme Gassenferth, sentou comigo e pediu para que eu não entrasse com a alteração, pois o Executivo já trabalhava nisso e seria uma proposta para todos trabalharem juntos. Eu concordei e não entrei com meu projeto de lei”, relata.

Com o PLO 163, elaborado após a polêmica do filme, Profeta diz que os vereadores do Novo descumpriram a promessa do secretário. Sendo assim, Profeta entrou com o PLO 164. Segundo ele, já foram ouvidas várias entidades e artistas em conversas que ocorreram “de forma tranquila”, como define.

“A bancada do Novo apresentou o projeto de lei como uma resposta, como ‘nós vamos fazer algo para que esse tipo de problema (em referência ao filme Gritos do Sul) não ocorra’. Desta forma, eles descumpriram a promessa do secretário, que tinha prometido para mim que não seria via Legislativo [a alteração na lei do Simdec]”, finaliza.

O que diz o secretário de Cultura

O secretário Guilherme afirma que todos os projetos apoiados pelo Simdec são analisados por meio de critérios técnicos, estabelecidos em lei, e que não são consideradas questões políticas ou “outro mecanismo que imponha condição de censura às ideias dos proponentes”.

Questionado sobre o que a secretaria pensa em relação aos PLOs apresentados, Guilherme diz que aguarda o fim do processo na Câmara para se manifestar posteriormente.

“Com relação a projetos de lei, a prefeitura reforça a necessidade da proposta seguir o rito legislativo e, por esse motivo, aguarda a tramitação na Câmara de Vereadores para posterior manifestação a respeito do tema”, afirma o secretário.

Por outro lado, ele comenta que a secretaria atende as demandas dos vereadores quando questionada sobre dados e informações relacionadas ao Simdec e que está presente em reuniões e audiências públicas sobre o tema.

Quanto à fala do vereador Profeta, em que relatou que declinou de apresentar um PLO relacionado ao Simdec anteriormente em razão de um pedido de Guilherme, o secretário diz que a prefeitura preza pela independência entre os poderes.

“O Legislativo tem liberdade para apresentar os projetos de lei que julgar necessários e relevantes. O Poder Executivo se manifesta sobre eles após a tramitação na Câmara de Vereadores”, finaliza.

O que a prefeitura disse aos vereadores

A reportagem de O Município Joinville teve acesso a resposta da prefeitura a um pedido de informação do vereador Wilian. O parlamentar questionou se o prefeito Adriano assistiu ao filme, como avaliava, qual atitude foi tomada e se concordava em utilizar dinheiro público para patrocinar o projeto, entre outros questionamentos.

O documento, assinado pelo secretário de Governo, Gilberto de Souza Leal Junior, diz que o prefeito não participa do processo de aprovação, execução ou prestação de contas do projeto, além de informar que Adriano não teve acesso à produção.

“O processo de seleção das propostas consiste na análise técnica dos projetos apresentados, conforme os pontos previstos em edital”, informou a prefeitura no documento.

Fahya considera censura

Em maio, quando tudo começou, Fahya avisou aos colegas que haveria uma tentativa de mudar a lei do Simdec. Ela defende o conteúdo do filme, trata os PLOs como censura e avalia que “não tem nada a ver” ligar projetos culturais ao turismo local.

“O conteúdo da obra não fere ninguém. Espalhou-se uma mentira para justificar que é preciso mudar a lei do Simdec. O que os PLOs estão propondo? Censura. O PLO do Novo propõe uma censura muito grande a conteúdo”, comenta.

A autora ainda avalia os PLOs como medidas “de cima para baixo” por parte de, segundo ela, “legisladores que desconhecem totalmente as práticas da Secretaria de Cultura e dos produtores culturais”.

Ela também considera ameaçadoras e um “fazer de conta” falas como “se a gente quisesse passar [os PLOs], já teríamos passado”, em referência a discursos de vereadores.

Reações do setor cultural

Os projetos de lei geraram reações do setor cultural. A Cinemateca Catarinense manifestou apoio a Fahya por meio de um abaixo-assinado, que foi encerrado no dia 28 de agosto.

A Associação Joinvilense de Teatro (Ajote) publicou uma carta aberta no Instagram e escreveu: “Não à censura”. A associação trata os PLOs como limitar “a participação de manifestações artísticas que promovam ou abordam questões religiosas, raciais, de diversidade e cunho político”.

O Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina enviou uma moção em apoio a Fahya e à Secretaria de Cultura. O texto, assinado pelo presidente do conselho, Luiz Ekke Moukarzel, menciona que a produção e a secretaria sofreram ataques após “narrativas facciosas, descontextualizadas, de censura e tendenciosas”.

“Arte e Cultura não conjugam nem se alinham aos censuradores e principalmente são frestas de resistência em meio aos sombrios tempos que recentemente vivemos”, consta na moção do conselho.

Projetos em discussão

Na audiência pública, o vereador Lucas Souza (PDT) disse que não tem pressa em entregar o relatório sobre os projetos de lei na Comissão de Constituição e Justiça. O projeto deve continuar em discussão com a classe artística e a comunidade.

*Colaborou Brenda Pereira


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