Grupos de caça de javalis de Joinville reduzem a presença da espécie invasora

Ambientalista alerta para os impactos da espécie invasora e caçadores autorizados defendem o abate como a forma mais viável de conter os prejuízos

Grupos de caça de javalis de Joinville reduzem a presença da espécie invasora

Ambientalista alerta para os impactos da espécie invasora e caçadores autorizados defendem o abate como a forma mais viável de conter os prejuízos

Lara Donnola

O javali é considerado uma das cem piores espécies invasoras do mundo. Sem predadores naturais no Brasil, ele causa sérios impactos ambientais. Por isso, a caça ao animal é a única prática permitida por lei no país, e é regulamentada como forma de controle populacional. Um ambientalista e caçadores explicam os impactos da espécie e como funciona, na prática, a caçada ao javali.

Segundo o ambientalista Lauro Bacca, o javali é uma espécie exótica invasora, que não possui predadores naturais e representa uma ameaça significativa aos ecossistemas brasileiros.

“Espécies exóticas são aquelas que não pertencem originalmente a um determinado ambiente, mesmo que sejam de outros biomas dentro do próprio país”, explica. Quando essas espécies conseguem se estabelecer e causar desequilíbrios ecológicos, passam a ser classificadas como invasoras.

Segundo o ambientalista, essas espécies são a segunda maior causa mundial de perda da biodiversidade, porque competem com as nativas, não têm predadores naturais e podem até transmitir doenças antes inexistentes na região.

Clubes de caça de Joinville

O caçador de javalis Alpheu Lins Neto, de 52 anos, é agente da Polícia Civil e veterinário. Atua como caçador legalizado, com Certificado de Registro no Exército e como Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) desde 2009. Ele é presidente do Defense Clube de Caça e Tiro, fundado em 2019 em Joinville, entidade que reúne caçadores em ações voltadas à prática regulamentada.

Alpheu começou a caçar javalis em 2018, motivado principalmente pela necessidade de conter os impactos causados pela espécie no meio ambiente. “O javali faz um estrago muito grande no meio ambiente. Então, juntando isso com a prática da caça, o fato de que a gente tem tudo legalizado, surgiu essa vontade e essa necessidade”, explica. Um ano depois, o Defense Clube já estava em atividade e passou a reunir caçadores da região em ações regulares.

As caçadas organizadas pelo Defense Clube de Caça e Tiro ocorrem uma vez por mês, em edições previamente programadas com turmas marcadas. “Em julho, por exemplo, realizamos a 34ª caçada”, destaca Alpheu. As ações acontecem principalmente na região serrana de Santa Catarina, em municípios como Lages, como Ponte Alta, Painel e Urubici, áreas com alta incidência de javalis.

Caçadores do Defense Clube de Tiro e Caça

A estrutura do clube é um dos diferenciais destacados por Alpheu Lins Neto. Segundo ele, o grupo funciona como uma entidade formal, com CNPJ, estatuto e organização interna. O clube mantém uma fazenda arrendada na região serrana do estado, próximo a Lages, onde ocorrem as caçadas mensais. Os locais exatos não são divulgados por questões de segurança e para evitar a presença de caçadores clandestinos.

Segundo Alpheu, a logística da caçada é planejada com antecedência e envolve diversos recursos. O clube conta com um motorhome, veículos preparados para o deslocamento nas propriedades, incluindo uma caminhonete com estrutura adaptada para caçada noturna, além de um quadriciclo.

Durante a noite, os caçadores utilizam fachos de luz para localizar os animais. A equipe também trabalha com cães treinados, cada um com coleira rastreável via GPS. “Assim, sabemos por onde o javali está passando e conseguimos acompanhar o percurso dos cães em tempo real”, explica.

Caçadores do Defense Clube de Tiro e Caça

O principal equipamento utilizado é a arma de fogo, escolhida por oferecer um abate mais preciso e rápido. Todas as armas utilizadas são legalizadas e os integrantes do grupo possuem as licenças exigidas por lei. O cumprimento da legislação é uma prioridade do clube. “Também levamos caçadores de outros clubes para participar com a gente. Isso é comum”, ressalta.

Já o administrador Sandro Sgarbi, de 47 anos, atua como caçador de javalis desde 2013, ano em que a prática foi regulamentada no Brasil. Segundo ele, a motivação surgiu tanto por influência familiar, quanto pela necessidade crescente de produtores rurais da região em conter os prejuízos causados pelo animal. Ele começou a ser procurado para realizar a atividade como uma forma de controlar os danos em lavouras, já que o javali não possui predadores naturais.

Hoje ele faz parte do grupo Amigos do Controle, e continua sendo membro de outra equipe chamada Aqui sem Javali, onde realizam caçadas. “Todos são CACs, têm armamentos devidamente registrados e documentação do Ibama”, afirma.

Sandro Sgarbi com um javali de 208 quilos, o maior já abatido pelo seu grupo.

Sandro explica que as caçadas geralmente ocorrem em áreas rurais, quando são solicitadas por produtores. Segundo ele, o grupo costuma se reunir nos finais de semana e, antes de qualquer ação, faz uma visita à propriedade para verificar se há vestígios da presença de javalis e confirmar os prejuízos causados pelos animais. Só então é marcado o retorno para realizar o controle.

Ele afirma que o abate é feito da forma menos dolorosa possível. “A gente procura agir rápido e dar o menor número de disparos, justamente para não fazer o animal sofrer. Isso é algo que a gente preza muito. Ninguém está lá para judiar do animal ou cometer maus-tratos. O objetivo é proteger o ecossistema. É um controle sanitário”, afirma.

Impactos ambientais do javali

Lauro Bacca lembra que o javali foi introduzido no Brasil de forma irresponsável, com a intenção de ser uma opção de caça. “Foi um erro, um crime ambiental, seja por dolo ou por culpa. E agora estamos lidando com as consequências. Ele acabou sendo invasor”.

Entre os danos causados, ele destaca a voracidade do animal, o impacto em grandes áreas de vegetação, a predação de espécies nativas e até de animais de criação, como ovelhas. “Eles chegam a pesar até 200 quilos e, em bandos, causam estragos consideráveis”, relata.

O ambientalista compartilhou uma experiência pessoal enquanto administrava o Parque das Nascentes, em Blumenau. Um pequeno porco solto temporariamente deixou rastros impressionantes com mais de um metro de diâmetro no solo, apenas fuçando em busca de alimento. “Se um porquinho de apenas 40 centímetros já provoca esse tipo de impacto, imagine um grupo de javalis com até 200 quilos. Eles reviram áreas e poluem nascentes. Por várias razões, causam danos aos ecossistemas e precisam ser controlados”, afirma.

Controle do javali

Segundo Lauro Bacca, há registros de prejuízos ambientais em diversas regiões de Santa Catarina, especialmente no Alto Vale. Nas áreas de vegetação nativa, os javalis arrancam plantas pequenas ao fuçar o solo, comprometendo o crescimento de novas árvores.
Também há impacto nas lavouras, segundo ele. “Se um grupo com 50 animais, cada um pesando cerca de 100 quilos, invade uma lavoura, o estrago é tremendo. Eles comem demais, não porque são gulosos, mas pelo porte que têm”, destaca.

Pelos motivos citados, na visão do ambientalista, a população de javalis precisa ser controlada. Ele explica que alguns dos possíveis predadores, como onça-pintada, puma, jaguatirica e harpia, poderiam atacar apenas filhotes. “A onça-pintada não existe mais em Santa Catarina e o puma, apesar de ainda existir, perdeu muito habitat e foi tão caçado que já não exerce seu papel de controlador ecológico da população do javali”, diz.

Sem esse equilíbrio natural, a espécie se reproduz com facilidade e representa riscos à biodiversidade, à agricultura e à saúde pública. Lauro reconhece que a caça pode ser uma forma de controle. “Gostemos ou não, todos esses bichos precisam ser abatidos. É cruel? Bom, quem reclama disso muitas vezes consome carne de boi, de frango, de peixe. Todos esses animais são abatidos também”, pondera.

No entanto, o ambientalista destaca a necessidade de fiscalização. “Infelizmente, há quem peça licença para caçar javalis e aproveite para caçar espécies nativas, o que é crime ambiental. Temos cervos raros, queixadas, catetos, pacas, coatis, uma variedade enorme de fauna silvestre que pode acabar sendo alvo”, alerta.

Para Bacca, o importante é que o abate seja feito de maneira ética e técnica, com muito conhecimento da anatomia do bicho. “Se for a tiro, esse tiro tem que ser certeiro para não deixar o animal sofrendo, agonizando, ferido. Então, tem toda uma série de cuidados que temos que ter para abater o animal”, ressalta.

Ele menciona ainda tentativas já feitas em outros países de controle reprodutivo por meio de anticoncepcionais misturados à comida, mas admite que essa solução é complexa e pouco viável. “O mais prático ainda é a caça, seja com armadilhas, seja a campo. Mas tem que ser constante, com controle rigoroso por parte do poder público, para garantir que o foco seja exclusivamente o javali”, conclui.

Papel do poder público

Para Lauro, o papel do poder público no controle do javali ainda é fraco e burocrático. Ele percebe que há excesso de normas e pouca fiscalização, especialmente por parte do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que carece de pessoal para acompanhar de fato como ocorrem os abates.

“O governo deixa muito a desejar e precisa acelerar esse processo. E não é só uma cobrança de ambientalistas, mas também dos produtores rurais, que têm sofrido grandes prejuízos com a proliferação dos javalis em áreas de produção agrícola”, afirma.

No Brasil, o único animal cuja caça é permitida, por lei, é o javali, como forma de controle populacional devido aos seus impactos negativos no meio ambiente e na agricultura. Essa permissão é válida para javalis selvagens, da espécie exótica invasora. A caça de outras espécies animais é proibida no país.

Importância da caça

Os caçadores, assim como o ambientalista, compreendem que a caça ao javali é fundamental para o controle ambiental e para a proteção das atividades rurais. Eles explicam que o javali é um animal altamente adaptável, com sistema digestivo capaz de processar desde vegetais até carne, o que o torna uma ameaça ampla à fauna, à flora e até mesmo a outros animais de criação.

Além do impacto ambiental, o veterinário Alpheu destaca os prejuízos econômicos causados ao agronegócio. Segundo ele, plantações inteiras podem ser comprometidas. “Já vi casos de produtores que perderam até 40% da lavoura por causa do javali”, diz. Para ele, o fato de o abate ser autorizado por órgãos ambientais mostra o grau de ameaça que a espécie representa.

Para Alpheu, as muitas críticas à caça de javalis vêm de uma visão romantizada e da falta de conhecimento específico sobre a realidade do problema. “Sou veterinário e gosto muito dos animais. O fato de ter um clube de caça não significa que não gosto dos animais, muito pelo contrário, tanto pela profissão que eu escolhi”, diz. Segundo ele, quem entende os prejuízos causados pela espécie no meio ambiente e na produção rural tende a apoiar a prática. “Existem biólogos que defendem a caça do javali, e é óbvio, porque defendem a natureza”, destaca.

“Quem critica a caça do javali está desinformado”, diz Sandro. Segundo ele, a atividade é necessária para proteger a agricultura, a fauna, a flora, a economia e até a segurança das pessoas, já que o javali representa risco de ataques e transmissão de doenças. Ele também defende que os caçadores deveriam ser valorizados, pois atuam de forma voluntária, investem recursos próprios e seguem um processo rigoroso para atuar legalmente. Ele afirma que a caça é a única forma eficaz de controle da espécie.

Desafios da caça ao javali

Um dos principais riscos durante a caçada, segundo Alpheu, está no comportamento imprevisível do javali. “Ele é muito inteligente e, se se sentir ameaçado, pode atacar mesmo sem estar encurralado”, alerta. “Em situações em que o disparo erra o alvo, não é raro o animal reagir e partir para cima do caçador. “Há diversos vídeos mostrando isso, eu já vi, e infelizmente já ocorreram acidentes graves”, informa.

Além do risco físico, outro desafio apontado é encontrar o animal. Apesar da grande presença em diversas regiões, o javali é adaptável, discreto e difícil de localizar, segundo Alpheu. “Ele vive bem em ambientes úmidos ou secos, frios ou quentes, e tem hábitos noturnos e estratégicos. Tem muitas formas de se esconder e sobreviver”, diz. Por isso, ele reforça que caçá-lo exige planejamento e paciência.

O caçador Sandro Sgarbi também menciona as dificuldades da prática. “O javali se reproduz muito e é um animal muito difícil de abater, sabe? Se fosse fácil, hoje não existiria mais, já tinha sido controlado. Mas não, ele é difícil de controlar”, ressalta. Por isso, também concorda que, entre as várias formas de controle, a mais eficaz é com os cães.

Sandro Sgarbi com um javali abatido e um cão farejador

Sandro já presenciou situações de risco durante caçadas. Ele conta que um colega foi atacado por um javali de grande porte, que estava escondido em uma área de lama. O animal derrubou o caçador, o desarmou e o feriu em três partes do corpo, chegando a apenas dois centímetros do intestino. “Ele poderia ter morrido”, comenta.

Segundo Sandro, os cães ajudaram a afastar o javali, permitindo que o colega se recuperasse e fizesse o abate. O homem precisou passar por cirurgia e ficou dois dias internado. Ele também relata um caso em que uma pessoa morreu após tentar espantar um javali com um disparo de arma de baixo calibre.

Ele ressalta que acidentes são comuns e o risco é alto, já que o javali é um animal forte, veloz, agressivo e difícil de localizar. Ele destaca que todo o trabalho de controle é voluntário, sem apoio financeiro. Os próprios caçadores investem em armas, veículos e equipamentos para conseguir atuar em áreas de difícil acesso e fazer esse controle ambiental.

Como participar de caçadas

Para participar de uma caçada organizada, o interessado precisa cumprir uma série de exigências legais. Segundo Alpheu, o primeiro passo é estar registrado como CAC junto ao Exército Brasileiro. Também é necessário fazer um Cadastro Técnico Federal no Ibama e obter uma licença específica para cada evento de caça, que lista todos os participantes. “Tudo isso o nosso clube (Defense) organiza para o associado, com o apoio de um serviço de despachante”, explica.

Outro documento essencial é a autorização por escrito do proprietário da fazenda onde a atividade será realizada. “Sem essa permissão formal, não é possível caçar em nenhuma propriedade”, afirma Alpheu. Essa exigência também é intermediada pelo clube quando as caçadas ocorrem nas áreas arrendadas pelo grupo.

Além da modalidade praticada pelos CACs, existe uma segunda forma de caça prevista em lei. Proprietários rurais que moram em áreas com presença de javalis podem obter autorização para caçar dentro da própria propriedade, mesmo sem registro no exército. Basta que tenham uma arma registrada pela Polícia Federal, façam o cadastro no Ibama e emitam a licença de caça. No entanto, essa autorização é restrita, não permite levar outros caçadores nem caçar fora dos limites da propriedade, segundo o agente policial.

Para participar, além de estar regularizado como CAC, o caçador precisa ter habilidade com armamento. “Nós damos instruções sobre a caçada e como o caçador deve se portar com a arma de fogo. Somos muito criteriosos com a questão da seguraça”, afirma.

Existem três métodos principais de caça: a ceva, que consiste em atrair o javali ao longo de dias ou semanas com alimento; a busca a pé, sem cães, considerada a mais difícil; e a caça com cães farejadores, método mais utilizado pelo grupo e que mais tem sucesso, segundo Alpheu.

De acordo com o ambientalista Lauro Bacca, o uso de armadilhas conhecidas como cevas consistem em um cercado com entrada livre e comida farta. Os javalis se habituam a ir até o local e, em determinado momento, o cercado é fechado, concentrando vários animais.


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Casarão Neitzel é preservado pela mesma família há mais de 100 anos na Estrada Quiriri, em Joinville:

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