Indústrias de Joinville mudam estratégias para superar dificuldade em comprar matéria-prima
Guerra e pandemia impactam importação e exportação de produtos
Joinville, a principal cidade industrial de Santa Catarina, vem enfrentando dificuldades de produção após o aumento do preço e a escassez de matéria-prima. A atual guerra entre a Rússia e a Ucrânia e os reflexos da pandemia da Covid-19 têm trazido inúmeros desafios para as indústrias do estado, que precisaram repensar estratégias para impulsionar a economia local.
Segundo dados do Ministério da Economia, a Ásia é o bloco econômico que mais vendeu para as indústrias joinvilenses neste ano. A Europa, que sofre com a atual guerra, é o terceiro maior importador para Joinville.
Tanto os lockdowns que fecharam países quanto a guerra na Europa prejudicaram, por exemplo, a compra de matérias-primas para as produções locais, já que muitas delas são importadas de outros países. Os preços destes materiais, chamados de commodities, variam de acordo com a oferta e demanda.
“Em virtude desse cenário, as empresas catarinenses estão revendo as estratégias de aquisição de matérias-primas”, comenta Marcelo de Albuquerque, economista do Observatório Fiesc.
Uma sondagem especial realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e conduzida em Santa Catarina pelo Observatório Fiesc, apurou que 70,7% das empresas industriais no estado afirmaram que o aumento dos custos com insumos e matérias-primas nacionais superou as expectativas. Com relação aos insumos importados, os aumentos acima do esperado foram sentidos por 52,1% das indústrias.
Dados da sondagem especial mostram que 38,6% das indústrias catarinenses estão buscando outros fornecedores no país e 30% no exterior. “As indústrias catarinenses estão negociando melhores condições de preços e tentando evitar desabastecimentos de insumos e matérias-primas fundamentais para a produção”, revela o economista.
Ainda conforme o levantamento, 38,4% das empresas catarinenses observaram impactos negativos a partir do início do conflito entre Rússia e Ucrânia. Entre aquelas que indicaram sentir impactos negativos, os principais motivos foram: aumento dos preços dos insumos e/ou matérias-primas (65,8%), aumento do custo de energia (diesel, óleo combustível, gás, carvão, etc.) (50%) e dificuldade logística no transporte (indisponibilidade de navios e contêineres ou aumento do preço dos fretes) (39,5%).
“Com a imposição de diversas sanções econômicas ao país, o reflexo disso ocorre sobre o encarecimento dos produtos importados, afetando diretamente a produção industrial de Santa Catarina, dependente de insumos industriais vindos do restante do país e do exterior”, explica Evair Oenning, vice-presidente da regional Norte Nordeste da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc).
Os impactos na produção industrial no Norte de SC
Atualmente, uma das maiores dificuldades da indústria é conseguir matéria-prima, que vem acompanhada de problemas na logística. Em Joinville, os materiais importados com mais frequência são máquinas, aparelhos e material elétrico, seguido dos metais, material de transporte, plásticos, borrachas e químicos.
No caso da Busscar, empresa de Joinville que produz carrocerias para ônibus, houve falta de recebimento de chassis pelas montadoras, que não conseguem componentes eletrônicos. Por conta disso, o diretor de supply chain da Busscar, Marcelo Nery Santiago, conta que foi necessário se replanejar. Houve interrupções na produção e a necessidade da substituição de chassis e clientes quando possível.
Segundo o diretor, foi necessário se adaptar e trabalhar com os chassis disponíveis em outras montadoras. A empresa traçou um plano para readequar a fábrica para, ao invés de perder produção, otimizá-la com remanejamento de produtos em linha conforme chassis disponíveis.
A empresa foi afetada numa proporção menor que a montadora, mas teve problemas pontuais com itens importados da China, como limpadores de para-brisa, faróis, passadeiras e USBs. “Adequamos nossos estoques com aumento de volume para suprir as incertezas de novos fornecimentos, além de desenvolver alternativas de locais sem restrições, dando preferência ao mercado nacional e rediscutindo com o cliente a alteração técnica, entrando em consenso”, explica Marcelo.
No caso do setor químico, os preços mais que duplicaram, segundo o presidente da joinvilense Termotécnica, Albano Schmidt. “Temos buscado alternativas de fornecedores no mercado interno, mas alguns insumos ainda temos que importar, principalmente do setor químico”.
A empresa joinvilense ainda vê um cenário de desafios por conta do aumento dos custos e da inflação interna. Para se adaptar ao momento, foi necessário contar com parceiros para abastecer a empresa, ainda que com um custo bastante alto. “Todo o nosso planejamento interno teve que ser revisto de forma mais frequente para suportar essas oscilações”, comenta Albano.
Apesar de utilizar produtos 100% brasileiros, a Multi-Pine Wood Trading, empresa do litoral Norte catarinense que atende o mercado externo com a exportação de madeira, também se viu prejudicada pelo atual cenário mundial.
Marcio Benthien, diretor da empresa, conta que há grandes desafios no abastecimento, falta de produtos por conta da demanda mundial de commodities e restrições de produção. E, apesar disso, foi principalmente por conta da inflação de preços que a empresa precisou repensar a forma de fazer negócio.
“Antes, fazíamos, por exemplo, pedidos a cada três meses ou até programações de seis meses ou um ano. Após a pandemia, com a inflação de preços exorbitante, tivemos que nos adaptar fechando pedidos a cada mês ou a cada semana, o que significa uma mudança significativa nos processos de vendas e produção, pois perde-se a previsibilidade. O sentimento de instabilidade vem sendo constante”, explica Marcio.
Também foi preciso definir prioridades, já que houve redução na produção e aumento da demanda. A Multi-Pine Wood Trading decidiu focar nos atendimentos de clientes-chaves, trabalhar na fidelização e suspendeu parte das vendas a novos clientes. Além disso, o negócio procurou fomentar a produção de novos itens para atender a demanda internacional, já que a empresa exporta para todo o globo. “Significa uma mudança significativa nos processos de vendas e produção pois perde-se a previsibilidade e o sentimento de instabilidade vem sendo constante”, aponta o diretor da empresa.
Apesar das adversidades, Marcio analisa que a empresa conseguiu se superar. “Todos estes fatores nos moldaram e nos incentivaram a evoluir e com sucesso o fizemos. Nossa empresa evoluiu muito nestes últimos dois anos”.
O que causa o aumento no preço da matéria-prima
Em 2021, Joinville gastou 4,1 bilhões de dólares na compra de produtos importados, um aumento significativo comparado ao valor gasto em 2020 e 2019 — 2,6 bilhões e 2,8 bilhões de dólares, respectivamente. São diversos os fatores que causam o aumento no preço da matéria-prima, entre eles a pandemia e a elevação no preço dos combustíveis.
Andrei Rosa, membro do Núcleo de Negócios Internacionais da Associação Empresarial de Joinville (Acij), explica que um das principais razões para este problema é o aumento na demanda. Durante a pandemia, o modelo de consumo sofreu alterações e gerou uma procura maior em alguns setores. “As pessoas pararam de consumir fora de casa e começaram a comprar mais produtos, ao invés de gastar com restaurantes e outros serviços externos”.
A mudança de comportamento aliada à injeção de recursos promovida pelo governo, por meio do auxílio emergencial, potencializou a procura por produtos. “Gerou uma forte necessidade de consumo, especialmente no segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021. Por conta da alta demanda e baixa disponibilidade de matérias primas, os custos, especialmente as commodities, sofreram fortes aumentos”, diz Leônidas Pereira, gerente de Suprimentos da Cristal Master.
Em resumo, a alta demanda e a baixa disponibilidade do mercado fizeram com que os preços subissem, o que impactou no valor para a compra de matéria-prima e também para o consumidor final.
Andrei aponta que esta cadeia de compra e venda precisa ser saudável. Caso contrário, há uma disruptura que encarece os preços e sobe a inflação. A situação é enfrentada no Brasil atualmente.
E, além disso, ele aponta o aumento do preço do combustível, do frete e transporte e a escassez de matéria-prima pelos lockdowns e sanções da guerra como outras causas para os aumentos constantes.
“A pandemia mudou para pior o cenário completo de capacidade e de investimentos industriais, que já havia necessidade de plano de adequação e de proporcionalidade à demanda de mercado. A situação pós pandemia ainda tem como consequência a instabilidade e incerteza do que virá”, aponta Marcelo, diretor de Supply Chain da Busscar.
As dificuldades para importação e exportação
A logística para exportação e importação de matéria-prima e também dos produtos finais foi impactada nos últimos anos. Andrei Rosa, membro da Acij e também gerente comercial nacional da SMX Logistics, explica que são várias as causas.
O aumento dos combustíveis, que encarece o preço do transporte, é uma delas. Outra é a falta de contêineres para as cargas e os lockdowns, que fecharam portos em todo o mundo. “Tudo isso encareceu o transporte e, consequentemente, o produto final”, explica.
Com a logística fortemente afetada, elevados aumentos de custo de frete internacional, falta de equipamentos e redução de rotas marítimas a importações de produtos e materiais, além do impacto nos preços, houve desabastecimento. “A chegada da matéria-prima aos estoques também foi impactada. Abastecer a demanda foi um desafio”, aponta o gerente de Suprimentos da Cristal Master.
O gerente conta que, no caso da Cristal Master, o plano sempre foi manter um bom nível de estoque para garantir o fornecimento de produtos mesmo com contratempos. “A distribuição das aquisições no mercado nacional e internacional nos proporciona gerenciar de forma mais assertiva a gestão de risco de fornecimento. O planejamento das importações passou a ser a médio e longo prazo, mantendo níveis de estoques de 90 a 120 dias.”
A Dânica Soluções Termoisolantes também optou por alterar a forma de estoque. “Para minimizar os problemas logísticos com as importações, a Dânica aumentou os estoques de segurança e as compras de fornecedores brasileiros”, conta Pedro Echegaray, CEO da empresa.
A joinvilense importa aproximadamente 60% das matérias-primas e o restante compra no Brasil, a fim de evitar problemas com o transporte de materiais vindos de outros países. Com o início da pandemia, a importação passou por vários gargalos na origem, principalmente na China, e nos portos de entrada no Brasil.
Apesar de não registrar desabastecimento de materiais, houve um forte aumento nos custos e problemas logísticos momentâneos. “Exceto algumas situações pontuais, a Dânica não teve que reduzir a produção por causa de falta de materiais, porém nossa margem de lucro diminuiu por causa do aumento dos custos de transporte e do preço dos materiais na origem”, conta Pedro.
Os impactos nos portos da região
Neste ano, o volume de contêineres operado no Porto Itapoá está sendo mais expressivo no sentido de exportação. Referente à pandemia, o aquecimento do consumo do mercado acima do esperado fez o volume de importação aumentar no segundo semestre de 2020 e primeiro semestre de 2021. Já no Porto de São Francisco do Sul, o cenário ficou estável, inclusive durante o período de pandemia.
Ainda assim, o porto francisquense registrou um aumento na importação de fertilizantes, por conta da atual guerra na Europa. Os produtores rurais temem a falta do produto, que tem na Rússia um dos seus maiores produtores.
Segundo dados fornecidos pelo Porto de São Francisco do Sul, nos primeiros quatro meses de 2022, a importação de fertilizantes atingiu 914 mil toneladas, um crescimento de 44% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram importadas 636 mil toneladas do adubo.
No Porto de Itapoá, foi sentido que a importação de fertilizantes está sofrendo restrições e chegando ao Brasil com alguns atrasos. Outro fator que está impactando é a saída das cargas de fertilizantes de contêineres para navios de cargas soltas.
Nas exportações, o impacto é menor no Porto de Itapoá, pois o Brasil não aplicou sanções para Rússia e algumas oportunidades foram abertas, principalmente em relação ao mercado europeu para abastecimento de alimentos e insumos que eram antes abastecidos por indústrias russas.
Parcerias e incentivos para exportar
Por outro lado, assim como as empresas enfrentam dificuldades em conseguir comprar matéria-prima no mercado interno, há também um incentivo para que as indústrias se projetem globalmente.
Em 2020, Joinville vendeu cerca de 840 milhões de dólares para o exterior. No ano seguinte, este valor subiu, fechando 2021 com 1 bilhão de dólares exportados. O bloco econômico que mais compra das indústrias joinvileses é a América do Norte, segundo o Ministério da Economia.
Renan Leonardo Moreira, técnico do Programa de Qualificação da Associação de Pequenas Empresas de Joinville (Ajorpeme), aponta que com a globalização, mesmo empresas que nunca cogitaram a hipótese de exportar, estão concorrendo com produtos provenientes da China, Estados Unidos, Alemanha, entre outros países.
Ele comenta que o empresário catarinense deve pensar na exportação como uma oportunidade para diminuir a dependência do mercado interno e mostrar o potencial da indústria para o mundo.
Existem algumas dificuldades que pequenos negócios precisam superar para ingressar na dinâmica internacional, e começarem a exportar. Eduardo Correia, técnico do Programa de Qualificação da Ajorpeme, explica que entre as principais estão encontrar o mercado alvo ideal para se começar a exportar, saber exatamente quais são os investimentos e adequações necessárias para a empresa e produto entrar no mercado internacional, e saber formatar o preço do produto para exportação.
“A empresa que se capacita para entrar no mercado externo acaba dando um salto de qualidade em relação à sua concorrência interna, tanto em seus produtos, como na prestação de seus serviços, uma vez que passa a atender as demandas e exigências do mercado internacional”, afirma Eduardo.
A Ajorpeme no início de 2022, firmou um acordo institucional com da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) para implementar o Programa de Qualificação para Exportação (Peiex), na região Norte catarinense. Os técnicos buscam capacitar os empresários que tenham a intenção de exportar seus produtos e serviços para outros países.
A ação é oferecida gratuitamente pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, e executada pela Escola de Negócios da Univali.
O Peiex é oferecido para as empresas brasileiras que querem iniciar o processo de exportação de forma planejada e segura. “As empresas que nunca exportaram têm várias dúvidas em relação à comercialização internacional e o Peiex ajuda a eliminar as principais incertezas”, comenta Renan, técnico da Ajorpeme.
Assim como a Acij e Ajorpeme, Evair Oenning, vice-presidente da Fiesc regional Norte Nordeste destaca as ações realizadas durante a pandemia como instrumento de fortalecimento do setor. “[Na Fiesc] trabalhamos para promover uma série de ações que defendam a indústria catarinense e assegurem condições para o crescimento e o desenvolvimento de nossas empresas e nossa economia”, afirma.
Um exemplo disso é o Reinventa-SC, lançado durante a pandemia, que tem como objetivo preparar as empresas para o futuro, com foco em inovação, melhoria de processos e ganhos de competitividade.
Adequação e planejamento
A indústria joinvilense tem se adequado às mudanças impostas pela conjuntura atual. “[Há pelo menos três anos], os empreendedores faziam planejamentos a longo prazo, contratos mais duradouros porque se conhecia o cenário de estabilidade. Hoje, é preciso saber trabalhar com o imprevisível, fazer contratos mais curtos, rever estratégias”, explica Andrei, membro da Acij e gerente comercial nacional da SMX Logistics.
As associações têm grande papel no fortalecimento do setor industrial neste momento de instabilidade. Segundo Andrei, com a união entre os associados da Acij, por exemplo, foi possível estreitar parcerias, trocar experiências e impulsionar estratégias.
Evair, vice-presidente da regional Norte Nordeste da Fiesc, destaca o crescimento do setor apesar das adversidades da conjuntura — no caso de Joinville, foram registrados indicadores positivos na geração de empregos e no comércio exterior.
Comparando os cinco primeiros meses de 2022 com 2021, houve um crescimento de 25,3% nas exportações neste ano. O destaque foi para a venda de produtos de alta sofisticação tecnológica, como partes de motor, com vendas mais expressivas para a América do Norte, compressores de ar, para os Estados Unidos, Emirados Árabes e Europa, e os refrigeradores/congeladores para a América do Sul. “Esses indicadores reforçam a qualidade e a competitividade da indústria joinvilense”, aponta.
Ele destaca a diversidade da indústria catarinense, o que explica a capacidade de adaptação e reação frente às adversidades, como foi o caso nestes anos de pandemia. “Os empresários industriais catarinenses não pararam de produzir e ainda conseguiram se reinventar para atender novas demandas que surgiram neste período”, finaliza Evair.