“Informação é poder”: moradora de Joinville convive há 33 anos com HIV e usa redes sociais para conscientização

Cidade tem cerca de 4,6 mil moradores diagnosticados

“Informação é poder”: moradora de Joinville convive há 33 anos com HIV e usa redes sociais para conscientização

Cidade tem cerca de 4,6 mil moradores diagnosticados

Yasmim Eble

Joinville tem mais de 4 mil moradores vivendo com HIV. O número foi divulgado pela Secretaria de Saúde do município após um pedido de informação da Câmara de Vereadores de Joinville. Em conversa com a Unidade Sanitária em Saúde, foi revelado que os usuários ativos, que recebem a medicação e o acompanhamento, chegam a 5,2 mil.

Uma dessas pessoas é Vanessa Campos, de 51 anos, natural de Manaus, no estado do Amazonas, e moradora de Joinville. Ela convive com o HIV há 33 anos e usa da sua voz para difundir informações sobre a doença e quebrar os estigmas com a página Soroposidhiva, no Instagram, TikTok e Facebook.

“O meu diagnóstico de HIV/Aids aconteceu através de um exame em março de 1992, eu tinha 19 anos. Eu fiz o exame porque o meu primeiro namorado, que eu tive um relacionamento de um ano e meio, morreu de Aids”, relembra. Atualmente, existe uma diferença entre estar com HIV e estar com Aids, porém, segundo Vanessa, na época ser diagnosticado com HIV já lhe dava o diagnóstico de Aids. 

“Eu recebi o resultado e conversando com o infectologista eu percebi que já convivia com o HIV desde 1990, quando tinha 17 anos”, explica. Isso porque Vanessa teve uma infecção aguda pelo HIV no início daquele ano. No entanto, como não era considerada do “grupo de risco” da época, um teste de HIV não foi realizado. 

Vanessa explica que os sintomas da infecção se assemelhavam aos de uma gripe muito forte. Muitos exames foram realizados na época, menos o teste. Ela relaciona isso com os estigmas da época, que perpetuam até agora, de que quem é diagnosticado com HIV tem muitos parceiros sexuais. 

“Eu era uma adolescente, com um único parceiro sexual. Nenhum médico me indicou o teste, pois essa nem era uma possibilidade para eles. A minha infecção mostra que não existe um grupo de risco. Qualquer pessoa que tem relações sexuais sem camisinha está exposta ao retrovírus”, conta. 

Na época, Vanessa se sentiu perdida. “Não havia informação. O diagnóstico era como uma sentença de morte ou de solidão”, lembra.

Criação da Soroposidhiva

Mãe de três filhos e com o vírus indetectável desde 2005 por conta do tratamento, Vanessa criou suas redes sociais em 2016, após conversar com os filhos. “Eu os consultei, pois infelizmente o preconceito se estende aos familiares das pessoas que vivem com o HIV. Então, eu preparei elas e esperei o momento certo para tornar meu diagnóstico público”, explica. 

Na página, Vanessa luta contra os estigmas, preconceitos e discriminações. “Eu vejo o quanto as mulheres são invisibilizadas, inclusive sendo vítimas de violência institucional, principalmente quando elas resolvem exercer os seus direitos sexuais e reprodutivos”, acrescenta. 

Vanessa explica para os seguidores sobre a importância do diagnóstico precoce, do tratamento e como ele pode transformar a vida das pessoas. “Meu sonho sempre foi ser mãe e hoje tenho três filhos. Porém, foi me dito muito que eu não podia engravidar, me fazendo ter culpa em ter esse sonho. Também sofri violência obstétrica durante a gravidez”, conta. A Soroposidhiva nasceu da necessidade de falar desses assuntos. 

As principais lutas são voltadas à melhoria dos tratamentos, para que se tornem cada vez menos tóxicos, e que facilitem o tratamento diário. Pautas como acolhimento integral e o acesso à informação também são muito importantes. 

“A informação é poder. Há cada vez menos informações sobre o HIV, sobre o tratamento e o diagnóstico. Muitas pessoas não entendem que seguindo o tratamento você fica indetectável igual intransmissível”, explica.  

Indetectável = Intransmissível

O tratamento com antirretrovirais contra HIV começou a ser disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 1996. Vanessa teve acesso aos medicamentos em 1997. Desde então o tratamento evoluiu, além da quantidade de medicamentos necessária diariamente. 

“Quando eu comecei o tratamento precisava tomar 20 comprimidos por dia. Hoje preciso tomar três comprimidos pela manhã e os mesmos comprimidos à tarde. O que implica em uma melhor qualidade de vida e um tratamento mais fácil”, explica. Vanessa relata que a quantidade de medicamentos varia de pessoa para pessoa. 

Atualmente, há os tratamentos de primeira linha para os recém diagnosticados, com dois comprimidos por dia. Os antirretrovirais ajudam a impedir que o HIV se multiplique e aumentam as células de defesa. 

“Os medicamentos também ajudam a diminuir a carga viral do HIV, tornando as pessoas que realizam o tratamento indetectáveis. O que significa que o vírus se torna intransmissível”, explica. Tudo isso pode ser alcançado, segundo Vanessa, após um diagnóstico e um tratamento precoces. 

Desta forma, é possível gerar filhos sem HIV e não transmitir o vírus para os parceiros. “O tratamento é essencial para normalizar a vida de quem convive com HIV. Por isso, sempre acolho muito as pessoas na minha conta. Quero mostrar que elas não estão sozinhas”, finaliza.

Dados de Joinville

Em Joinville, 4.594 pessoas vivem com o HIV. Dos casos, mais de 3 mil são de pacientes homens. Cerca de 3.796 se declararam brancos, 433 pardos e 284 pretos. No cadastro, não há informações específicas de pessoas transexuais que convivem com a doença por conta da ficha de notificação. 

Dos casos diagnosticados no município, cerca de 84% é de pessoas entre 20 a 59 anos, com 4.009 casos. Há também 33 casos entre 19 anos ou menos.

O número de crianças diagnosticadas reflete uma situação de vulnerabilidade social, segundo Cristiane Soares, gerente de Vigilância em Saúde, pois muitas vezes essas crianças tiveram uma transmissão vertical, da mãe para o feto, por conta de problemas sociais como o vício em drogas, a falta de atendimento básico de saúde e a falta de informação. 

“Há mulheres que não realizam o pré-natal ou que a gravidez é descoberta pelo sistema de saúde apenas na maternidade. Há casos de que a pessoa realizou o pré-natal, mas por uma pressão da sociedade acabou amamentando a criança”, explica. Cristiane relata que a falta de informação é o principal criador de barreiras. 

Por conta disso, em Joinville, muitas palestras são realizadas e campanhas de prevenção e testagem do HIV são expostas em postos de saúde durante todo o ano.

Testagem e tratamento

Os testes para HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis estão disponíveis em qualquer Unidade Básica de Saúde de Joinville. Caso o teste seja positivo, a pessoa é atendida por uma equipe multiprofissional composta por médicos, infectologistas, psicólogos, assistentes sociais e enfermagem. 

“A luta está em cada vez mais fazer diagnósticos precoces e convencer as pessoas a realizarem o tratamento, sempre mantendo o sigilo”, explica Cristiane. Ela relata que muitas vezes as pessoas veem o diagnóstico como uma sentença. 

Segundo a gerente de Vigilância em Saúde, o que vai definir a saúde de uma pessoa que convive com o HIV é o tratamento adequado e contínuo. “Fazendo o tratamento certo com os antirretrovirais, as pessoas podem ter uma vida tranquila e normal. Os medicamentos evoluíram e é necessário tirar a imagem criada nos anos 80 da mente das pessoas”, acrescenta.

O tratamento atualmente é todo realizado pelo SUS e os medicamentos podem ser retirados em qualquer cidade do Brasil. “É um direito da pessoa, portanto, em qualquer lugar a pessoa será atendida”, explica.

PrEP e PEP

A PrEP (Proafilaxia Pré-Exposição ao HIV) consiste no uso de um medicamento anti-HIV de forma programada para evitar uma infecção pelo HIV. “É utilizado caso haja uma exposição, assim o medicamento não permite que o HIV se instale no organismo”, explica Cristiane. 

Em Joinville, mais de 500 pessoas realizam o acompanhamento com a PrEP. Segundo o Ministério da Saúde, a PrEP pode ser utilizada quando há uma possível exposição ao vírus. E existem dois tipos: a PrEP diária e a PrEP sob demanda. 

As situações citadas são relações sexuais sem camisinha, uso repetido de PEP, histórico de infecções sexuais transmissíveis, uso de drogas injetáveis e pessoas que são expostas ao vírus diariamente. 

Outro tipo de medicamento é a PEP (Profilaxia Pós-exposição), que consiste no uso de medicamentos anti-HIV em caráter de urgência. “Nesse caso, é necessário tomar após a exposição de risco e em até 72 horas. O tratamento é feito durante 28 dias e a pessoa é acompanhada por uma equipe de saúde”, relata. 

É indicado usar a PEP em casos de violência sexual, relação sexual desprotegida e acidentes ocupacionais com instrumentos perfurantes ou cortantes, ou com o contato direto com material biológico.


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