Arquivo Pessoal

Por Fernanda Silva

“O Terno de Reis faz parte da minha vida desde criança porque vinha visitar a casa do meu pai. E eu aprendi a ter gosto”, lembra seu João Antônio Schmitz, aos 89 anos. Décadas depois de ouvir o terno pela primeira vez, hoje, o morador de Joinville coleciona composições musicais, premiações, CDs gravados e virou referência da cultura na cidade.

Nascido em Biguaçu, vem da cultura açoriana, assim como o terno. Aprendeu a tocar violão com os irmãos e também a cantar. Vindo para Joinville em 1975, fez endereço em meio à comunidade do km 4, juntou-se à Paróquia Cristo Ressuscitado e ao padre Luiz Facchini, de quem faz questão de mencionar. “Ali comecei a cantar o terno ainda mais”, lembra.

Na época, as missas eram montadas em ritmo de terno e, ao convite do padre, passou a compor músicas para celebrar a vinda do menino Jesus e a vida do povo trabalhador. “Estrela guia nasceu das nossas ‘composição’, que fizemos com amor e muita dedicação, Deus do céu nosso Senhor, que nos deu inspiração, essa história começou com grande celebração, missa de Terno de Reis deu muita repercussão, saudoso padre Luiz, promoveu essa missão”, canta em uma de suas músicas.

Anos depois, mesmo com idade avançada, seu João não para. Ao tocar os dedos nas cordas da viola, faz questão de lembrar do tempo que passou e dos companheiros de estrada, unidos pelo terno.

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“Na minha idade, pego o violão, toco as músicas, canto, e fico lembrando das coisas boas, das pessoas e amizades. Faz a gente viver com mais alegria e tranquilidade”, diz orgulhoso.

Na sala de casa, a lembrança constante da história que construiu. Em cima de uma prateleira, expõe as homenagens que recebeu pelas composições e participações de festivais com o Terno de Reis. O mais importante, porém, não é material, mas o som que ecoa pelas paredes.

Seu João continua a cantar o Terno de Reis no grupo da família, o Estrela Guia. Ali, leva nas letras as mensagens escritas por ele mesmo junto do neto Luis Guilherme Schmitz de Souza, agora também compositor. Na cantoria, as vozes das filhas, genros, netos e bisnetos.

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“Você vai cantar para as pessoas que pedem, que gostam. Isso tem feito parte da alegria que eu tenho. A convivência com a família, netos, que fazem parte deste trabalho”, relata seu João.

Nas ruas, o terno vem anunciar

Com a viola na mão e as vozes em coro, a família Schmitz sai às ruas nas noites de dezembro, batendo de porta em porta para dizer: nasceu o menino salvador. Se dormiam, as pessoas acordam, levantam e abrem as portas para o terno entrar. “Quando vem cantar, já preparam o café, suco, refrigerante. Somos muito bem recebidos. Isso faz parte da tradição do terno de reis”, conta.

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Para seu João, o Terno de Reis é momento de compartilhar a chegada de Jesus, da troca de afeto e carinho fraterno. “Eu me sinto feliz de participar deste trabalho, desta obra de compor o terno de reis”, afirma.

A emoção do terno também é compartilhada por quem canta e por quem ouve. Há histórias que marcam a memória, lembra seu João. Uma das mais importantes, é a lembrança das missas realizadas nas comunidades durante a década de 70 e 80, mas há também as mais recentes.

Seu João lembra de um colega que estava em um momento mais delicado da vida. Foi pedido à família Schmitz que levasse o terno até sua casa. A emoção tomou conta do espaço, lembra o músico. “Ele disse ‘eu quero agradecer a vocês pela visita porque, para mim, foi a coisa mais linda. E quando vocês saírem da minha casa, que Deus abençoe vocês e cada pedra que pisarem. O que vocês fizeram vai ficar guardado pro resto da minha vida'”, seu João lembra de ouvir estas palavras do amigo.

Outra vez, foram chamados pelos donos de uma empresa de confecção para tocar aos funcionários. Eram mais de 100 pessoas.

A família entrou com seus instrumentos e as vozes em coro. Pelos corredores da fábrica, chamavam as pessoas que estavam trabalhando para segui-los. Cantando, se reuniram em um espaço maior. Seu João lembra que a emoção do Terno de Reis inundou o lugar.

Envolvidos no sentimento de amar fraterno, deram um abraço coletivo na família Schmitz. “Fecharam o grupo e nós ficamos no meio. Pra nós, foi um presente que emocionou”, recorda o músico.

Cultura popular

“Objetivo da gente continuar compondo e gravando os CDs para que fique na lembrança e que essa cultura continue sempre viva e a alegria de participar”, diz seu João. “Essa obra ajudou muito no resgate da cultura.”

Ao longo seu sua jornada com o terno, o músico coleciona gravações e premiações por manter viva a cultura popular. O mais recente foi a Medalha de Mérito Cultural Cruz e Sousa, do Conselho Estadual de Cultura (CEC). João Schmitz foi homenageado na categoria “Cultura Popular”.

Medalha de Mérito Cultural Cruz e Sousa | Foto: Arquivo Pessoal
Seu João recebe medalha | Foto: Arquivo Pessoal

Marcado na infância, seu João segue levando a cultura do terno até hoje. Por conta da pandemia, precisou dar uma pausa, devido a idade mais avançada. Mas, de casa, segue compondo e cantando. Em 2022, deve gravar o sexto CD, que terá músicas de terno e sertanejas.

Nas ruas, planeja continuar com a família cantando a alegria do terno. Nas melodias, leva as primeiras composições que fez ainda na década de 70 e 80, acompanhado dos amigos da época, alguns deles que já partiram, como o padre Luiz, mas que seguem vivos na memória do Terno de Reis cantado por seu João.