“Joinville está defasada de médicos”: moradores reclamam de falta de atendimento em UBSF

Morador aguarda há quatro meses por uma consulta com clínico geral

“Joinville está defasada de médicos”: moradores reclamam de falta de atendimento em UBSF

Morador aguarda há quatro meses por uma consulta com clínico geral

Fernanda Silva

*Colaboraram Lucas Koehler e Yasmim Eble

Moradores de diferentes bairros de Joinville têm encontrado dificuldades para conseguir agendar atendimento médico nos postos de saúde. Foram três meses e diversas idas à Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) do Floresta para que Rosana Alexandre conseguisse agendar uma consulta de retorno para o pai, de 89 anos.

Ao longo dos últimos três meses, a moradora foi ao posto de saúde checar se a agenda do médico clínico tinha vagas. As respostas variavam entre “não tem vagas” ou “não tem médico”. “Ela me diz que agenda está completa, mas como, se estou indo toda a semana e nunca estão marcando o médico?”, conta Rosana.

Em resposta, a recepcionista disse que haviam apenas dois médicos na unidade, um para atendimento da Covid-19 e outro para casos mais específicos.

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Foram tantas as idas e reclamações, principalmente por conta da idade do pai que, em meados de março, Rosana conseguiu marcar o atendimento para início de abril. Quando a consulta for realizada, já fará mais de quatro meses desde que o pai fez os exames de sangue.

Idelcio Mader, morador do bairro Aventureiro, compartilha do mesmo problema. Desde o início do ano, tenta agendar consultas de retorno para o pai e a mãe idosos. Diferente de Rosana, porém, ele ainda não conseguiu uma vaga na agenda. Cansado de esperar, entrou com denúncia no Ministério Público Federal (MPF), que foi encaminhada ao Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC).

Funcionamento dos postos

A reportagem de O Município Joinville entrou em contato com dez postos de saúde, localizados em diferentes bairros da cidade, sendo eles: Floresta, Costa e Silva, Boehmerwald, Aventureiro, Boa Vista, Espinheiros, Morro do Meio, Rio Bonito e Santa Catarina.

Cada um deles possui um funcionamento diferente, de acordo com a localidade. Alguns separam as agendas por regiões, portanto, a depender do endereço, os horários do médico já estão completos. Em algumas outras UBSFs o atendimento tem sido realizado por ordem de chegada e a partir da avaliação da enfermeira que realiza o acolhimento. Dependendo do estado de saúde, o paciente é ou não encaminhado para o médico disponível.

Segundo informações recolhidas pela reportagem nestes postos de saúde, consultas de check up não estão sendo agendadas. Quem usa remédio controlado, precisa deixar a receita antiga na unidade que, então, irá apenas renovar o pedido médico de medicação.

A moradora do Parque Joinville, Salute Matias, de 70 anos, chegou na UBSF às 4h30 desta quarta-feira, 30, e ficou em quarto lugar na fila para receber atendimento. Segundo ela, foram entregues 15 senhas para as pessoas e as outras ficaram sem atendimento. “Tinha pelo menos 40 pessoas ali e foram mandadas embora. Eles falaram que só tem dois médicos para atender. Já faz três meses que isso acontece”, relata.

O Sinsej – sindicato dos servidores de Joinville recebeu a denúncia da população e estava no local. “Não só vimos as pessoas indo embora como eles vieram conversar com a gente sobre a questão. A população reclamou não só da falta de médicos, como da rotatividade deles”, relata Geovani Lampugnani, diretor de comunicação do Sinsej.

Salute faz acompanhamento médico para tireoide e estava com dor na juntas. Foi até a unidade básica para conseguir o exame para reumatismo, mas antes disso precisou ir até a UBSF pelo menos quatro vezes. “Eu vim cedo e consegui o primeiro atendimento. Agora tive que vir de novo muito cedo, mas muitas pessoas não conseguiram o atendimento”, completa.

Zoe Bianca Dalri, de 52 anos, e a mãe, Marlene Machado, de 79 anos foram até a UBSF do Parque Joinville às 8h deste mesmo dia. “A coordenadora veio até a porta e pediu para todos voltarem para casa e voltar daqui dez dias, que era necessário paciência porque não tinha o que ser feito. Não tinha como atender mais ninguém”, conta Zoe.

A mãe passava mal no momento em que foi até a unidade. Zoe acredita que uma das medicações de Marlene, que tem diabetes e pressão alta, tenha causado algum efeito no estômago. No local, a paciente só conseguiu atendimento, pois passou mal dentro da unidade, aponta Zoe. “Quem atende a gente aqui é muito bom, não temos nada a reclamar. O que reclamamos é da falta de atendimento”, acrescenta.

O olhar do servidor

Segundo informações de uma servidora da UBSF Parque Joinville, que preferiu não se identificar, a equipe na unidade está reduzida. Atualmente apenas dois médicos atendem a população no local que, anteriormente, costumava ter quatro médicos. Para a servidora, isso acaba gerando filas e demora nos atendimentos.

Uma técnica de enfermagem de outra UBSF, que também preferiu não se identificar, aponta que o sistema de saúde tem deixado de atender por conta da falta de médicos. “Joinville está defasada de médicos, metade do nosso atendimento está comprometido”, opina.

Para ela, o problema poderia ser solucionado com a abertura de concursos públicos. Desde 2014, Joinville não realizava prova para contratar servidores. “As pessoas migram (de trabalho) porque não são concursados, vão apenas renovando os contratos”, explica.

Com a saída dos médicos contratados em regime temporário, as equipes foram reduzidas pela metade e muitos profissionais foram transferidos para outras unidades a fim de evitar o fechamento por falta de atendimento.

Concurso público para contratação de médicos

Após meses de reclamações, tendo em vista os casos como de Rosana e Idelcio, a Prefeitura de Joinville realizou concurso público para contratação de médicos. O resultado foi homologado no dia 18 de março. Na semana passada, 15 profissionais foram convocados. Nos próximos dias, mais 49 médicos serão chamados.

“O déficit no número de médicos é uma das situações mais críticas que temos. Por este motivo, o concurso público foi a solução encontrada para que nós possamos atrair e reter esses profissionais na nossa rede. A chegada de novos médicos possibilita um alívio para a sobrecarga da demanda”, observa Jean Rodrigues da Silva, secretário de Saúde.

Porém, a técnica de enfermagem opina que apenas a contratação de médicos não irá resolver o problema como um todo. O chamamento de médicos concursados deve melhorar a atual situação, aponta, mas ainda há déficit de outros profissionais. Isso porque o concurso público foi realizado apenas para médicos, sem incluir técnicos, enfermeiros, nutricionistas, entre outros.

A servidora elogia o funcionamento das UBFS, pois são unidades que atendem diversas áreas. “Posto é muito completo, atendimento médico, fornece medicação, preventivo, vacinas, encaminha para especialidades, faz curativos. Tem farmacêutico, nutricionista e psicólogo, muito legal. Mas muitas pessoas que estão ali são contratadas, não tem o vínculo, vão embora e o trabalho volta à estaca zero”, diz.

Além disso, ela conta que muitos pacientes, atualmente, procuram o posto para realizar check-ups, pois temem sequelas da Covid-19. Porém, o posto não tem conseguido atender o paciente da saúde básica por conta da falta de médicos.

Influência da pandemia nos serviços de Saúde

A técnica em enfermagem conta que, com a pandemia, muitos profissionais foram realocados e os demais atendimentos de saúde restringidos, a fim de atender com mais força os pacientes infectados pela Covid-19. O que, na sua perspectiva, contribuiu para a falta de médicos em outros setores durante este período.

A Secretaria de Saúde afirma que, durante este período, a atenção se voltou principalmente aos atendimentos relacionados com a Covid-19. “Esta é uma realidade que nós temos acompanhado em todo o Brasil e até fora do país. Como a saúde assumiu a linha de frente do combate à pandemia, as demandas eletivas, aquelas sem urgência, deram lugar aos atendimentos emergenciais”, conta o secretário da Saúde.

Por isso, segundo a pasta, nos últimos dois anos foram contratados diversos profissionais da área, com contrato temporário e excepcional. Agora, com o fim do prazo contratual, esses profissionais deixarão a rede.

Crescimento de Joinville

Ao todo, 219 pessoas que foram contratadas em função da excepcionalidade da pandemia estão sendo desligadas. “Com o fim da calamidade pública em função da Covid-19, o contrato por excepcionalidade não é mais possível. Por este motivo nós não estamos procedendo com a renovação”, afirma o secretário.

A técnica de enfermagem, porém, opina que o número de servidores contratados antes da pandemia já não é suficiente para atender o atual tamanho da população joinvilense, que tem crescido. Ela explica que, diariamente, encontra novos moradores que vão até a unidade de saúde procurando vacinação e orientações. Por isso, defende a necessidade de contratações em outras áreas da saúde e não apenas médicos.

Segundo a secretaria, as equipes e formato do atendimento são definidos de acordo com cada bairro, tamanho populacional, vulnerabilidade, características socioeconômicas e epidemiológicas. “Estamos cuidando da situação das unidades de forma individual, entendendo as demandas e as particularidades de cada uma para evitar impacto no atendimento à população”, pontua Jean.


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