Joinville sem Assédio: por que campanha lançada há cinco meses ainda não funciona

Reportagem entrou em contato com 17 bares e casas de festa, mas apenas quatro responderam

Joinville sem Assédio: por que campanha lançada há cinco meses ainda não funciona

Reportagem entrou em contato com 17 bares e casas de festa, mas apenas quatro responderam

Isabel Lima

Quase cinco meses após o lançamento, a campanha “Joinville sem Assédio” em bares e restaurantes de Joinville ainda não é uma realidade. A iniciativa quer trazer mais segurança para mulheres em estabelecimentos da cidade.

No início de 2023, uma polêmica envolvendo o membro de uma banda de Joinville trouxe a questão do assédio em estabelecimentos à tona, quando dezenas de meninas e mulheres utilizaram um perfil no Instagram para denunciar as agressões que ocorriam em bares e casas de festa da cidade.

Embora a conta tenha alcançado milhares de pessoas e pautado o assunto do momento nas redes sociais, a defesa do acusado solicitou a remoção das denúncias e o perfil foi excluído. O jornal O Município Joinville não teve acesso a qualquer boletim de ocorrência contra o homem. O que se sabe é que ele está proibido de frequentar alguns locais.

Campanha voluntária

Fred Romano/O Município Joinville

O sindicato Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Joinville e Região decidiu criar uma campanha voluntária em Joinville. A ideia surgiu a partir de um projeto de lei arquivado, de autoria do vereador Cassiano Ucker. No projeto, o vereador alerta para o aumento do números de feminicídio e pede que os estabelecimentos de Joinville adotem protocolos de segurança e prevenção.

Entretanto, antes do projeto ser votado, o sindicato entrou em contato com o vereador e solicitou que fosse criada uma campanha voluntária, sem caráter punitivo. “Uma lei envolve fiscalização, se não tiver completinha [as exigências previstas em lei] envolve uma multa e os restaurantes não estavam preparados para receber uma multa”, explica Ana Luiza Wetzel, presidente do sindicato.

A campanha ganhou o nome “Joinville sem assédio” e teve evento de lançamento em novembro de 2022. O lançamento ocorreu na Casa do Capitão, restaurante e casa de eventos filiado ao Viva Bem. Entretanto, até abril de 2023, a campanha ainda não entrou em vigor.

Em 22 de março, o sindicato, a Polícia Civil e Militar organizaram uma reunião na Câmara de Vereadores de Joinville para discutir como a campanha vai funcionar.

A presidente do sindicato e o delegado regional Rafaello Ross informam que haverá cartazes nos banheiros femininos, com um QR Code direcionado para o WhatsApp do estabelecimento, onde um funcionário será orientado a entrar em contato com a vítima solicitante para lidar com a situação da melhor forma.

Se a situação necessitar de apoio policial, o próprio estabelecimento vai fazer o chamado, para garantir a segurança da vítima e a detenção do agressor.

Embora seja capitaneada pelo sindicato, todos os bares, restaurantes, casas de festas e qualquer tipo de estabelecimento de Joinville podem aderir à campanha de forma gratuita. “Cada participante vai receber um selo do Joinville Sem Assédio e cada um vai escolher se vai ser um drink ou um código”, explica Ana Luiza.

O selo será fornecido pelo sindicato. Já o treinamento e o protocolo para equipe do local, essencial para a prática proposta pela campanha, será fornecido pela Polícia Civil. “O protocolo está basicamente concluído, agora estamos esperando a demanda do sindicato, que vai nos informar quando vai ser a data para começar a ministrar essas palestras, essas oficinas”, explica o delegado Ross.

O protocolo vai servir justamente para orientar os funcionários a lidarem com a infinidade de situações que podem ocorrer. O objetivo é lidar com a violência de forma preventiva, e só acionar a polícia em casos realmente necessários.

“A ideia do protocolo é mostrar as consequências do assédio da mulher quando transborda para uma questão criminal, é necessário boletim de ocorrência, corpo delito. A ideia do protocolo também é perceber a demanda deles, para que a gente ajuste o nosso protocolo para tipo de situação que será apresentada, é um projeto piloto”, diz o delegado.

O delegado ainda conclui que, em casos realmente policiais, os estabelecimentos vão poder ajudar nas investigações, com informações sobre o agressor, vídeos de câmeras de segurança e testemunhas.

Onde há protocolos

Joinville tem cerca de 200 bares e restaurantes, de acordo com a presidente do Viva Bem. A reportagem do jornal O Município Joinville entrou em contato com 17 bares e casas de festa para perguntar sobre a existência de um protocolo de prevenção e para lidar com a violência que pode ocorrer dentro dos espaços.

Dos 17, apenas quatro responderam aos questionamentos. Os outros não responderam ou falaram que iam responder e não o fizeram.

Protocolo contra assédio

Os quatro estabelecimentos que responderam aos questionamentos da reportagem do jornal O Município Joinville alegam preocupação com a segurança principalmente das mulheres que frequentam os espaços. Entretanto, a Type e Undr, que compartilham do mesmo protocolo, explicaram que homens tendem a denunciar menos casos de assédio.

“Notamos que homens não se sentem tão confortáveis em denunciar e pedir ajuda”, explicam. O protocolo “+QMigs” foi criado para lidar com qualquer tipo de violência, seja sexual, homofóbica, racista, misógina e transfóbica, e consiste em solicitar ajuda para a equipe com camiseta rosa (na Type) e roxa (na Undr), que costuma se movimentar dentro do estabelecimento durante os eventos.

Já o American Pub Bar respondeu que vê o assunto com bastante preocupação pois as mulheres são a maior parte da clientela. Entre as medidas que o estabelecimento afirma adotar, é padrão uma conversa inicial com o homem para que ele possa se afastar da vítima.

“A equipe de segurança fica observando, caso aconteça novamente o assediador é convidado a se retirar da casa e é dada a opção para a menina abrir um boletim de ocorrência contra o assediador”, diz o bar.

Além dessas medidas, o American Pub busca cuidar das clientes em situação de vulnerabilidade em estado de embriaguez que possam abrir espaço para assédios, segundo a resposta. Quando a situação é notada pela equipe, a cliente é levada para um local mais reservado, acompanhada de uma segurança feminina.

“Enquanto estamos com esses cuidados, nossa equipe tenta localizar amigas que possam acompanhar a menina para casa ou entrar em contato com algum familiar que possa vir buscá-la.”

Em casos de abuso, o bar diz que retira o abusador do local e chama a polícia para registrar um boletim de ocorrência.

O último local que nos respondeu foi o LOFI 220 Sushi Music & Drinks. Eles afirmam já terem vivenciado casos de assédio e, por isso, criaram um protocolo para lidar com as situações.

“Temos um drink como parte de nossa iniciativa para ajudar as mulheres a se defenderem em caso de perigo ou assédio em nosso bar. Se alguém se sentir em risco ou desconfortável, basta pedir o drink para o nosso garçom e ele saberá que a pessoa precisa de ajuda”, explicam. Há informações no local sobre qual drink pedir para solicitar ajuda.

O bar e restaurante afirma realizar treinamentos com os funcionários para que eles saibam lidar com a situação. Se alguém pedir o drink no bar, um funcionário irá discretamente ajudar a possível vítima a deixar o bar e tomar as medidas necessárias.

“Nós acreditamos que é importante fornecer um ambiente seguro e acolhedor para todas as pessoas em nossa comunidade”, concluiu.

Possibilidade de projeto de lei

No evento de lançamento da campanha. Da esquerda à direita; vereadora Ana Lucia (PT); vereador Henrique Deckmann (MDB); José Alves, vice-presidente do Sindicato VivaBem; Ana Luiza, presidente do Sindicato VivaBem; vereador Cassiano Ucker (União); e delegado Rafaello Ross | Foto: Fred Romano/O Município Joinville

Até o fim de março, a presidente do sindicato afirma que de 10 a 15 estabelecimentos se cadastraram na campanha. Ana Luiza acredita que o número deve aumentar quando a campanha entrar em vigor, mesmo assim, não há garantias.

Segundo o delegado Ross, a ideia é começar os treinamentos em abril. “Vai depender da adesão, vamos ver se a gente consegue formatar uma, duas, ou três turmas, vamos deixar um horário e dia estipulado”, explica.

A delegada Tânia Harada e a psicóloga da PC Marcia dos Santos também estão envolvidas na elaboração do protocolo, que a delegada conta ser baseado na Espanha, país referência em lidar com vítimas de violência sexual. “Acredito que as mulheres vão se sentir mais seguras tendo a opção de estabelecimentos mais seguros”, explica Tânia.

O idealizador do projeto, vereador Cassiano Ucker, diz que vai fiscalizar a efetividade da campanha. “Nós acreditamos muito na questão da prevenção, a gente atendeu a solicitação do sindicato porque a ideia não é punir ninguém, na medida que eles vão se inscrevendo, mais pessoas vão se cadastrando, vendo que não é um bicho de sete cabeças”, diz o vereador.

Ele acredita que a baixa adesão pode ser explicada pela campanha ainda não estar em vigor. Mas o vereador alerta que, caso não tenha efetivo participando, o projeto de lei pode voltar a ser apresentado na Câmara de Vereadores. “A gente ainda vai tentar a divulgação voluntária. Se por acaso a gente não conseguir uma adesão significativa, aí sim a gente volta com o projeto de lei”, conclui.

Cassiano ainda explica que a campanha ainda não está em vigor devido ao período eleitoral, já que ele e membros da PC foram candidatos. Entretanto, ele afirma que dentro de 30 a 60 dias, a “Joinville sem assédio” deve estar funcionando.


Casarão Neitzel é preservado pela mesma família há mais de 100 anos na Estrada Quiriri, em Joinville:

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