“Joinville tem uma relação muito íntima com a fotografia”, analisa historiador
Wilson de Oliveira Neto fala sobre a importância dos registros para preservação da memória da cidade
Sabrina Quariniri/O Município Joinville
Mais do que um registro momentâneo, a fotografia é uma fonte documental que atravessou décadas e sofreu adaptações, mas nem por isso perdeu sua importância na história. Wilson de Oliveira Neto, historiador e doutor em Comunicação e Cultura, diz que, desde sempre, Joinville tem uma relação muito íntima com a fotografia.
Ele cita nomes como Fritz Hofmann, imigrante alemão, que ficou conhecido por seus registros no início do século 20, e Adolphe Breeze, como exemplos de profissionais que ganharam notoriedade na cidade.
Para Neto, através das lentes de seus fotógrafos, sejam eles profissionais ou amadores, Joinville possui um abundante acervo que permite-nos comparar as transformações e permanências da cidade ao longo do tempo, e de pensar a história da cidade e de seus sujeitos por meio dessas fotografias.
“A fotografia, como fonte histórica, serve para entender o percurso de uma cidade e de sua gente, sejam essas pessoas de origem alemã ou afrodescendente. A fotografia democratiza a história e permite que vários sujeitos históricos possam ser emblematizados, inclusive os que não aparecem na fotografia, porque aí surge a pergunta: onde estão esses sujeitos que não aparecem na fotografia?”, exemplifica.
A fotografia na história
Desde o final da década de 1970, a partir da revolução documental que ocorreu com o passar dos anos, a fotografia passou a ser uma importante fonte histórica, explica Neto. Com esta ampliação da ideia do que é história, a imagem passou a ser problematizada e utilizada como fonte confiável para narrar fatos.
“Também está relacionada às possibilidades que esta fonte permite ao pesquisador. A gente pode estudar o cotidiano, pensar nos repertórios simbólicos, podemos trabalhar costumes através da imagem. A cultura visual diz muito da nossa forma de visualizar o mundo e sobre conceitos de beleza e de feiura”, afirma.
No contexto de modernização da escrita e da história, em que o repertório de fontes e temas se ampliaram, o registro fotográfico passou a ter também o peso da verdade.
Citando o teórico belga Philippe Dubois, Neto diz que, inicialmente, a fotografia era considerada o espelho do real, um registro literal e incontestável do objeto fotografado.
“Era um triunfo da técnica que não sofria interferência da subjetividade humana. Com a digitalização da fotografia, hoje em dia, isso é questionável, mas se pararmos para analisar, o registro possui um peso de verdade até hoje”, conta.
Tanto tem valor inquestionável que a fotografia é uma das principais composições utilizadas pelo jornalismo, por exemplo. O jornalista pode trabalhar com a fotografia não apenas por uma questão clássica de verdade, mas por representação simbólica, aponta Neto.
“Para além do visual, a imagem possui um conjunto de circunstâncias políticas, econômicas e sociais que fazem sentido para o trabalho do jornalista. Ela é importante não só pelo valor de registro, mas pela capacidade que tem de, uma vez exposta, mobilizar sentimentos e ações, estimular sensações e impulsionar atitudes”, argumenta.
Adaptações
O historiador afirma que, durante algum tempo, era comum dizer que a fotografia esvaziou a experiência humana com o real, que se dava pelo sujeito e o mundo ao seu redor. Mas acredita em um processo inverso.
“Quem falava muito isso era a teórica em fotografia Susan Sontag. Mas penso pelo contrário, a foto permite novas experiências com o mundo ao nosso redor. Vivemos em um mundo onde somos mediados por imagens, e arrisco afirmar que na contemporaneidade as imagens ganharam grande importância, principalmente pela facilidade que temos em produzir, divulgar e colocar as imagens em circulação e manipulá-las”, defende.
Da fotografia analógica à digital, o alcance das imagens passou a ser ampliado. Ainda no começo deste século, tirar e revelar fotografias era um processo demorado e com alto custo. Além do mais, a integridade de todas as imagens não era garantida.
Com a popularização da fotografia, o ato de revelar fotos e conservá-las em álbuns se perdeu. E, atualmente, para se ter uma fotografia impressa, precisa ser um evento específico. Para Neto, o que ocorreu foi a banalização da fotografia, a partir do momento que se tornou barato produzir e fácil armazenar a foto.
“Quando se produzia as imagens e mandava revelar, tinha um certo cuidado na preservação desse material, essas imagens tinham um certo caráter perene, as pessoas buscavam os álbuns para ver e mostrar. Hoje tem um caráter fugaz. Você pega o teu celular faz um monte de imagens e quando enche a memória você simplesmente apaga”, diz.
Apesar do avanço da tecnologia e as mudanças no costume da população, o historiador afirma que há hábitos que ultrapassaram as cortinas do tempo e se assemelham aos do passado.
“Há 50 anos fazer a fotografia era um ato solene: exigia fotógrafo, os homens se barbeavam, cortavam seus cabelos, as mulheres vestiam sua melhor roupa. Hoje você tira a foto de qualquer jeito, mas a vaidade e o cuidado com a aparência não acabaram. Prova disso é a coleção de filtros que a gente tem em cada dispositivo fotográfico do celular”, explica.
Falta de registros
Dentro da proposta editorial fotográfica trazida pelo jornal O Município Joinville para o especial Retratos da História, o historiador Maikon Jean Duarte ficou responsável por buscar imagens de diferentes cantos da cidade.
Uma das dificuldades citadas por Duarte foi a falta de registros fotográficos de locais frequentados pelas culturas indígenas, pesqueiras e afrodescendente, que estiveram presentes desde os primórdios na cidade. O historiador não encontrou imagens em boa resolução da Sociedade Kênia Club, por exemplo, nem no Arquivo Histórico de Joinville e nem com frequentadores do local.
Wilson de Oliveira Neto explica que desde que se escreve sobre Joinville, dos anos 1960 ao final do século 19, do autor Theodor Rodowicz-Oswiecimsky a Carlos Ficker, as obras seguiam um padrão: textos tradicionais, historiografia factual e cronologia.
“Então a história do Ficker vai até o início do século 20 e era algo datado, porque este século não seria o terreno do historiador. E o Kênia Club, só aparece na história de Joinville na segunda metade dos anos 1990, em uma monografia de especialização de história e historiografia brasileira. Então foi um dos grandes esforços modernos de profissionais locais da área de história”, conta.
Neto diz que se interessa e acompanha à distância a historiografia afro de Joinville. Ele pensa que ainda há muito a ser estudado e pesquisado sobre o tema e, por ser um assunto ainda tímido na história da cidade, pode ser que ainda não tenha ocorrido o acesso adequado com as fontes.
“Uma fonte histórica não nasce uma fonte histórica. Ela é um vestígio do passado, algo que sobreviveu à ação implacável e destruidora do tempo que tudo consome. Por alguma razão, alguém ou algumas pessoas olharam para aquele material e decidiram que precisava ser preservado. Talvez essas imagens (do Kênia) existam e possam estar com pessoas ligadas diretamente ou indiretamente ao local, que a gente não conseguiu ainda descobrir”, sugere.
Outra possibilidade apresentada por Neto que pode justificar a ausência de registros fotográficos é a questão social, já que, como citado, até 1990 era caro tirar fotografias.
Apesar desses fatores, o historiador prefere ser otimista. “Acho que a gente ainda pode buscar essa fonte histórica, conhecer pessoas e buscar imagens perdidas em uma caixa ou álbum que alguém ainda possa ter.”
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