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Leitura no cárcere: detentos de Joinville leem até 12 mil livros por ano

Projeto permite abater quatro dias da pena por cada resenha escrita sobre uma obra

Iniciado em 2013, o projeto de leitura no cárcere tem levado conhecimento, cultura e acesso à educação aos presos do Complexo Prisional de Joinville. Com cerca de 3,5 mil títulos, divididos no Presídio e Penitenciária da cidade, os detentos, em um ano, leem 12 mil obras, além de produzir o mesmo número de resenhas sobre cada livro lido.

Entre centenas de páginas consumidas, a palavra censura não se faz presente. Entre os autores, estão clássico da literatura nacional e internacional, como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Gabriel Garcia Márquez, Sidney Sheldon e Luis Fernando Verissimo. Na prisão não há grades para gêneros, sendo o infanto-juvenil um dos mais consumidos.

Desenvolvido pelo juiz da Vara de Execuções Penais João Marcos Buch, o projeto exige que os encarcerados têm 20 dias para ler e mais dez dias para fazer uma resenha sobre a obra, que é a avaliada por professores. A avaliação não é um teste, desconsiderando questões de ortografia ou gramática, mas serve para evitar plágios e confirmar que o texto faz sentido com o conteúdo do livro.

Cada resenha aprovada equivale a quatro dias da pena abatidos. Ou seja, em um ano, caso o detento leia 12 livros, pode diminuir até 48 dias da condenação.

Buch celebra o projeto de leitura universal entre os encarcerados, já que outros projetos estaduais envolvendo a grade educacional são limitados a poucas pessoas, por falta de estrutura no sistema carcerário.

O juiz destaca que o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução liberando as práticas educacionais alternativas, dentre elas, a remissão pela leitura, elaborada por ele. “Tive a possibilidade de participar disso e passou a valer para todo Brasil, agora basta implementar em todos os lugares”, diz.

Educação no cárcere

Com aceitação pela leitura desde o início do projeto, atualmente, cerca de 12 mil livros são lidos pelos presos em Joinville. Para Buch, a iniciativa faz sucesso pelo fato do detento, na maior parte do dia, não ter com o que ocupar a mente durante o cumprimento da pena. Assim, os livros viram companheiros do presente, que podem mudar o futuro.

Apesar dos bons resultados, ele critica que a atual situação das bibliotecas da penitenciária e presídio não são ideais. “Precisam ser melhoradas, além de cada uma ter um bibliotecário presente”, ressalta.

Livros no sistema carcerário de Joinville | Foto: Reprodução/Redes Sociais/João Marcos Buch

Apesar das dificuldades, os projetos não devem paralisar por isso. “As coisas precisam acontecer para que a remissão funcione. Mas nós temos que melhorar nesse sentido”, reflete.

Prisões em más condições

O juiz critica o sistema prisional brasileiro que, para ele, é colapsado como um todo, não existindo trabalho, cultura, lazer e educação para os presos. De acordo com o Buch, o percentual de oportunidades no cárcere brasileiro é pequeno.

Em Santa Catarina, são cerca de 24 mil pessoas privadas de liberdade, porém, apenas oito mil trabalham regularmente. A taxa segue o mesmo ritmo quando se fala em promoção à educação. “Não tem espaços para salas de aula, não existem Recursos Humanos, é tudo muito difícil”, lamenta.

Ele crava que os encarcerados, muitas vezes, não têm acesso a sabonete ou outros produtos básicos de dignidade, por exemplo.

Para ele, o único caminho para mudar a situação é interromper o encarceramento em massa. “Isso muda com a atenção que o Estado oferece na base: na base da família, da infância, da habitação, empregabilidade, educação e saneamento básico”, opina.

Livros em mãos: uma relação viva

A leitura no cárcere, para o juiz, promove uma relação “viva” entre os textos e o leitor. Ele contextualiza dizendo que a literatura é ferramenta para diálogo entre os próprios presos, que recomendam obras uns aos outros e debatem sobre livros.

Para ele, é fundamental que as obras não deixem de chegar aos detentos, mesmo durante a pandemia da Covid-19. “A leitura é importante, faz a pessoa crescer e, ao mesmo tempo, melhora o tratamento dos presos ao Estado e vice-versa. É um avanço em todo o sistema”, fala.

Não há censura nos temas dos livros que entram no Complexo Prisional de Joinville | Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Há casos, inclusive, de quem lê mais de um livro por mês, mesmo que isso não mude o número de dias abatidos na remissão da pena. “Muitos deles relatam que a ideia e o respeito sobre a vida mudaram a partir de uma obra”, conta Buch.

Promovendo cultura e arte, o objetivo é romper barreiras sobre o sistema carcerário, tanto no ambiente interno, quanto para quem está em liberdade.

O juiz expõe que voltar à liberdade, após não ter contato com a sociedade externa por longos tempos, pode ser uma realidade dura. “São ‘jogados’ na rua sem renda, acesso a trabalho, educação e com um estigma na testa, dizendo: bandido”, lamenta.

Para reverter este cenário, o projeto deseja ser uma porta para o recomeço longe do crime. “Praticar a leitura é fundamental para a retomada da vida dessas pessoas. É uma mudança a partir do conhecimento e do saber”, finaliza Buch.