Arquivo Pessoal

Há cerca de 12 anos, Gabriela Egea, de 48 anos, aterrizava em Joinville para começar uma vida nova com o filho. Antes de Santa Catarina, a argentina morou 12 anos em Minas Gerais com o primeiro marido, onde foi professora de graduação. Quando o casamento terminou, Gabriela se apaixonou por um homem que morava em Joinville e decidiu tentar a vida na cidade.

Assista ao vídeo e conheça a história de Gabriela Egea:

A história de Gabriela é a primeira a ser contada na série Virei Joinvilense, um especial produzido pelo jornal O Município Joinville em comemoração ao aniversário de 173 anos da cidade, comemorado neste sábado, 9. Ao todo, são cinco reportagens e cinco vídeos que serão publicados semanalmente em omunicipiojoinville.com.

Quando morava em Córdova, no interior da Argentina, a dois mil quilômetros de Joinville, Gabriela estudava Ciências Econômicas. Foi na faculdade que ela conheceu um brasileiro, estudante de medicina. Os dois se apaixonaram e engataram um namoro. Quando o então namorado concluiu o curso, decidiram se mudar para o Brasil. 

A ideia era fugir da crise econômica que assolava a Argentina na década de 90 e construir a vida em um ambiente mais tranquilo. Noivaram, entraram em um ônibus com a mudança e três dias depois chegaram em Belo Horizonte. 

Gabriela engravidou antes de concluir a faculdade. “Meu marido era médico, como que eu engravidei assim por acidente?”, brinca. Mesmo graduada, a vida dela se manteve no ambiente acadêmico, onde deu aulas e até coordenou um curso. 

Entretanto, o casal decidiu se separar. Ainda em Belo Horizonte, Gabriela conheceu um avaliador do Ministério da Educação (MEC), que saiu de Santa Catarina para cumprir um compromisso na faculdade em que ela lecionava. Eles se apaixonaram e uma nova proposta de casamento surgiu. 

“Não tinha ouvido falar em nada de Joinville”, conta. Quando buscou saber mais, descobriu que a cidade tem o único Bolshoi fora da Rússia e a Tupy. Por ser apaixonada por balé, Gabriela se animou. A cidade parecia tranquila, perfeito para criar o filho e casar novamente. 

“Neste meio tempo eu comecei a procurar emprego aqui, eu já tinha viajado aqui duas ou três vezes para fazer entrevista”, recorda a professora. Enquanto trabalhava em Minas Gerais, ela conseguiu a vaga de professora na UniSociesc. 

“Os motivos, pois quais vim, tinha obviamente a questão do namorado, que era 50%, os outros 50% tinha que ser minha qualidade de vida e isso foi o que sustentou. Tanto que eu terminei o namoro e continuei aqui”, diz Gabriela.

Mesmo que o casamento não tenha se concretizado, ela se apaixonou pela tranquilidade de Joinville. “Óbvio que tem bairros e bairros, mas você pode sair à noite com toda tranquilidade, você não tá assim ‘ai, vão me assaltar’”, explica. “Eu vou comprar a noite sozinha com cachorro, eu vou ao supermercado, deixo o cachorro amarrado e era impossível isso em Belo Horizonte”, complementa.

Gabriela fez algumas viagens para fazer entrevistas de emprego em Joinville, mas não havia passado mais que um dia na cidade. Embora conseguisse liberações do trabalho para fazer comparecer aos compromissos, era sempre muito corrido. 

Em determinada ocasião, a UniSociesc agendou uma entrevista para quinta-feira. Mas Gabriela precisava estar em Minas Gerais na sexta-feira para lecionar. Comprou as passagens, para ela e o filho, e veio. 

“Eu comprei a vinda e cheguei na data certa. Quando estou indo embora, vou lá no aeroporto e falaram “sua passagem não é para hoje’”. Gabriela lembra que se desesperou. Ela viu o preço barato e esqueceu de conferir a data. 

Então, começou a pensar no compromisso que tinha sexta-feira. “Quem que vai acreditar que eu comprei errado?”, refletiu à época. Como não tinha mais volta, decidiu adiar a passagem para segunda-feira. “Foi a primeira vez que fiquei um final de semana em Joinville e foi ótimo”, recorda. Finalmente pode conhecer a cidade que viraria a casa dela. 

Quando chegou em Minas Gerais, Gabriela se sentiu bem recebida. As pessoas eram muito queridas, gostavam de conversar com ela. Mas os desafios culturais e linguísticos ainda estavam começando. 

Em certa ocasião, uma amiga mineira falou “vamos marcar algo final de semana” e Gabriela se animou. “Eu cheguei toda feliz para meu marido falando que uma colega chamou para fazer algo fim de semana”, lembra. Mas ele logo alertou que se essa amiga não havia informado o local e horário, o encontro não ocorreria. 

Gabriela não acreditou. Naquele fim de semana, o casal tinha um almoço com amigos, mas Gabriela insistiu para ficar em casa. Ele foi e ela aguardou pacientemente ao lado do telefone. “Meu marido chegou de noite perguntando ‘e, aí’”, recorda Gabriela. 

Na segunda-feira ela tirou satisfações com a colega que afirmou “vamos marcar um dia uai”.

Já em Joinville, Gabriela conta que foi recebida com mais frieza. “Em Joinville simplesmente não me convidavam para fazer nada”, conta se divertindo. “Mas na convivência no dia a dia, após muito conviver com as pessoas, você descobre que elas são super simpáticas”, explica. 

Foi um período de isolamento, já que o namorado dela também não era da cidade. Gradualmente foi criando amizades e descobrindo novos costumes. Atualmente ela costuma se reunir com os amigos para tomar cerveja e chimarrão. Para ela, o melhor programa de fim de semana é comer na casa de algum colega, que sempre preparam comidas típicas para ela. 

Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Solteira novamente, Gabriela tinha uma vida bastante corrida. Trabalhava todos os períodos do dia e acabava passando pouquíssimas horas com o filho. “Ele passava mais tempo com a babá do que comigo”, recorda. 

Foto: Arquivo pessoal

Gabriela acordava às 5h para jogar uma partida de Uno com o filho e passar algum tempo com ele. Aos poucos ela viu que a situação não era sustentável. O menino dela merecia morar em uma casa com irmãos, pais presentes e um cachorro. 

Foi quando ela tomou a decisão mais difícil da vida. Mandou o filho para a Itália, para morar com o pai e a madrasta. Após a separação, o e-marido conheceu uma bailarina e foi morar com ela na Europa, com quem teve duas filhas. “Pensei, se esse filho ficar comigo, vai ser criado por uma mãe amorosíssima, mas que não tem tempo para ele. Lá ele teria todo um apoio, duas irmãs, cachorro, madrasta, pai”, explica. 

Na época, ele estava completando 10 anos. Sem família em Joinville, Gabriela passou a se ocupar ainda mais com trabalho e aceitou participar de um projeto de extensão no Bolshoi.

“Imagina eu ficar sozinha de uma hora para outra sem o filho, mas, ao mesmo tempo, apareceu esse projeto de extensão para dar aula e apoio escolar a meninos da mesma idade do meu filho, de vários lugares do Brasil e de outras partes da América latina, que também ficavam sozinhos aqui, na mesma idade que meu filho ficou sozinho lá”, conta. 

Foto: Arquivo pessoal

Aquela experiência foi terapêutica para Gabriela. “Eram meninos sem mãe e uma mãe sem filho, foi perfeito”, explica a professora. Além da ajuda escolar, ela prestava apoio emocional e eles faziam o mesmo para ela. 

Aquelas crianças ensinaram Gabriela muito sobre adaptação. “Eu perguntava para eles para entender como estava meu filho sem mim. Perguntava se eles não estavam com saudade, mas eles falavam que sim, mas tinha tantas coisas legais”, conta. “Não sabia se ficava feliz ou triste com isso”, diz rindo. 

Além dos alunos do Bolshoi, os estudantes da faculdade que a acompanhavam e os professores de balé se tornaram uma rede fortalecedora para Gabriela. “Você pode não estar com a família, mas os amigos, eu tenho amigos aqui que fazem o papel de minha família”, conclui ela.

Para Gabriela, a vida em Joinville significa estabilidade. “Um lugar muito bom para trabalhar, estudar, criar uma família. Já fazem 12 anos que estou nesta cidade e por opção, não que eu não tenha outro lugar para ir. Tem muita gente me chamando na Argentina para voltar, mesmo assim eu escolho ficar aqui”, diz a professora.

Ao chegar no Brasil, Gabriela fez transferência de faculdade. A ideia era continuar o curso de Ciências Econômicas em Minas Gerais. Mas houve um erro de tradução e ela acabou estudando Ciências Contábeis. 

Mesmo sem saber a língua portuguesa, Gabriela fez uma procuração para uma pessoa de Minas Gerais matricular ela na faculdade. “Essa pessoa ficou doente e ela fez uma procuração para outra pessoa que eu não conhecia. Essa outra pessoa, em vez de matricular em ciências econômicas, me matriculou em ciências contábeis”, recorda.

Ela só foi perceber que frequentava o curso errado semanas depois. “Porque tudo tem muito a ver, eram números, eu não entendia nada, eu via número e era isso”, lembra. Com o tempo ela começou a estranhar o conteúdo focado em contabilidade e nada de economia.

Quando descobriu, era tarde demais. A burocracia da época obrigava que ela voltasse para a Argentina trocar o visto de estudante e fazer uma nova solicitação. “Eu falei não, vou ser contadora mesmo”. 

“É triste, mas adorei a profissão, sou muito feliz”, diz a professora. “Imagina, é como eu quisesse ser veterinária e terminei sendo oftalmologista, porque alguém não entendeu o que estava escrito”, conta em meio a risos. 

Antes disso, Gabriela passou por outro perrengue linguístico. Ao chegar na rodoviária de Belo Horizonte com as mudanças, decidiu fazer um pedido na lanchonete. Enquanto o então marido ia ao banheiro, ela quis mostrar sua independência e ficou ouvindo o pedido dos outros. “Todos pediam pão de queijo e um café com leite”, recorda. 

Quando chegou a vez, ela falou: “eu quero um pau de queijo”. No espanhol, não existe “ão” e a argentina virou motivo de piada. “Então as pessoas ficaram me olhando e me fazendo de trouxa ‘o que você falou?’”, lembra. “‘Eu quero um pau de queijo’, ‘fala mais alto’”.  A situação foi resolvida quando o marido ouviu de longe ela berrando que queria pau. 

Mesmo morando no Brasil há mais de 20 anos, Gabriela ainda protagoniza situações engraçadas. Além de professora, ela trabalha na contabilidade de um cliente, que marcou uma reunião na praia do Ervino. 

Ela fez todo o relatório da reunião e enviou para todos. No título, ela colocou o local do encontro, a praia da Ervilha. “Eu entendi a praia de ervilha, não Ervino”, explica. 

Antes de se aposentar, Gabriela não cogita sair de Joinville. Como é professora e tem duas férias por ano, ela já costuma viajar para Argentina e Itália. “Trabalho o ano todo para pagar passagem”, diz. 

Foto: Isabel Lima/O Município Joinville

Ela entende que, quando se aposentar, precisará de mais proximidade física com a família. Entretanto, pretende ficar em Joinville por muitos anos. “Tem uma série de infraestrutura e convivência urbana que pra mim é muito interessante. Então, por vários anos espero ter estabilidade aqui”, finaliza.