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Burocracia excessiva esvazia edital de cultura

O edital municipal de 2020 destinado à seleção de projetos culturais de Joinville foi lançado na última semana e está com as inscrições abertas. Entretanto, o processo continua sendo alvo de críticas e questionamentos do setor artístico. Conversei com algumas pessoas que atuam na área para tentar entender como que um mecanismo que já contou com mais de 500 inscritos em 2015, teve apenas 60 participantes em 2019. O que está por trás desta queda tão expressiva?

“Você não vai tratar os artistas com as exigências, documentações e detalhamentos de uma empreiteira.”

O Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura (Simdec) foi pensado para ser uma lei de fomento a cultura, regulamentada através da lei de licitação (Lei 8.666), mas também baseia-se em dispositivos da própria lei que abrem espaço para concursos. É o que explica Marisa Toledo, musicista e agente cultural.

Segundo Marisa, a lei nacional é a mesma que regula a licitação de empreiteiras para obras públicas, por isso é preciso atentar para as particularidades da área artística: “Você não vai tratar os artistas com as exigências, documentações e detalhamentos de uma empreiteira.”

Até 2017, as propostas eram enquadradas artisticamente, com autonomia, para que a Comissão de Avaliação de Projetos (CAP) gerisse o processo como um concurso. A partir de reformas administrativas feitas em janeiro de 2017, o Simdec saiu da Fundação Cultural para ser regido diretamente pela prefeitura através da Secretaria de Cultura e Turismo, sendo tratado especificamente como uma licitação.

Para Marisa, a perda da fundação acarretou o estado em que o Simdec se encontra hoje: “Sou uma defensora da volta da Fundação Cultural”. A musicista relembra que em dezembro do mesmo ano, um decreto foi publicado sem nenhum contato ou consulta ao Conselho Municipal de Política Cultural.

Marisa Toledo. Foto: Arquivo Pessoal

“Desde 2013, o conselho tem sido ignorado, esquecido, deslegitimado. Quando mudou o decreto, enquadraram o concurso público artístico como se enquadra uma empreiteira que faz asfalto. Isso inviabilizou tudo. As exigências ficaram impossíveis. A ficha de inscrição não é uma ficha artística. Os questionamentos e campos não são próprios para um artista. A gente tem dificuldade de preencher porque isso não se identifica com o fazer artístico”, conta Marisa, que exemplifica: “Em um projeto para uma banda, como eu vou fazer três orçamentos para um guitarrista?”.

Para Marisa Toledo, as decisões em torno do setor cultural parecem não passar pela pasta da Cultura, estando apenas subordinadas à secretaria da Administração, sendo o decreto de 2017 um exemplo desta falta entendimento para e com o nicho artístico.

De acordo com Marisa, o maior problema da mudança foi a falta de debate com a população e os setores envolvidos. A falta de vontade política para compreender a causa e os artistas faz a cidade perder oportunidades, investimentos e benefícios, não só para a cultura, mas também para outras áreas.

“Existem pesquisas feitas neste sentido, em que para cada R$ 1 investido em cultura se economiza R$ 4 no SUS”, atenta. Na opinião da agente cultural, se não se quiser pensar na parte subjetiva e “simbólica da arte”, pode-se pelo menos considerar o “valor econômico da arte” que retorna com lucro para os cofres públicos.

“Isso se deu por conta da burocratização excessiva.”

Para o ator e produtor Cassio Correia, a queda de interessados nestes editais de 2015 para cá é resultado de um processo de descrença em relação ao poder público. “Isso se deu por conta da burocratização excessiva”, explica Cássio, que compara o atual edital a um “Frankenstein”.

“São inúmeras regras que tornam os projetos praticamente inviáveis de serem enviados, aprovados e, muito, executados, quando há aprovação, situação essa bem rara de se acontecer nos últimos anos”, revela.

Cássio também cita as cotações de cada item do projeto como exemplo de inviabilidade: “Em se tratando de um orçamento de um serviço que somente é conseguido através de fornecedores de fora de Joinville, o proponente precisará solicitar que a empresa envie por correio o orçamento assinado ou o proponente precisará se deslocar até a essa cidade para obter acesso ao orçamento. Isso gera custos inviáveis para o proponente já na escrita do projeto”, atenta.

Cassio Correia. Foto: Arquivo Pessoal

Estes editais poderiam ser uma forma de realmente fomentar um dos cenários mais atingidos pela pandemia do coronavírus, que é a cultura. No entanto, o formato da própria seleção se torna um entrave.

“Lançar um edital neste mesmo formato, que já citei algumas burocracias, e exigir documentos presenciais sendo que os decretos solicitam o distanciamento para evitarmos um maior contágio da Covid-19 me parece um pouco equivocado”, reflete Cássio.

“Por fim, não consigo entender como um mecanismos que já teve um histórico tão expressivo não só para Santa Catarina, mas para o Brasil, como formato ideal de fomento a cultura, pode ser tão desprezado pela atual gestão”, desabafa.

Para o produtor, editais como o Elisabete Anderle (mecanismo estadual) são muito mais acessíveis aos artistas, pois promovem um formato mais simplificado de inscrição e execução. “O próprio Simdec já teve um sistema digital que foi completamente ignorado pela atual gestão”, lembra.

Sobre o edital de 2020

As perspectivas não são positivas, mas aos que se interessarem e tiverem disponibilidade e energia para participar do edital de 2020, a prefeitura divulgou o documento oficial em seu site. Serão destinados R$ 1.879.416,00 a até 37 projetos. Os proponentes deverão entregar os envelopes com os documentos necessários até dia 14 de agosto, no prédio da Prefeitura de Joinville, junto à Gerência de Planejamento da Secretaria de Administração e Planejamento (SAP).

Mais informações sobre o edital do Simdec podem ser solicitadas no sap.upl@joinville.sc.gov.br.